sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Gestão de cemitérios brasileiros

Os cemitérios são extremamente difíceis de gerir e, do ponto de vista jurídico, constituem um objeto complexo, com diferentes regimes jurídicos incidentes. Podem ser públicos, podem ser públicos sob regime de concessão ou privados.  Há casos de relações jurídicas perpétuas (jazigos) de Direito Privado entre o poder público e particulares, além do que incidem outros direitos, por exemplo, o direito à memória (na faceta individual da memória dos mortos e a memória coletiva, de visitar os cemitérios como lugares de memória).

Tudo isso contribui para complicar a gestão dos cemitérios.  E não é de se estranhar que nessa área tão complexa e de transição, se me permitem a analogia fúnebre, em muitos casos são praticadas fraudes que violam não só  a integridade dos cemitérios, como a honra dos mortos e a paz dos vivos.

Nessa última semana, acompanhei diversas notícias de fraudes em cemitérios, que me obrigaram a tentar destacar os pontos que considero mais problemáticos:

- fraudes em relação à gestão dos túmulos.  Construção irregulares de túmulos, inumações indevidas, venda ilegal de túmulos, desvio do dinheiro arrecadado com a gestão dos túmulos e, inacreditavelmente,o traslado e enterramento indevido de restos mortais.  Exemplificando: em determinado jazigo, está o senhor fulano de tal, que agora foi substituído pela senhora fulana de tal, embora na lápide conste o nome do ocupante anterior.

Confiram as notícias: http://oglobo.globo.com/rio/mp-pede-prisao-preventiva-do-ex-provedor-da-santa-casa-de-misericordia-11322008

http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2013/12/30/interna_vidaurbana,482051/mafia-dos-cemiterios-preso-primeiro-suspeito-por-venda-ilegal-de-tumulos.shtml

http://noticias.band.uol.com.br/primeirojornal/videos/2014/01/10/14820444-bando-e-preso-por-roubar-lapides-de-cemiterio.html

 - Ausência de regras em relação aos cemitérios pré-históricos, por exemplo, e de procedimentos detalhados para a sua proteção e manutenção.

- Ausência de normas para a gestão dos cemitérios em geral, especialmente quanto aos padrões de qualidade ambiental.

- Ausência de regulamentação quanto à natureza jurídica de restos mortais oriundos de cremação, e como devem ser tratados.

Para ilustrar, vejam o problema:  um cidadão resolveu guardar os restos mortais cremados do seu ente querido no seu apartamento.  Quando os vizinhos souberam disso, imediatamente começaram a experimentar fenômenos paranormais. O medo e a confusão foram tamanhas que o cidadão teve que escolher entre continuar com os restos mortais ou se mudar, que foi o que acabou acontecendo.

- Ausência de regras para a extinção de cemitérios.  Esse é um problema gravíssimo nas nossas cidades lotadas.  Por se tratarem geralmente de grandes áreas, em locais agora valorizados, muitos cemitérios estão sendo "deslocados" para permitir o avanço da urbanização.

Eu sou absolutamente contrária ao deslocamento de cemitérios, mesmo que o translado dos corpos seja realizado respeitosamente (e raramente é), porque isso destrói o seu valor de documento e atinge o direito à memória e representa uma violação indevida do jus sepulchri (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/07/jus-sepulchri-direito-de-sepultar-ser.html), na vertente de manter-se sepulto.

E olhe que eu nem estou considerando os aspectos espirituais e religiosos de construir casas em cemitérios, ou usando areia de cemitério nas construções (http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/policia/funcionarios-depoem-sobre-uso-de-areia-de-cemiterio-em-obra/).

Para finalizar, um exemplo, que eu nem sei se aconteceu de verdade (não quero acreditar).  Resolveram construir casas populares e usaram areia de cemitério.  Resultado:  era possível nas paredes identificar ossos, fios de cabelo e outras partes do corpo humano.  É, ou não é, o roteiro de um filme de terror?

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