domingo, 29 de dezembro de 2013

A independência da Catalunya

Esse mês de dezembro de 2013 trouxe um importante fato histórico para o povo catalão e espanhol, que é a possibilidade de realização de um referendo no dia 09/11/2014 sobre a independência da Catalunya (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/12/1384575-catalunha-define-consulta-sobre-independencia-rejeitado-pela-espanha.shtml).

Por coincidência passei a semana estudando os efeitos memoriais da Guerra Civil de 1936, especificamente quanto aos traumas da guerra civil, Segunda Guerra e pós-guerra sobre as sucessivas gerações de catalães.

Para mim, ficou claro que a questão da Independência Catalã, cujo povo possui uma identidade republicana, portanto contraposta à atual forma de governo, foi construída com base na rejeição da unidade territorial imposta e aprofundada em função da violenta repressão que sofreu durante o período do franquismo.

A reconciliação tentada geração após geração não foi possível, por fatos como o que foi mostrado no documentário "El nens perduts del franquisme" (http://www.youtube.com/watch?v=c05-psMgiHU)

A identidade do povo Catalão é revolucionária, observe "El més petit de tots" (http://www.youtube.com/watch?v=wEpyicAsimY), e destaca a sua diferença em relação ao povo espanhol - do qual não se considera parte - inclusive a partir da língua.  Tudo isso somado à grave crise econômica e a percepção de que o governo é uma continuidade do regime anterior contribuem para que não existam dúvidas sobre qual seria o resultado do referendo que ocorrerá em 2014.

Do ponto de vista do Direito Constitucional, a discussão sobre a constitucionalidade do referendo é relevante porque significaria a cisão parcial do território espanhol, o que seria absolutamente inconstitucional.  E isso pode levar a alguma forma de intervenção para garantir a integridade territorial do Estado, com eventual reedição da guerra civil, caso reste evidenciada a vontade de independência.

Se efetivada, a independência da Catalunya significaria a quebra da ordem constitucional vigente, e a necessidade de ser exercido o poder constituinte para a nação catalã, onde seriam tomadas as grandes decisões políticas fundantes do Estado nascente, por exemplo, as Forma de Estado e Governo, o sistema de governo e o regime político.

A questão política e econômica da viabilidade do Estado nascente eu deixo de comentar nesse momento por absoluta necessidade de aprofundamento.

Do ponto de vista do Direito Internacional, seria necessário o reconhecimento da existência do novo Estado, o que ocorre pela declaração de outros Estados e o ingresso em organismos internacionais, como a ONU.  Quando o Brasil se tornou independente, bastou que poucas "nações amigas" o reconhecessem, por exemplo os Estados Unidos e a Inglaterra, mas os tempos eram outros.

A questão comunitária na Europa é muito importante.  Se efetivada a independência, evidentemente a Catalunya estaria imediatamente excluída da Comunidade Europeia, e seria difícil a sua inserção.

De todo jeito, o processo de independência da Catalunya será um tema a ser acompanhado aqui no blog, em razão do seu fundamento evidentemente memorial.

28 comentários:

  1. Lesgaw! Porém não faria a afirmação categórica de que "evidentemente a Catalunya estaria imediatamente excluída da Comunidade Europeia, e seria difícil a sua inserção".

    Do ponto de vista das razões para inclusão/exclusão de países, esse negocio de "Comunidade Européia" já deu provas de que é conversa pra boi dormir. Quando convém, ser dá um jeito pra incluir e não-incluir.

    Agora vê:

    Eu também estava semana que passou debruçada sobre um problema espanhol, que eu tenho a impressão ter também uma dimensão constituticional. Eh o projeto de lei pra restrição dos casos de aborto autorizado. Vistes?

    A lei espanhora que autoriza o aborto tem hoje um dos periodos mais longos para o aborto espontâneo entre os países da Europa. Esse perfil segue coerente com a abertura no que tange às politicas publicas de saude (publica e privada) para reprodução in vitro, que é também uma das mais tolerantes.

    A proposta de restrição tem grande chance de passar, pois foi apresentada por membro do governo quem tem maioria no congresso.

    Digo que talvez isso tenha uma dimensão (in)constituticional do ponto de vista dos direitos historicamente adquiridos e do principio do não-retrocesso. Que achas?

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  2. Vai ser difícil, sim, Dra. Imagine a situação: quebra da ordem constitucional, processo difícil de constituição do novo Estado (se a independência for efetivada). Como novo Estado, precisa do reconhecimento internacional para depois aderir à Comunidade, é claro, se os demais Estados concordarem.

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    1. Sim muito lindo..., a teoria... conte-me como... o boi quer dormir...

      Os bastidores da aceitação de "pobres problematicos" da Polônia, Bulgaria e Romênia, assim como a não aceitação dos secos-por-entrar como Ucrânia e Turquia, e os que estão cagando-na-cabeça como a Suiça, dirão que os fatores politico-econômicos falam muito mais forte (ou seriam os unicos?!) do que o que a gente aprendre nos bancos da facul em direito internacional; esse negocio de necessidade de aceitação e talws, tu bem sabes, é pu.... intelectual.

      Dotora, tudo que fica no sul da Espanha é o celeiro da Europa. So te digo isso...

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  3. Vamos pensar: realizar o aborto na Espanha é considerado "direito fundamental"? Se a resposta for positiva, determinados juristas podem advogar que houve retrocesso.

    Entretanto, se você estiver do outro lado do argumento, e considerar que o direito à vida do nascituro é fundamental, então na verdade proibir o aborto não seria retrocesso, mas avanço.

    Pensar em "retrocesso" ou "avanço" é típico de narrativas lineares, que pensam em trajetórias rumo a alguma coisa (a que?). Se nós não adotarmos esse raciocínio, podemos admitir que não seja nenhuma das duas coisas, ou ambas.

    Ou talvez seja o contrário.

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    1. Eu entendo o que vc quer dizer, mas acho que não é bem por aí quanto à dedução. Sim concordo que o ponto de partida inegável é a afirmação de que o DDFF existe lá, do contrário, não existiria o problema.

      But....

      Em teoria dos direitos fundamentais, a expressão «aquisição histórica» tem um sentido próprio, que leva em conta que é imprópria a dicotomia «retrocesso e avanço» e que «evoluir para» não é necessáriamente o caminho a seguir. Ela tb não ignora a impropriedade de se falar em história que se desenvolve(eria…) em sentido linear.

      Lembre q a teoria dos DDFF utilisa uma hermenêutica própria à esse tipo de direito, que não é a clássica dicotômica citada, de onde seria possível deduzir que dois direitos podem ser mutualmente excludentes, como no teu exemplo.

      Assim, a meu ver, a «aquisição histórica» de q fala a teoria dos DDFF não fala de «perda de direito» necessariamente como sinônimo de «retrocesso».

      A nuance está em considerar que dentro de uma espécie de direito fundamental que foi adquirido via um processo histórico próprio da sociedade que o reconhece como tal, não seria adequado fazer marcha a ré. Clássico exemplo : igualdade entre homem e mulher, direitos cívicos de negros, entre outros. Contra tais «direitos fundamentais adquiridos historicamente», nem mesmo uma nova ordem constitucional podeira legislar distintamente. Enfim, a teoria.

      A pergunta (jurídica) é : caberia nessa categoria (de direitos fundamentais historicamente adquiridos) o da mulher de dispor de seu próprio corpo? E assim, via de consequência, não perder o «direito ao tempo mais largo que em outros países» para abortar? Até porque, veja, é preciso estar de acordo quanto ao objeto juridicamente protegido no caso (é «direito de abortar» ou «direito de dispor do próprio corpo») e qq que seja a resposta, tal direito já é limitado pela «indisponibilidade do corpo humano» e pela «preponderância do direito à vida» (que vc invocou), o que exige então uma interpretação restritiva (a fim de guardar a coerência do sistema juridico).

      A priori, a minha resposta pra minha pergunta é não, mas a justificativa se situa fora da questão dos DDFF, e mesmo fora do ponto em que tal direito entra em conflito com o direito à vida (muito facil! eehehehe). Brincadeiras à parte, a primeira hipotese que me vem é que tal direito não se enquadra entre os adquiridos historicamente no caso da Espanha, onde eu não consigo ver a mesma «força histórica» que se vê por exemplo na França na mesma época para esse direito (nem falo de Simone Veil - e uma vez mais, atenção com os homôninos – mas de toooda a luta feminista francesa durante os século XX). A primeira vista tenho a impressão que a Espanha apenas «seguiu a época» qdo consagrou aquele direito, e que a idéia não é tão enracinada na sociedade espanhola quanto o é em outros paíes. Outra pista é resquício dos mandamentos católicos que sustentam ainda o regimo monárquico até hoje.

      Entenda-se de tudo isso que, se for DDFF historicamente adquirido, dai a proposta de lei é inconstitucional.

      Uma questão não-jurídica sobre o tema dessa proposta de lei (situada no campo do que é dito à boca miúda pelas bandas de là), é de que durante períodos de crise (sentido amplo) vimos se levantar ânimos facistas e/ou demagogos, e essa seria uma tentativa de manifestação dessas intenções.

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    2. P.S. Lembra daquela foto que eu te mandei uma vez de uma manifestação feminista na Tunisia em 1950? pra falar que là a mulherada teve direito de voto antes da mulherada francesa etc. Agora vê ai o que é a igualdade home-mulé hj là... Enfim, tô falando isso como exemplo do perigo da possibilidade de perda de direitos adquiridos historicamente, claro que no exemplo desse pais a conjuntura atual é mais complexa do q isso, com a religião de Estado etc...mas enfim... ok, ok, se você quiser me mandar praquele canto com meus problemas, é so me mandar trocar o pneu do meu carro... :(

      Ah falando em feminismo, eu tive uma experiência indescritivel com a nova lavadora de louças Bosch, ultra silenciosa, econômica de agua, com estocagem do ciclo final de lavagem e com circuito independente de alimentação e aquecimento de agua.
      Deixa pra là, acho que preciso trocar figurinhas com Flavia, você não é capaz de me entender.

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  4. Observe que interessante o preámbulo de la Ley del Memorial Democrático de Catalunya: http://noticias.juridicas.com/base_datos/CCAA/ca-l13-2007.html

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  5. Denise, viu a manifestação de ontem na Espanha contra a lei anti-aborto? As pessoas o consideram como um direito social e acreditam que a restrição é retrocesso. Vale a pena acompanhar.

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    1. Sim, vi.

      E sim, o fundamento alegado é retrocesso, no sentido de perda de direito adquirido historicamente. A questão do direito à vida é argumento usado pelo 'outro lado' do debate e não pela população em geral, destinataria da norma. Isso é um caroço pra pensar, doutora.

      Até porque, a questão do "momento de crise = medidas politicas retrogadas" é uma variavel à considerar nesse momento da Espanha, mas com muita cautela, pois confunde muito a questão.

      O nivel do debate na imprensa é muito ruim. Reparei pex. que misturam a dicotomia "conservador x liberal" na coisa, pois num é que justamente o cara que propos o projeto de lei (acho que é ministro da justiça), não era considerado um conservador da moral e dos bons costumes, mas sim um cara liberal (mas, no sentido econômico), então fica todo mundo meio sem entender, se perguntando dos motivos meta-juridico-politicos...

      Enfim, esse projeto de lei tem cheiro de medida eleitoreira, demagogia, sei não... Vamos acompanhar os proximos capitulos.

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    2. Essa manifestação de ontem conforta os argumentos que lancei no post acima sobre a inconstitucionalidade do projeto de lei. E se là na Espagna esse direito seja enracinado na socidade mais do que eu pensava, a conclusão pela inconstitucionalidade se impõe com mais razão.

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  6. Com a renúncia do Rei Juan Carlos, acredito que as manifestações republicanas e separatistas vão ganhar força.

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  7. O plebiscito virou "consulta informal". Nessa consulta, 80% dos catalães votaram pela independência e invocam o direito à autodeterminação para fazer um plebiscito formal. Já a Espanha considera que a consulta foi inútil. Do meu ponto de vista, reforça a decisão política de separação que, já se viu, não será aceita pacificamente. Se a Catalunya tiver os meios, vai romper a Constituição, ou então será utilizada uma estratégia dilatória pelo governo de conceder mais autonomia.

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    1. Em 2017, o plebiscito aconteceu, e obteve 90% de votos pelo sim (independência). Foi maior do que o anterior, e o governo central o considerou "inexistente".
      Inexistente juridicamente, mas muito significativo do ponto de vista político. É mais um degrau do processo de separação ou, se preferir, mais um tijolo na fronteira.

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  8. Na Sérvia, também há relatos de crianças sequestradas:

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  9. 11 de setembro - Dia da Nacional da Catalunha - em comemoração ao Cerco de Barcelona de 1714. É por isso, como me ensinou Rodrigo, que os torcedores do Barcelona gritam "Independência" aos 17'14" nas partidas de futebol: https://www.youtube.com/watch?v=8RZ8nQ71Ano.
    Obrigada, Rodrigo.

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  10. Processar responsável pelo desaparecimento dos bebês: http://www.eldiario.es/llamadmeismael/ginecologo-invirtio-millones-jerarcas-franquismo_6_91400874.html

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  11. Em outubro de 2017 está marcado um plebiscito sobre a independência. Pode até ocorrer, pode até conseguir um número expressivo de votantes pelo SIM, mas é evidentemente inconstitucional. Mas isso não significa que a independência não ocorrerá, sendo necessária a quebra constitucional, uma nova constituição para a Cataluña e a sua exclusão da Comunidade Européia. Diferentemente da tentativa de 2014, dessa vez há uma legislação aprovada pela região autônoma, e isso faz toda a diferença.

    Vai ser interessante acompanhar, especialmente pelo seu potencial efeito dominó.

    Arriscando uma profecia, acredito que não será um caso de independência (soberania), mas ao longo dos anos seguintes haverá uma crescente e gradual autonomia que poderá, um dia se tornar independência.

    Mas se a tradição for mantida, poderá haver repressão violenta pelo governo central e prisões políticas, aprofundando o ressentimento intergeracional.

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  12. Projeto de lei sobre a independência aprovado. Vamos aguardar o plebiscito.

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  13. Ah, Catalunya... Chegará a um ponto irreversível, se houver repressão (que virá). Violência e efeito dominó.

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  14. Plebiscito acontecendo, independentemente da decretação de inconstitucionalidade.Ponto de ruptura, se não para o momento, certamente para o futuro.

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  15. Marcada para hoje a declaração de independência. Consequências:anátema, repressão, novo trauma, aprofundamento da vontade separatista.
    Acredito que ainda não será em 2017.

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  16. Independência declarada, mas com efeitos suspensos para buscar o diálogo.

    Próximos passos para uma independência efetiva: criar uma força de segurança nacional (para se contrapor a um eventual estado de sítio e tentativa de ocupação pela Espanha), e parar de repassar tributos.

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  17. Intervenção do governo central na Catalunya, 2017. Perda da autonomia, um passo atrás na idéia de independência. Até o momento, a Catalunya não parece ter os meios para os próximos passos da independência, citados no comentário anterior.

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  18. Puidgemont preso hoje: https://g1.globo.com/mundo/noticia/policia-alema-detem-puigdemont-ex-presidente-da-catalunha.ghtml

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  19. Catalunya, 2019: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/17/internacional/1571339371_778724.html

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  20. Ainda não há os meios para a independência. Continuamos acompanhando.

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