terça-feira, 5 de julho de 2011

Memória e aprendizado: estudando Kant no ônibus

A memória é fundamental para o processo de aprendizado, não naquele sentido ultrapassado de "decorar" as informações, mas porque o acúmulo e o processamento (seleção e permanência) dessas informações nos permite aprender e construir novos conhecimentos.

Os meus alunos, sabendo do meu interesse geral pela memória, gostam sempre pedir dicas para memorizar os assuntos estudados. Eu sempre digo, e repito, que aprender é ser um pouco atleta: é preciso cuidar da alimentação (alimentos de difícil digestão podem prejudicar a memorização), não beber (principalmente logo após estudar), dormir bem, manter hábitos saudáveis.

Ser disciplinado, organizado e metódico na hora de estudar. Procurar lugares adequados (iluminados, se possível silenciosos), respeitar o cronograma de estudo, fazer revisões dos assuntos, pois muitas das "dificuldades de aprendizado" dos meus alunos podem ser percebidas como desorganização combinada ao tempo insuficiente de estudo. Para esses, sempre indico livros sobre metodologia do estudo, que ajudam a organizar as idéias.

E aí, pensando em metodologia do estudo, sempre lembro daquelas pessoas que aproveitam o horário do transporte para estudar: lá no sacolejo do ônibus sempre tem alguém desesperado tentando estudar de última hora.

Um dia, indo para o trabalho e praticando o meu hobby de monitorar a vida privada (= observar a vida alheia), sentei em um ônibus à frente de um rapaz que estava tentando ler Kant. Cenho franzido, tão concentrado que quase fedia, lia o rapaz:

(...)
uma proposição [dá licença, moço] que tem que ser pensada com caráter de necessidade, tal proposição é um juízo “a prio­ri".Se, além disso, não [PIPOCA! PIPOCA SALGADINHA É UM REAL]é derivada e só se concebe como valendo por si mesma como necessária, será então absolutamente “a priori”.
ÔPA, desculpa, tô passando segundo: a experiência não fornece nunca juízos com uma universalidade [SENHORES PASSAGEIROS, UM MINUTO DA SUA ATENÇÃO, VIM PEDIR UM AUXÍLIO]
verdadeira e rigo­rosa, mas apenas com uma generalidade suposta e relativa (por indução), o que. propriamente quer dizer que não se observou até agora uma exceção a determinadas leis. Um juízo, pois, pensado com rigorosa universalidade, quer dizer, que não ad­mite exceção alguma, não se deriva da experiên­cia e sem valor absoluto “a priori”.
que. propriamente quer dizer que não se observou até agora uma exceção a determinadas leis [não, essa parte eu já li].Portanto, a universalidade empírica nada mais é do que uma extensão arbitrária de validade,[♪♪♫|♫ ♫ BANDA CAAALYPSO! não posso mais viver sem ter você...♪♫♪] pois se passa de uma validade que corresponde à maior parte dos casos, ao que corresponde a todos eles, como p. ex. nesta proposição: “Todos os corpos são pesados.” [Especialmente esse que pisou no meu pé].

Muito bem, como fica a memória de uma leitura assim? Dá licença, moço (essa sou eu, metendo o bedelho onde não sou chamada), o senhor acha que estudar assim é eficiente? A sua concentração é tão boa assim?

- Boa, não é tanto, mas essa é a única hora que eu tenho para estudar.
- Sei... Vai fazer prova?
- Daqui a pouco. Na verdade já estou atrasado.
- Sei... Boa sorte, viu.

O problema é que o aprendizado não é uma mera questão de sorte. Esse aí se lascou na prova ou teve a recordação mais original de uma leitura de Kant, com trilha sonora e tudo.

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