quarta-feira, 23 de março de 2011

O brasileiro não tem memória, não exerce o seu direito à memória ou não cumpre o seu dever de memória?

Existe uma perigosa convenção social no Brasil, cristalizada na frase que virou lugar-comum, “o brasileiro não tem memória”. Essa frase sempre me incomodou, porque sou brasileira e sempre contei uma enorme vantagem da minha ótima memória. Mas também porque estou sempre testando a memória dos brasileiros que conheço, geralmente parentes e amigos, e constato que eles também a têm. É mentira que os brasileiros não têm memória. Mas por que essa mentira entrou na nossa memória coletiva e é repassada às futuras gerações? Geralmente essa frase é sacada em alguma situação na qual a memória, pelo bom senso, deveria orientar melhor certas decisões. Por exemplo, em época de eleições quando aquele político que foi sujeito e alvo de escândalos é reeleito. Ou porque determinada manifestação cultural, ou artista, ou instituição não encontra o reconhecimento que supostamente merece. Particularmente, acho que essa “falta de memória” é uma estratégia: 1) Do ponto vista individual, invocar que o brasileiro não tem memória pode servir para justificar os erros próprios e alheios; 2) Do ponto de vista coletivo, revela dois aspectos cruéis do mesmo problema: atribui ao brasileiro, ao indivíduo, a culpa social de não resgatar traumas, feridas e conflitos do passado para solucioná-los, o que acarreta um agravamento da presente situação, ao mesmo tempo em que exime o Estado da responsabilidade de construir essa memória social de forma consciente, democrática e responsável. A conseqüência do esquecimento como estratégia é a manutenção das causas profundas dos problemas sociais, políticos e econômicos. Quando deixamos as “coisas esfriarem” na verdade buscamos acomodar situações, mas não resolvê-las. Não acho que o brasileiro não tem memória. Acho que em algumas situações opta por não exercê-la individual ou socialmente, buscando acomodar situações, ou sua memória individual e/ou coletiva não chegou a formar-se corretamente, por insuficiência e inexatidão de informações, ou falta de estímulo no resgate da informação. Por que nenhum brasileiro esquece quem é Pelé? Porque a memória dos seus feitos está sempre sendo avivada pelos meios de comunicação. A memória é seletiva, então lembrar é uma escolha orientada por certos interesses. O problema é quando escolhemos não lembrar e isso causa prejuízos: neste caso não falamos em direito, mas em dever de memória não cumprido.

3 comentários:

  1. Brasileiro tem memória, sim. Só que prefere deixá-la "dentro do armário" para melhor se acomodar às situações. O brasileiro é acomodado e excessivamente tolerante.

    Fora a acomodação e tolerância existe um outro problema: a visão limitada de sua vida, que o impede de ver os problemas à sua volta, desde que sua vida particular esteja ao menos suportável. Isso se evidencia, por exemplo, naqueles que não gostam de X, mas votam nele porque, de alguma forma, os beneficia. Se faz mal ao resto, que o resto se exploda. É uma visão limitada ou egoísmo?

    Jurema Cappelletti (brasileira)

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  2. Oi, Jurema,

    E por que você acha que isso acontece conosco?

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  3. Em 2016, vemos a memória ser invocada no campo político, e assistimos à construção de narrativas que serão lembradas pelas futuras gerações.

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