quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Lembrar Xangô

Aprendi recentemente, e fiquei muito surpresa, para não dizer estarrecida e maravilhada, que o mítico Xangô foi um personagem histórico.

Ele foi um Rei (Alafin) de Oyó, cidade do denominado Império Yoruba, localizada no que hoje é o oeste da Nigéria.  À semelhança de outros governantes, Xangô foi divinizado e é cultuado nas religiões de matriz africana, e no nosso caso, nas afro-brasileiras.

Xangô é um orixá poderoso, o que se pode ver pelas suas manifestações como trovão, raio e fogo. Ao ler informações sobre a sua biografia, nota-se que ele depôs o irmão, que não conseguiu manter a coesão do Império.  Sua função unificadora foi conseguida através da força, ele tomou as rédeas políticas para controlar o poder disperso, inclusive com a função de aplicar a justiça, e talvez por isso tenha recebido os atributos de orixá violento e vingativo.

O fato é que Xangô é poderoso  e faz tremer o chão.  Além disso, pela tradição ele fundou o culto aos eguns (antepassados falecidos) o que, do ponto de vista memorial e político, é também uma forma de obter a coesão social.  Sabe-se que a idéia de "nação" tem profunda relação simbólica com nascimento, essa é a origem da palavra, e com as idéias de  paternidade, maternidade e ancestralidade: não são à toa as associações com língua "materna" e "pátria", por exemplo.

O culto aos eguns, acredito, contribui para a coesão social porque manifesta a ancestralidade comum daquele povo.  Xangô é o responsável pelo culto, e há informação (passível de verificação) de que suas vestimentas representam esses ancestrais sob a forma de cores em sua saia.

No Brasil, especificamente no local onde moro, "xangô" também é sinônimo de terreiro e da própria religião afro-brasileira.  Nesse sentido, usa-se a expressão "ir ao xangô", e aos praticantes denomina-se "xangozeiros", no meu sentir de maneira pejorativa.

Apenas para acrescentar uma reflexão, feita por alguém que não é da religião e ignora a maior parte dos rituais e significados, fiquei muito impressionada quando participei de uma cerimônia de Candomblé. Eu tinha sido convidada para ser uma espécie de madrinha (foi assim que eu entendi), e como condição para participar precisei fazer uma consulta com o sacerdote, que jogou búzios para mim.

Dessa consulta, algumas coisas ficaram na minha memória. A primeira é que no lugar onde os búzios eram jogados havia moedas. E isso me fez lembrar que em algumas culturas as conchas (ou búzios) também eram usados como moeda.  Fiquei pensando se as moedas de real não seriam uma forma mais moderna de representação dos antigos padrões monetários africanos, e sei que têm grande importância nos denominados "trabalhos".

Aprendi certa vez que quanto mais antiga a moeda, mais forte é a mandinga.

A segunda coisa que eu aprendi é como sou ignorante, e como não recebi desde a infância o acesso a essa fonte de cultura nacional, como preconiza o artigo 215 da Constituição Federal. Acredito que nem foi por preconceito, foi apenas ignorância, distância e falta de oportunidade.  Atualmente, os currículos escolares prevêem o ensino da cultura afro-brasileira e, oxalá, contemplassem também outros patrimônios culturais  de indígenas, imigrantes, cosmopolitas, potiguares, soteropolitanos, gaúchos, pantaneiros e etceteras.

Enfim, acho que se tivesse recebido mais educação antes de participar da cerimônia teria aproveitado e aprendido mais com a experiência. Por exemplo, teria aproveitado mais a oportunidade do jogo dos búzios, e não teria cometido a sucessão de gafes que pratiquei e que algum dia irei contar aqui no blog.

E finalmente, devo dizer que sou apaixonada pelas comidas de santo.  A gastronomia religiosa dos cultos afro-brasileiros é maravilhosa, e as comidas são sempre tão complexas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/desafio-para-memoria-receita-de-vatapa.html) que dá para ver que são para ocasiões especiais.  A comida de Xangô é uma das minhas preferidas:  rabada com quiabo!

5 comentários:

  1. Hoje assisti a um documentário interessante sobre o Batuque, religião de matriz afro-brasileira, com ocorrência no Rio Grande do Sul. Achei duas coisas muito interessantes: a primeira, a explicação sobre a existência de pais e mães de santo, como estruturadores de uma nova família, em substituição àquela que os escravos perderam em função da deportação e da própria escravidão. A segunda coisa muito interessante é que os praticantes gaúchos faziam a oferenda com churrasco!

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  2. Todo dia é uma oportunidade para aprender novas coisas. Hoje li que o culto aos orixás, em geral, é um culto aos ancestrais. Seres humanos que, por suas características peculiares e biografia, tornaram-se dignos de ser lembrados, tal como Xangô. É claro que a lembrança muda, às vezes amplifica o significado de alguém. Aparentemente, cada grupo elegeu seus ancestrais, e depois eles foram sendo compartilhados e ganharam novas características.

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  3. Ontem, domingo, comi rabada com quiabo feita pelo meu pai, que cozinha que é uma beleza.

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  4. Hoje aprendi que Xango foi obrigado a abdicar e, segundo a tradição, devia suicidar-se por enforcamento. Segundo dizem, o seu corpo não foi encontrado, razão pela qual a saudação é “Oba kò so”, cuja tradução é “O rei não se enforcou”. Cf. https://br.noticias.yahoo.com/o-caso-direito-ao-sepultamento-de-mae-de-santo-stella-de-oxossi-143929639.html

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  5. Ontem eu estava correndo e caminhando, e me deparei com uma flâmula em um imóvel dizendo "Lute como Xango".

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