quinta-feira, 11 de novembro de 2010
O DIREITO À MEMÓRIA DOS MORTOS
Os mortos não têm direitos de personalidade, uma vez que a morte a extingue, mas a memória permite que vestígios dessa personalidade finda permaneçam e até sejam transmitidos aos herdeiros como patrimônio moral. Existe a memória individual do falecido, cuja defesa é atribuição dos “gestores da boa memória”, conforme o artigo 12 do Código Civil, os quais são legitimados a exigir a reparação por dano moral por lesão ao direito de personalidade do falecido, além de lhes caber a autorização ou proibição de divulgação de escritos, a transmissão da palavra, publicação, exposição ou utilização da imagem, caso atinja a honra, a boa fama ou a sua respeitabilidade, ou se for destinada a fins comerciais. Pode haver também uma memória coletiva sobre o falecido, talvez não afetivamente valorizada ou defendida pelos familiares, justificando a preservação e o acesso público ao seu passado. Além da defesa da memória pelos familiares, o respeito aos mortos pode ser manifestado por outras três maneiras: a lembrança celebrativa, em relação aos vultos e personalidades históricas; a reabilitação, quando o indivíduo falecido não teve em vida o reconhecimento ao qual fazia jus e o direito genérico de respeito aos mortos. O caso do “perdão” que eventualmente será concedido a Jim Morrison, vocalista do Doors, poderia ser enquadrado como uma forma de reabilitação póstuma do seu nome, para o restabelecimento de sua respeitabilidade pública (hehehe. hehehehe). No caso de Jim Morrison essa reabilitação é teoricamente possível e, se concretizada, será uma grande ironia para a sua aura de roqueiro-tô-nem-aí-pra-sociedade-lisérgica. Será que uma reabilitação efetivamente contribuiria para a preservação da memória de Jim Morrison? O argumento daqueles que pediram o perdão póstumo é que ele se defendeu em todas as instâncias, e que não queria ser condenado. Sinceramente, não acho que isso seja um bom argumento para a reabilitação porque a defesa é um direito do Réu, e não significa que ele seja inocente ou esteja arrependido. Além disso, mesmo que ocorra o perdão, na verdade a memória de que Jim Morrison sofreu o processo permanecerá. De toda sorte, essa não é uma opinião técnica porque não sabemos se ele foi condenado ou se o processo foi extinto com o seu falecimento: é apenas uma oportunidade para pensar e lembrar dele, ouvindo as músicas do Doors enquanto escrevo. Outros exemplos da efetividade do direito individual dos mortos são a lembrança celebrativa, pela instituição de dias memoriais em homenagem (Lei nº 4.897, de 9 de dezembro de 1965, que visa a manter viva a memória de Tiradentes) e o direito genérico de respeito aos mortos, por exemplo, no tratamento adequado a ser dado ao cadáver. Três situações me preocupam em relação a essa última posição jurídica – o direito de ser respeitado após a morte – relativamente à garantia do jus sepulchri, ou seja do direito de ser sepultado, que são os cadáveres utilizados para pesquisas científicas, os restos mortais exibidos em museus e os desaparecidos políticos. Os cadáveres utilizados em pesquisa científica deveriam ser sepultados após um período determinado, e enquanto fossem utilizados, deveria ser-lhes dispensado um tratamento respeitoso que, no final, contribuiria para que os estudantes aprendessem também a respeitar os seus pacientes vivos. Já a exposição de cadáveres e restos mortais em museus ou como obras de arte também deveria ser objeto de regulamentação garantidora do respeito e da sua conservação, o que pode ser extensivo aos objetos rituais encontrados nos túmulos. Em alguns casos, se a exposição desses restos mortais for contrária aos costumes da sua cultura de origem, após os devidos estudos, entendo que deveriam retornar ao local de sepultamento e sepultados de forma adequada. Em algumas culturas a inumação pretende garantir que a corrupção do corpo não seja assistida, ou é condição necessária para garantir o futuro correto do morto e da sua memória. A exposição indevida desses restos mortais, para algumas culturas, pode significar um obstáculo inaceitável à vida após à morte, por exemplo. E finalmente, há a situação específica dos Guerrilheiros do Araguaia, desaparecidos políticos que foram considerados mortos pelo regime militar, e cujos restos mortais permanecem em local ignorado. Há, neste caso, um evidente jus sepulchri, o direito de ser sepultado conforme as suas tradições, e é por isso que o governo brasileiro está envidando esforços para encontrar os seus restos mortais após tantas décadas de absoluto esquecimento. REFERÊNCIAS DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curitibia: Juruá, 2010.
E não tem tb o contràrio? O sujeito morre honrado, e depois os vivos se servem dessa imagem pra vantagens pessoais.
ResponderExcluirTem disso nos homens politicos de hoje em relação aos politicos de ontem.
Desde que os fatos bons imputados sejam verdadeiros, a memória individual será preservada.
ResponderExcluirO que pode haver é um uso abusivo dessa memória. Como é que a gente pode ter certeza que determinado político falecido, se fosse vivo, apoiaria quem está usando a sua imagem?
Há exemplos de atos terríveis cometidos em "nome de fulano" ou "em defesa de sicrano" e nós não podemos garantir se o falecido fulano ou sicrano apoiaria tais ações.
É covardia colocar na conta do falecido.
Ei! E Che, Sandino...Lenin...
ResponderExcluirisso pode ser aplicado também? Ou "Deus"?
Pode sim.
ResponderExcluirHá uma variedade de formas de abusar da memória, desde homenagens póstumas, fazer marketing com a memória do falecido. Às vezes a utilização é tão descontextualizada que se torna abusiva.
Em relação a Deus não poderia ser considerada uma violação à memória individual dos mortos porque não se trata de pessoa física atualmente.
(Sei que os historiadores pensam em outra escala, e sei que houve épocas em que pessoas físicas poderiam ser deuses) Tá, tá, tá, não precisa argumentar.
Posso conceber uma violação à memória coletiva, quando há uma utilização descontextualizada ou incorreta do deus ou deuses, ou do conceito de deus de determinada cultura.
Doutora, esse negócio de memória do morto é mesmo muito interessante. E cada post me faz perguntar : - De onde vem a frase : ‘eita, o morto se mexeu no túmulo…’ ?
ResponderExcluirJà vi q os nós, fiéis seguidores deste blog democrático, sentem-se à vontade pra colocar tudo no meio (até Deus !*), então, vou deixar aqui outro exemplo p contribuir c/ o debate (submeto, claro, ao contrôle do historiador plantonista).
O episódio conhecido como a Confraternização do Natal de 1914 pôde ser revisto recentemente na França. Isso se deu por conta de ações judiciais interpostas por famílias de ex-combatentes fusilados em decorrência de uma condenação por deserção ou traição.
As familias provaram, com base em, jornais, cartas e diários da época (alguns antes guardados sob sigilo militar), q aquele dia não foi o único em que os soltados alemães, franceses e britânicos se confraternizaram durante a 1ª Guerra e, portanto, não haveria razão para lembrá-los sob a pecha de desertores ou traidores.
Enfim, a galera passou anos nas trincheiras vendo o inimigo passar todo dia, pra là e pra cà, trinta metros um do outro. Resultado, tinha inimigo virando vizinho e gente se dizendo chateado porque, no fim das contas, não saber falar direito a língua do outro atrapalhava eventual bate-papo, ainda que, vez ou outra, acabavam falando a língua universal do futebol (!), da música etc. Dito assim, parece uma heresia, mas é uma versão hoje válida q possibilitou rever no judiciário aquelas condenações.
Enfim, achei que este era um típico caso de re-hab da memória do morto.
Com a ≠ de q neste episódio, é interessante ver como o tempo e o espaço construiram conceitos diferentes para o mesmo fato historico. Na época, os casos de confraternização no ‘front’ de batalha eram noticiados nos jornais ingleses e irlandeses e, apesar das críticas que gerou, acabou por isso, sendo banalisado mais cedo. Jà na França e Alemanha, onde as informações foram melhor ‘guardadas’ e as punições mais severas, foi preciso umas 8 décadas p q as pessoas começassem a se sentir mais à vontade pra falar sobre o assunto e, (só então) houve o momento histórico p a ação judicial pedindo que seja retirada a menção ‘desertor/traidor’ da ficha do combatente.
* Tais vendo aí, ‘Deus està morto’, e Bino tà rondando pra saber se pode colocar alguma na conta Dele. (…) Ele pode se remexer no túmulo ?
** Fabi, tem comentários q não precisam ser respondidos. O blog é teu ! Manda essa galera catar côco. Além do mais, se fazemos uma provocação e tu a responde gentilmente, perde a graça !
Bino, e no caso da neta do Che q posou semi-nua (tinha a boina!) pedindo pra pararmos de comer picanha, ops, carne?
ResponderExcluirEra uma propagando pro PETA, eu acho.
Ô, Denise,
ResponderExcluirCara amiga papel de embrulhar prego,
Você está reclamando porque eu respondo com gentileza? Ou só está me tratando assim em função da minha procedência nacional?
Rapaz, esse teu exemplo aí vai virar um clássico do meu repertório. Mais reabilitação póstuma que isso impossível. Será que você consegue a decisão judicial que reabilitou os traidores, digo, cidadãos de bem?
Quanto ao uso da imagem de Che Guevara, alçado à categoria de ícone, vislumbro um possível abuso na forma como aquela fotografia clássica é reproduzida. Isso pode ser constatado pela utilização para fins comerciais (em camisas, cadernos), políticos. Acho que a neta de Che quis reafirmar a postura incisiva das opiniões da família...Neste caso, é evidente que a sua opinião tem mais peso por causa (ou apenas) do parentesco.
Mas o contrário também pode acontecer: alguém ser discriminado por causa de um sobrenome maldito, daí a necessidade do direito à reserva do passado. Para desvincular as pessoas de antepassados que cometeram crimes, por exemplo, os descendentes dos nazistas.
REcomendo a leitura de Lebert & Lebert. Tu carregas o meu nome (esqueci o resto da referência).
êta! perai, vamos por partes:
ResponderExcluir1) Citei Deus por causa de Guilherme de Ockham (séc. XIV). Ele levanta a hipótese de se poder processar Ele pelos feitos da Igreja Católica (isso valeu uma excomunhão tripla pro franciscano).
2) O Natal de Verdun (1914) foi usado como redenção pela França no caso Dreyfus. Explico! Em 1894 foi encontrada, no escritório do tenente coronel Schwarzkoppen, uma suposta lista com o nome de traidores franceses à serviço da Alemanha. O único a dançar nisso foi o capitão francês Alfred Dreyfus (de origem judia). Resultado: acusado de traição, foi exonerado do cargo militar e amargou a fama, apesar do documento ser falso! (foi elaborado por outro oficial francês de origem húngara, Ferdinand Esterhazy). A farsa toda foi levantada quando Emile Zola escreveu a carta aberta ao presidente da República (o famoso 'J'accuse!)
QUANDO veio o bizarro (mas muito humano) fato do natal de Verdun a opinião pública esperava que essa confraternização fosse punida (afinal de contas, isso sim era um 'crime de verdade') e adivinha quem tava lá? Esterhazy! Meio Francês, meio húngaro...e não foi condenado! Acho que é o sobrenome.
O revisionismo histórico tem esses problemas: não é só o fato em si, puro e solto no tempo. Tem toda a atmosfera que pressiona a interpretação. Ah, antes que eu esqueça, Dreyfus morreu carregando a suspeita de ser traidor, mesmo inocentado.
3) Uma imagem de São Jorge estilizada e com glitter não pode ser uma afronta a imagem dele não?
4) era! Lydia Guevara tirou as fotos para a 'Revolução Vegetal'...porra, Che só num se moveu na cova porque La Higuera é uma montanha.
Esqueci de perguntar! E as cabeças dos cangaceiros? Cadê o desagravo às famílias que tiveram seus entes (queridos?) expostos publicamente por mais de uma década?
ResponderExcluirE no caso de Tiradentes? Mesmo havendo um decreto dizendo 'como devemos lembrar dele', essa memória forjada não é um desrespeito?
Seguindo por partes:
ResponderExcluir1) O problema com os filósofos é que consideram o problema resolvido apenas quando concluem abstratamente um raciocínio. De que adianta, falando não-filosoficamente, de que SERVE, processar Deus, se não poderemos aplicar qualquer sanção jurídica?
E se o justiceiro for daqueles que acreditam em Deus, vai ter o problema maior de pensar que suas ações são determinadas por ele, já que é onisciente e onipotente.
2) Coitado desse moço, Dreyfuss...A necessidade de criar ícones às vezes produz esse tipo de aberração. Ele deve ter amargado uma péssima fase, e nem a reabilitação pode apagar a memória coletiva de que era um traidor.
Traição marca mais a memória do que a inocência.
3) Quanto a São Jorge (da Capadócia), acho que pensá-lo como santo pode ferir a sua memória. Na verdade, ele não é um santo oficial da Igreja Católica, mas a sua memória é cultivada através da devoção espontânea das pessoas.
Há dúvidas se ele realmente existiu. Então acho que pode ser uma violação quanto à veracidade dos fatos, porque a memória construída assim não corresponde à realidade.
E se existiu, quem disse que gostaria de ser santo?
4) Quanto à Revolução Vegetal,sem comentários. Hoje me tornei vegetariana, e espero que essa determinação sobreviva ao próximo horário de refeição.
Ei! Entenda da seguinte maneira...admitir a 'falibilidade' de Deus é questionar toda a estrutura da instituição Católica (afinal de contas, o papa é infalível por ser o sumo pontífice). Acho que há, sim, um quesito prático no pensamento.
ResponderExcluir__________________
Referências bibliográficas ducarai:
WAGNER, Roy. A invenção da Cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
HUIZINGA, Johan. O Outuno da Idade Média. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
(acabei de comprar, mas já conhecia apud)
Bino, evocando o episodio emblematico do Natal de 1914 eu quis chamar atenção para a revisão da interpretação que lhe està sendo dada hoje pelos historiadores e juristas (coisa recente, de uns 6 anos pra cà).
ResponderExcluirAcho q pode te interessar esse site q compila livros 'revisionistas' (se ouso dizer assim) dessa historia: http://www.crid1418.org/a_propos/a_propos_ini.html
De acordo com o q li, além do tal Natal de 14, teve tb a chuva de 15, o frio de 17 e por ai vai. Discutem se se pode chamar isso de 'acordo tàcito', 'trégua' ou o quê... e parece q preferiram a palavra "confraternização". Estão de acordo sobre o ponto de que as tais confraternizações ñ foram casos isolados, mas sim numerosos, durante a 1a Guerra.
Enfim, tudo isso pra dizer q houve condenados por traição e deserção pelo so fato de terem se confraternizado com o inimigo, e q hj as familias buscam restaurar a imagem negativa do morto, por que afinal, confraternizar não seria grave a ponto de justificar a pecha de traidor e, ainda q fosse o caso, eles não foram os unicos na época.
Fabi, essa coisa do sujeito buscando justiça em nome do chamado divino me lembrou da Joana d'Arc. Qdo o debate é sobre como devemos lembrà-la, ninguém se entende. Salvo qto ao fato de q ela foi muito util, a danadinha! Util à ascenção ao poder de Charles ñ-sei-qual e pra explicar esquizofrenia do tipo 'eu escuto vozes':P
Acho q o caso da memoria compulsoria do Tiradentes é muito valida enquanto forma de organização das imagens. Não é nada agradavel ficar imaginando gente morta pendurada em poste. Penso se tratar do caracter seletivo da memoria, na vertente direito ao esquecimento, tratado pela doutora no post anterior :D
E qto à Lydia, viva a maminha!
Já que a gente adentrou no assunto, gostaria de lembrá-los que o revisionismo pode ser até crime. Na França, corrijam-me se estiver errada, teses revisionistas (na forma negacionista) podem configurar crime quando a matéria é o Holocausto.
ResponderExcluirEm relação aos demais assuntos tratados, é lícito fazer a crítica revisionista.
Bino, não seria mais fácil criticar uma instituição humana diretamente, do que fazê-lo por via oblíqua tentando processar Deus?
Não seria mais fácil processar a própria instituição pelos seus próprios feitos?
Em relação às cabeças dos cangaceiros, só depois de muita luta, as famílias conseguiram enterrá-las. O próposito da sua exposição era supostamente científico, acredito que para obter informações com uma abordagem lombrosiana.
A verdade é que essa exposição tétrica veio saciar um desejo mórbido de ver, manipular, injuriar, vingar-se ou qualquer outra "necessidade" em relação a esses personagens da História do Brasil.
Quanto a Tiradentes, esse é um capítulo à parte porque existia um decreto estipulando o que era melhor para a memória coletiva (hehehehe). Dá uma olhada no Decreto nº 58168/65 no seguinte link: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=189722&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB.
Nos consideranda está a pérola: "CONSIDERANDO que a efígie de Tiradentes que melhor se ajusta à imagem gravada pela tradição na memória do povo brasileiro é a reproduzida em sua estátua, erigida defronte à antiga sede da Câmara dos Deputados, na cidade do Rio de Janeiro"...
Essa norma foi depois revogada pelo Decreto nº 78.101, de 20 de julho de 1976, que restabeleceu a liberdade criativa quanto à figura de Tiradentes (http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=207113&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB).
Essa organização da imagem de Tiradentes teve como finalidade torná-lo mais parecido à figura do Cristo. Parece que dessa maneira fica mais explícita e legítima a idéia do seu martírio.
Alguém pode me explicar porque foi concedida uma pensão à tetraneta de Tiradentes? Cf. Lei 9255/96 (http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=142831&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB)
O motivo é ser tetraneta de Tiradentes?
Denise, fiquei com uma curiosidade...Essa discussão sobre Joana D"Arc ocorre nos meios acadêmicos, ou existe alguma festa popular que celebre uma versão determinada? Quando existe uma comemoração de determinada versão dá para fazer a "engenharia reversa" da memória, tentando descobrir como aquela versão foi construída.
Falando em holocausto, ontem eu li que o presidente da empresa q fabrica os Trens de Alta Velocidade (SNCF) foi vender a tecnologia pra Obama e no meio do discurso voltou à tona a famosa estoria dos judeus transportados pela compania na época da 2° Guerra.
ResponderExcluirSe antes se evitava o assunto em discursos oficiais, pela primeira vez o presidente da empresa disse lastimar a participação no episodio do holocauto.
Pra lembrar, eles pagaram, em litisconsorcio com a França, varias indenizações depois do fim da Guerra.
O lance se deu pq durante a ocupação nazista, essa empresa estatal (hoje semi-estatal) foi requisitada p a deportação dos judeus.
Muitos ingressaram com ações de indenização e houve varias decisões divergentes. A decisão de ultima instância administrativa (ultima mesmo p esse povo de jurisdição dualista, eles chamam de cassação) reconhece q a empresa não poderia negar o cumprimento de ordens, q classifica como requisição, ainda q se questionasse de ilegitima (pois q vinda dos alemães). Com base nesse argumento, modificou a decisão q concedia a indenização.
Entre outras alegações a de q dos 450 mil empregados da época, somente 467 foram tachados de 'indignidade nacional por colaboração'. (e dai, cara palida?!) e q os empregados ñ podiam desobedecer as ordens (ilegais e ilegitimas) dos alemães porque sabiam q se arriscam a morter.
A coisa volta à baila pq nos EUA disseram q so compram a tecnologia da SNCF se eles reconhecerem publicamente o papel historico q tiveram no holocausto. Dai que a empresa criou um site pra explicar tudo isso, meio que limpando a barra. (http://www.sncfhighspeedrail.com/heritage/).
Detalhe: o tal site esclarecedor é todo em inglês. Sabendo como os franceses falam bem inglês, o tal site sobre a herança do holocauto vai ser muuuito consultado... pelo americanos q pediram o esclarecimento.
Que interessante!
ResponderExcluirHoje mesmo assisti de novo o filme "Noite e Neblina", que na língua de vocês é "Nuit et Bruillard", de Alain Resnais, e tem várias imagens do transporte de deportados por ferrovia.
Qualquer ato que implique em assumir responsabilidades tem um grande peso simbólico e é útil para a preservação da memória.
...Tiradentes foi condenado a carregar o nome de pérfido em sua família até a sexta geração, talvez seja por isso.
ResponderExcluir===> Concordo Fabi, questionar diretamente a instituição é mais fácil. Mas, quando a instituição retira seu poder de uma representação máxima (e não autopoiética como deveria), atacar essa representação, ipso facto, é atacar a instituição. Foi isso que Okham tentou fazer.
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Estamos entendendo revisionismo de maneira diferente.
O revisionismo é uma cachaça a qual os historiadores tendem a ter profundo gosto. Talvez essa seja a diferença entre o Historiador e o Advogado; teoricamente, os Historiadores, diante do fato, tentam analisá-lo sem pretensões (ou deveria ser assim) teleológicas. Já os advogados vêem no fato uma finalidade (o bom e velho post hoc ergo propter hoc - dado o fato, haverá consequências).
O EXEMPLO que Denise citou é bom pra fazer essa diferença. O fato de empresas de ferrovias francesas terem transportado judeus é bem, bem conhecido mesmo. Philippe Petain e François Darlan - os dois marechais franceses responsáveis pela administração do estado Vichy (1940-1945) - trocavam cartas e mais cartas sobre os comboios de não-europeus. Há quem defenda o 'silêncio' histórico sobre isso por conta, ainda, da história de Dreyfus (que era judeu) e porque, para os anais históricos (ooopaaa!) a França deveria ser diferente da Europa extremista.
A HISTÓRIA só foi 'revisitada' por uma questão de ordem prática: Obama só compra a tecnologia se a empresa fizer um mea culpa. Essa ação só corrobora com a interpretação atual do papel decisivo dos EUA na guerra (visão majoritária mas não única) como defensor impiedoso da Democracia. Se vamos fazer revisão, olha só: O exército polonês (anexado à Alemanha em 1937 pelo tratado Ribbentrop-Molotov) estava armado até os dentes com munição e metralhadoras americanas da I Guerra...e não há culpa ai? Podemos até fazer um redutio ad absurdum: Acusar Santos Dumont por ter inventado a máquina que tornou possível, 40 anos depois, o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki. É uma tentação - e um problema! - para a História este tipo de conexão que, se bem argumentada, pode até virar uma versão aceita.
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vale a pena ler:
BLOCH, Marc. Apologia da História.
POPPER, Karl. A Miséria do Historicismo.
KEEGAN, John. Uma História da Guerra
Albino,
ResponderExcluirPois é. Como quase tudo na vida, a questão do revisionismo é de equilíbrio.
Garantir o equacionamento entre a versão consagrada e os novos fatos e interpretações é um real desafio. Não entendo como uma versão dos fatos (são sempre versões)pode se tornar imutável, inclusive a ponto de virar crime qualquer tentativa de negação.
Entendo que a finalidade da norma é evitar que fatos parecidos voltem a ocorrer ou sejam esquecidos. Neste caso, o esquecimento dar-se-ia pela lenta modificação da versão, podendo fazê-la irreconhecível.
Quando a norma jurídica criminaliza um fato, significa que dentro do ordenamento jurídico aquela conduta foi identificada como relevante e merecedora da coerção mais potente do sistema jurídico.
Então, o negacionismo criminalizado é uma declaração explícita e veemente contra o esquecimento.
A importância do exemplo trazido por Denise não é do revisionismo, pois como você bem lembra, o transporte dos deportados por ferrovia é bem conhecido dos historiadores e também muito bem documentado.
Mas do fato de que a empresa ASSUMIU A RESPONSABILIDADE de ter feito o transporte dessas pessoas até o destino horrível que as esperava. Se você bem se recordar, a defesa dos acusados no Tribunal de Nuremberg visava, exatamente, demonstrar que nenhum deles era responsável pelos fatos individualmente.
Neste ponto, relendo o seu post, senti um cheirinho de falácia no ar...Santos Dumont seria responsável se tivesse construído o avião para fins bélicos específicos, o que não foi o caso.
A coisa boa do revisionismo é a possibilidade de olhar criticamente verdades estabelecidas há muito, muito tempo, o que é compatível com o espírito científico. A coisa ruim do revisionismo é que às vezes isso ocorre de maneira assistemática, pouco rigorosa, sem provas e com o problema da superintepretação destacada por Umberto Eco.
Vou dar uma olhada nas suas dicas de leitura.
EU SEI E LEMBRO. ASSUMO A RESPONSABILIDADE: AINDA ESTOU COM O SEU LIVRO DE MARC BLOCH.
Fabi,
ResponderExcluirÉ uma falácia sim e das grotescas. O que eu disse é que o fato só foi trazido aos olhos por questões de interesse (seja prático, político ou qualquer outro) o que torna bem mais fácil ser acometido por equívocos. Como eu disse, há uma tentativa de fixar uma interpretação sobre a segunda guerra bem perigosa: de que o bastão da liberdade e da social-democracia passou da França para os EUA. E da mesma forma eles se declararam ganhadores da 'Guerra fria'!
Concordo com você que, no plano teórico, uma revolução kuhniana (diversos paradoxos para formar um novo paradigma) seria a forma mais perfeita de se analisar a história. Infelizmente, estes paradoxos (revisionistas) tendem a obedecer outras agendas além da nobre - porém empoeirada - 'ciência' na História. É perigoso demais...
Eu sei que tu tá com Bloch! Tem o de Mircea Eliade pra você ler (sobre mitos)...esse sim vale muito a pena.
Mudando um pouco a linha de raciocínio, mas ainda dentro do assunto, saiu uma notícia interessante para a memória dos mortos.
ResponderExcluirHá alguns anos começaram a fazer escavações arqueológicas em Stonehenge, e descobriram diversos restos mortais humanos, entre outros objetos.
Diferentemente de outros sistemas jurídicos, no Reino Unido esses restos mortais devem ser novamente enterrados, por força do Burial Act de 1857, o que está causando revolta nos arqueólogos de Britânia.
Sobre Morrison, olha que notícia interessante saiu hoje, 02/07/2011, publicada no sítio http://br.noticias.yahoo.com/40-anos-morte-jim-morrison-continua-enigma-125030143.html:
ResponderExcluir_____________
..Parada cardíaca? Overdose? Complô de CIA? Encenação? Quarenta anos depois da morte de Jim Morrison, encontrado sem vida em 3 de julho de 1971 na banheira de sua residência em Paris, as circunstâncias do falecimento do "Rei Lagarto" continuam sendo um mistério.
Condenado nos Estados Unidos por "exibição indecente", o vocalista do grupo The Doors se exilou em Paris durante a primavera de 1971. Brigado com o grupo, se reuniu com a namorada Pamela Courson com a intenção de dedicar-se à poesia.
Mas a saúde daquele que já havia sido considerado um sex-symbol e se tornara um alcoólatra obeso estava em rápida deterioração. Na manhã de 3 de julho foi encontrado morto na banheira de sua casa parisiense. Ele tinha 27 anos e, segundo a polícia, foi vítima de um ataque cardíaco.
Apesar dos antecedentes de Morrison, a polícia não fez uma necroposia. O empresário do The Doors, Bill Siddons, pegou o primeiro avião para a capital francesa, mas quando chegou o caixão estava fechado.
A tese oficial foi a de Pamela Courson, que o cantor morreu durante a noite em casa. Mas a jovem apresentou duas versões diferentes e às vezes incoerentes até sua morte, por overdose, quatro anos mais tarde.
O cantor foi sepultado em 7 de julho no cemitério parisiense de Père-Lachaise na presença de apenas cinco pessoas. A notícia da morte, que se espalhou pelo mundo, demorou dois dias para receber confirmação oficial.
CONTINUA...
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Acho intrigante o interesse sobre as causas que levaram Morrison à morte e, também, o fato de que é possível fazer a exumação do seu cadáver se realmente existissem dúvidas.
Do jeito que é conduzido, o questionamento é mera especulação, e parece apenas uma estratégia para manter o interesse do público pelo personagem Rei Lagarto.
Se é para especular, vamos lá: acho que Morrison morreu porque o corpo desistiu dele.
Albino, essa é para você que lembrou dele:o em maio de 2013 será leiloada a carta de Dreyfus, cf. http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/carta-escrita-por-dreyfus-na-prisao-sera-leiloada-em-paris
ResponderExcluirA reabilitação, uma das formas de promover a memória dos mortos, foi o motivo utilizado para o perdão a Jim Morrison. Do meu ponto de vista, embora agregue-se à sua biografia (póstuma), é irrelevante para a sua memória e a contradiz, em certo ponto.
ResponderExcluirJim Morrison, 45 anos do seu falecimento (03/07/2016)
ResponderExcluirPorque falamos de Che Guevara aqui: http://www.unesco.org/new/en/communication-and-information/memory-of-the-world/register/full-list-of-registered-heritage/registered-heritage-page-2/documentary-collection-life-and-works-of-ernesto-che-guevara-from-the-originals-manuscripts-of-its-adolescence-and-youth-to-the-campaign-diary-in-bolivia/
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