domingo, 4 de maio de 2014

Reflexão de domingo: o modo de viver em condomínios

Este domingo está mais preguiçoso que o normal, e essa falta do que fazer exige que a cabeça funcione mais, para compensar.  Quem me olha assim, largada no sofá com o olhar distante, pode até pensar que eu estou fazendo nada, mas na verdade estou pensando bastante.

Hoje me peguei refletindo como é diferente esse nosso modo de viver urbano, em cidades lotadas.  Pensei bastante tentando me lembrar de algum agrupamento humano, aldeia  ou vila, que não tenha produzido alguma forma de arte, ou outros bens culturais materiais e imateriais, e cheguei à conclusão que na História da Humanidade, só o meu condomínio foi capaz dessa façanha.

Somos um grupo estranho, nós que vivemos em edifícios abarrotados.  Apesar de dezenas, às vezes centenas de pessoas viverem no mesmo espaço, não se pode dizer que há vida comunitária.  Não há laços entre os moradores do condomínio, com exceção dos eventuais cumprimentos (se você der sorte), problemas causados pela vizinhança ou gestão do cotidiano comum, sendo essa última traduzida e reduzida ao valor da contribuição mensal para o bem comum.

Fosse em outros tempos, a vida comunitária seria discutida ao redor de uma fogueira, as disputas seriam resolvidas por um membro legitimado, após um ritual de confraternização onde houvesse comidas e bebidas especiais.  Agora, essa mesma discussão ocorre em uma pequena sala do edifício, sem nenhuma cantoria ou dádiva, resumindo-se o ritual ao apregoamento dos presentes e da pauta.

Duvido, também, que algum funcionário da Antiguidade reclamasse com as crianças por fazerem pinturas rupestres e simularem técnicas de batalha e caça, como presenciei hoje.

Esse modo de viver desumanizado não gera identidade cultural.  Alguém aí já ouviu falar em "vestir a camisa do edifício em que mora"?.  Claro que não.  A vizinhança não é uma mera coincidência geográfica, mas o compartilhamento de uma origem, objetivos e destino comuns, praticamente ausente nos modernos condomínios. Se há exceções? Provavelmente.  Se vou procurá-las hoje? Claro que não.

Na próxima reunião, vou dar algumas sugestões para incrementar a pauta: talvez decorar aquela salinha antisséptica com seres mitológicos do nosso condomínio, tendo a minha figura como personagem central, já que fui a primeira das moradoras.  Devíamos levar comes e bebes, e criar rituais mais elaborados para a tomada de decisão além da insossa contagem de mãos.

Já para a pauta, eu sugiro, deveria ser composta de duas partes: a primeira, com essas questões normais de gestão que todos parecem considerar relevantes e a segunda, mais sutil, deveria ser escolhida por pitonisas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/08/resgatando-instituicoes-antigasoraculos.html), ou pelo uso de artes divinatórias.

De fato, os condomínios produzem bastante lixo, que também é um produto cultural e possivelmente futuros artefatos arqueológicos.  Mas deve haver mais possibilidades dessa nossa convivência produzir bens culturais, caso contrário vou continuar acreditando que esses grandes edifícios são na verdade columbários .


3 comentários:

  1. Fabiâââna, o patinho so é feio até descobrir que é da familia do cisne.

    Perca seu tempo não, que isso ai é da casa do sem jeito.

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  2. Milagre de carnaval: fundaram um bloco (troça) no meu condomínio. A trilha sonora é boa, composta por antigas marchas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/02/marchas-de-carnaval.html). Veremos se resiste ao teste do tempo.

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  3. Segundo ano do bloco do condomínio. Como não poderia deixar de ser, por exigência de Momo, o nome é de triplo sentido e obsceno, típico desse amaxixamento brasileiro (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2014/09/maxixe-uma-danca-proibida.html)

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