A múmia animada:
sábado, 30 de abril de 2011
Tradição e mau hábito: quando a memória coletiva se torna ilícita
O patrimônio imaterial é o conjunto dos bens representativos das formas de expressão, de fazer e de viver, que não possui tangibilidade, ou corpo físico. Exemplos fáceis de entender: festas, celebrações, receitas culinárias, crenças (o Saci, por exemplo), costumes.
Às vezes, a dinâmica cultural ressignifica essas manifestações. Uma celebração tradicional pode, em um determinado momento histórico, tornar-se ou revelar-se ilícita, e deixar de ser considerada patrimônio cultural para fins de preservação estatal.
Um exemplo de tradição secular que se tornou ilícita: a Farra do Boi. Essa manifestação cultural secular dos descendentes de açorianos é predominante no Estado de Santa Catarina, na região Sul do Brasil, e consiste em açular um boi, de diversas maneiras, culminando com a morte do animal.
Para uma descrição mais vívida dos procedimentos: http://www.farradoboi.info/o_que_e.shtml
Ocorre que os métodos de açulamento dos bois foi considerado cruel, revestindo-se de ilicitude diante do que dispõe o artigo 32 da Lei 9605/98 (maus tratos e abusos físicos contra a fauna). O principal argumento para a manutenção desta prática aparentemente criminosa era a preservação da memória coletiva e dessa manifestação cultural que lhe servia de suporte.
Através do Recurso Extraordinário nº 153531-SC, o Supremo Tribunal Federal considerou essa manifestação cultural ilícita, e portanto não passível de continuidade ou preservação legal. Tal decisão não foi isenta de polêmica.
Observe o trecho do voto do Ministro Maurício Correia defendendo o caráter patrimonial da manifestação:
"Como se depreende, a manifestação popular dissentida pelos autores é uma tradição cultural regionalizada, e como manifestação cultural há de ser garantida e assegurada pelo Estado (art. 215, §1º da Constituição Federal) pois é patrimônio cultural de natureza imaterial do povo e expressa a memória dos grupos, os açorianos, formadores da sociedade brasileira (art. 216 da Constituição Federal).
Como conclusão do seu voto: "Desta forma, como costume cultural, não há como coibir a denominada "Farra do Boi", por ser legítima manifestação popular, oriunda dos povos formadores daquela comunidade catarinense. Os excessos, esses sim, devem ser reprimidos, para que não se submeta o animal a tratamento cruel".
O Ministro Maurício Correia foi voto vencido, sendo declarada a ilicitude da manifestação cultural pelo Judiciário. Essa decisão é importantíssima para nossa matéria, pois demonstra outra maneira estatal de delineamento do patrimônio cultural, ao mesmo tempo em que se clareia a extensão dos direitos culturais.
É importante questionar os significados veiculados pela manifestação, e se esses significados merecem a preservação. Qual é a mensagem da Farra do Boi? Machucar animais é divertido? Se a mensagem ainda encontrar ressonância na sociedade, significa que a memória está ativa e deve ser preservada, mas no caso da Farra do Boi o tratamento dado aos animais atualmente é visto como cruel e repulsivo: é aí que a tradição se torna um mau hábito.
E os maus hábitos não devem ser preservados. Devem ser registrados (para guardar a sua memória) e superados, corrigidos para que não voltem a ocorrer.
Só para não perder a viagem e a oportunidade, gostaria de fazer uma brevíssima reflexão sobre o mau-hábito denominado "Dia do pendura". No dia 11 de agosto, dia de criação dos cursos jurídicos no Brasil, os estudantes de Direito (baseados em que norma?) acreditam que não precisam pagar pelo seu consumo em bares e restaurantes ("penduram" a conta), com base em uma "tradição" e uma auto-indulgência, para fazer a si mesmos uma auto-homenagem.
Esse mau-hábito é praticado há mais de cem anos. Fiquei chocada quando ingressei na Facvldade de Direito, e soube dessa manifestação cultural ilícita. Quando começaram as movimentações para preparar o pendura, fui contra (Fabiana, a Chata), e fiquei muito feliz quando no ano seguinte, ao invés de dar prejuízo aos comerciantes no dia 11 de agosto, o nosso Diretório Acadêmico resolveu pedir doações de alimentos para asilos e orfanatos a esses mesmos comerciantes, que cooperaram sem hesitar.
Qual é a mensagem que o "Dia do Pendura" veicula? Que os estudantes de Direito se dão férias de cumprir a lei justamente no dia em que os cursos de Direito foram criados no Brasil.
Conduta inaceitável e incompatível com a democracia real.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Chamada de trabalhos - IV Reunião do IDEJUST
Confira o Edital: http://idejust.files.wordpress.com/2011/03/idejust-edital-1-2011.pdf.
terça-feira, 26 de abril de 2011
O QUE VOCÊ ESTAVA FAZENDO...QUANDO OCORREU O ACIDENTE EM CHERNOBYL?
Décadas depois, já na faculdade de Direito, nosso professor de Direito Civil tratou do assunto em uma aula sobre responsabilidade civil sobre dano nuclear. Nessa ocasião também lembramos do caso do Césio 137 de Goiânia.
Hoje, vinte e cinco anos depois, a preocupação com as instalações nucleares subsiste, não só pelo que ocorre em Fukushima, Japão , mas também porque o Brasil dispõe desse tipo de instalação.
Nos resta lembrar e rezar pelas vítimas passadas, presentes e futuras.
domingo, 24 de abril de 2011
Boas lembranças... Veneza
sábado, 23 de abril de 2011
O direito à memória
Então vamos lá: no que consiste o direito à memória? E por que ele é considerado fundamental?
A memória é uma necessidade humana fundamental porque é a capacidade que permite reter e acessar as informações. O que acontece com o indivíduo desmemoriado? Perde a noção de tempo, de espaço, perde as habilidades cotidianas para viver, perde a identificação consigo mesmo e se torna incapaz. O que acontece com as sociedades e grupos desmemoriados? Mutatis mutandis, quando a coletividade não consegue lembrar, perde os seus valores, os seus propósitos, e acaba sem conseguir superar erros capazes de comprometer o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento.
É assim que percebo o direito à memória:
a) Existe um direito à memória individual dos vivos, consistindo em um direito subjetivo, materialmente fundamental, com seis posições jurídicas distintas:direito à reserva do passado, direito à integridade do passado, direito à veracidade do passsado, direito de acessar as fontes da cultura nacional, direito de criar memória, direito de transmitir memória.
b) Ainda no campo da memória individual, devemos reconhecer um direito à memória dos mortos. Evidentemente, os mortos não possuem direitos de personalidade, mas a lei garante a respeitabilidade de sua memória, que pode ser protegida contra ofensas pelos gestores estabelecidos pelo art. 12 do Código Civil. (cf. posts sobre o direito à memória dos mortos).
c) Finalmente, existe o direito à memória coletiva, tendo como suporte o patrimônio material e imaterial, que são os veículos intergeracionais de transmissão dos valores, dos modos de fazer, viver, sentir. São a herança, em sentido público, não privado, que nos liga aos nossos antepassados e faz do povo brasileiro um continuum.
Como o direito subjetivo implica a existência de um dever jurídico, há também um dever de memória, sobre o qual já conversamos em posts específicos.
Referência:
DANTAS, Fabiana. Direito Fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Histórias do Brasil: Depoimentos da novela "Amor e Revolução"
A memória individual deles, é a nossa memória coletiva:
Francisco Oliveira: http://www.youtube.com/watch?v=MoHGgOJQVGg
Criméia Almeida: http://www.youtube.com/watch?v=ARCsBEGX-n8&NR=1
Maria Amélia Teles: http://www.youtube.com/watch?v=WwQmM8ci9cI&NR=1
Jarbas Marques:http://www.youtube.com/watch?v=nMEl6nsFZ84&NR=1
Rose Nogueira: http://www.youtube.com/watch?v=6A3vXfXeVic&NR=1
Ivan Seixas: http://www.youtube.com/watch?v=w7lXQGOgFS4&feature=related
Carlos Molina: http://www.youtube.com/watch?v=QSL5JoY1lQs
Júlio Senra:http://www.youtube.com/watch?v=eVX6jBwVyQk&feature=related
José W. Melo: http://www.youtube.com/watch?v=kcbzb8ivpQI
José Dirceu: http://www.youtube.com/watch?v=RBTnso_fx2s
Waldir Pires: http://www.youtube.com/watch?v=87DwFtDCdhY&NR=1
Sebastião Curió e Jarbas Passarinho:
http://www.youtube.com/watch?v=mGmqw8nJRTE&feature=related
Em tudo quanto olhei fiquei em parte
Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
Fenece, e vai com ele
parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei, fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo
Nem distingue a memória
Do que vi do que fui.
Ricardo Reis [Fernando Pessoa].
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Mesmo se quisesse, não conseguiria explicar tão bem, e belamente, a relação entre o indivíduo e o patrimônio cultural.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
Semana Santa
segunda-feira, 18 de abril de 2011
19 DE ABRIL - Dia de que índio?
Ela estabele, simplesmente, que o dia 19 de abril é considerado o "Dia do Índio", e revogam-se as disposições em contrário, que no caso só poderia ser o "Dia do Não-Índio", ou quem sabe, um dia de todos (qualquer um), menos dos índios.
Não há qualquer esclarecimento sobre o que se deve fazer nesta data, nem qual o significado dela. E é por isso que o calendário oficial, um lugar privilegiado para a veiculação de valores intergeracionais, acaba sendo preenchido de datas que não fazem sentido algum.
O que se pretendia com tal norma? Que tipo de índio andava na mente de quem criou esta data no Brasil, e com que finalidade.
Lembro de uma passagem no estudo de Levasseur denominado "Brasil", onde o Barão de Rio Branco (PARANHOS; ZABOROWSKY, 2001, p. 50)tecia as seguintes considerações sobre o índio brasileiro:
"Tal é ainda o seu estado de selvageria indomável que os brasileiros civilizados não conhecem e não frequentam senão uma fraca porção deles, chamados "botocudos tratáveis". Esses indivíduos um pouco civilizados estão no entanto sempre num estado de inferioridade intelectual e moral em relação aos brancos e os negros, com os quais compartilham o gênero de vida. Existem também alguns mestiços, e esses se mostram mais inteligentes e mais ativos".
É claro que essa maneira de enxergar os índios se refletiu na legislação, ao serem considerados civilmente incapazes até o código civil de 2002, devido à sua "inadaptação" à cultura hegemônica (DANTAS, 2010).
O desafio é tratar esses cidadãos com respeito, e valorizando o seu modo de viver tradicional que é patrimônio imaterial. Isso não significa que os índios devem viver como há 500 anos, sem água, luz, esgoto, e sem recorrer ao sistema público de saúde e educação, como defendem alguns.
Significa garantir-lhes o meio de manter a sua cultura viva, com as mudanças e a dinâmica necessárias à manutenção dos seus valores e de sua identidade cultural, ou seja, da sua memória coletiva.
Bem, há também um aspecto de memória individual sobre o dia do Índio: para mim, era o dia de pintar uma pena de papel, e colá-la em uma fita para imitar um adorno indígena. Que eu me lembre, na escola não me diziam quem era o índio, nem o que ele achava da vida, da política. Nunca cantei uma música indígena, sequer ouvi seu idioma, que também é brasileiro. Da cultura indígena conheço apenas alguns poucos nomes de lugares (topônimos) e costumo comer alguns quitutes que, dizem, são indígenas.
É claro, afirmam também que o hábito que o brasileiro tem de tomar banhos diários é uma herança indígena.
No fim, meu contato com a cultura indígena nesta data resumia-se a ver fotografias de índios (nunca vi fotografias de índios da minha região), e de tentar caricaturar a sua aparência com penas de papel pintados.
Referências
DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
PARANHOS, José Maria da Silva [Barão de Rio Branco]; ZABOROWSKY, E. Trouessart. Antropologia. In: LEVASSEUR, Émile (org.). OBrasil. Rio de Janeiro: Bom texto:Letras & Expressões, 2001, pp. 43-51.
quinta-feira, 14 de abril de 2011
Dever de memória: homicídios no Brasil
terça-feira, 12 de abril de 2011
Minhas memórias mais antigas
Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=PKMstMBOVz8 Consegui brincar com ele duas vezes, e quebrou no mesmo dia do meu aniversário. Por que esse pião foi tão notável a ponto de lembrar dele até hoje? Porque era brilhante, fazia barulho e quebrou rápido. Uma das primeiras grandes decepções da minha vida. Eu também costumava ganhar jogos da memória, que eu adorava. 2 - Primeira música que eu aprendi a cantar: Alecrim dourado Alecrim, alecrim dourado, Que nasceu no campo, sem ser semeado (2x) Foi meu amor Que me disse assim, Que a flor do campo era o alecrim (2x) 3 - Primeira música de gente grande que eu aprendi a letra: "Meu bem querer" de Djavan. DJAVAN! Tá brincando comigo? A primeira música estrangeira que eu aprendi foi "Still loving you", do Scorpions (hehehe). 4 - Primeira experiência gastronômica inesquecível: quatro anos de idade (ou menos), comi um hamburguer insuperável, com mostarda, tomando coca-cola geladíssima em uma loja de Departamentos. Minha mãe me levou lá para andar de escada rolante...E no final da escada, tinha esse hamburguer inesquecível. Pode me chamar de saudosista, ou nostálgica, mas passei a minha vida buscando aquele sabor em cada hamburguer que comi até hoje, e foram muitos... Só não sei se essa busca é bem compreendida pelo meu cardiologista. 5 - O prato do macaquinho, deitado em uma rede, comendo banana. Quando o lanche era servido na escola, eu devia ter três anos, bastava ser esse pratinho que eu ganhava o dia. E se viesse com o copinho da indiazinha, completava.
Essas são as minhas memórias mais antigas.
Meus irmãos contam que eu tinha o hábito de fazer relatórios das travessuras deles para a minha mãe, quando tinha uns dois anos. Escrevia umas minhocas, umas maçãs, e umas bolinhas, e depois era capaz de entregar tudo que eles fizeram.Outra lembrança deles, que parece não ser muito boa, era de um trenzinho musical que eu tinha, e colocava nele uns disquinhos o dia inteiro. Flávia chega a ficar com os olhos cheios de lágrimas raivosas quando lembra desse brinquedo.
domingo, 10 de abril de 2011
Boas lembranças...Paris
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Arqueologia em duas notícias
Saudade
quarta-feira, 6 de abril de 2011
CAMPANHA PELA DECORAÇÃO UTILITÁRIA E ILUSTRATIVA DE PRÉDIOS PÚBLICOS BRASILEIROS
domingo, 3 de abril de 2011
Peças incas são devolvidas ao Peru após 100 anos
___________________________ Nós começamos a discussão sobre o retorno de bens culturais em posts de novembro de 2010, destacando que essa é uma reivindicação atual, legítima e consistente de povos que querem ver recomposta a sua memória coletiva e identidade cultural. Existe uma diferença normativa e procedimental em razão da maneira como o bem cultural saiu do território. Se for exportado ilicitamente, é regulamentado pela Convenção da UNESCO de 1970 (que trata sobre a exportação e importação ilícita de bens culturais), devendo ser restituído. Se o bem saiu licitamente, a pretensão é de retorno, e geralmente ocorre através de acordos internacionais bilaterais. Nesse caso o argumento não é a propriedade do bem,já que esse direito pertence ao seu detentor, mas a recomposição ou efetivação do direito à memória coletiva. Na semana passada escrevemos um post específico sobre o retorno de bens culturais, citando como exemplo o caso do Parthenon, cujos frisos foram retirados no século XIX e hoje se encontram no Museu Britânico, reivindicados pelo Ministério da Cultura da Grécia. Outros povos que têm seus bens espalhados pelo mundo também iniciaram o processo de reivindicação, por exemplo, a Jordânia requer o retorno dos "Evangelhos de Chumbo", reputados como a principal descoberta arqueológica do Cristianismo; o Egito requer o retorno de bens arqueológicos que se encontram nos principais museus do mundo, assim como os peruanos, colombianos, entre tantos. Também há vários bens arqueológicos, etnográficos e paleontológicos brasileiros em museus estrangeiros, que podem ser objeto de reivindicação legítima.