sexta-feira, 31 de julho de 2015

Diálogo surreal (11): sobre pés de lótus

Há alguns dias, refletia sobre uma antiga e intrigante prática chinesa, os conhecidos "pés de lótus" (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/07/pe-de-lotus.html), que sempre me fascinaram.  Esse diálogo aconteceu quando eu tinha uns dez anos, e eu tentava pedir autorização da minha mãe para enfaixar os meus pés.

- Mãe, está muito ocupada?
- ... (ela, cozinhando, esbaforida, e com a cabeça nas nuvens, não respondeu)
- MÃE!
- (Coitada, tomou um susto), que foi, menina? O que é?
- Mãe, quero enrolar meus pés num pano.
- Como é?  Para que? Ele tá dodói?
- Não.  É porque eu vi num livro que as chinesas fazem.
- E você é chinesa?
- Não, e daí?
- Então tá bom, vá lá enrolar pés.
- Onde tem faixas?
- Para que?
- Para enrolar os pés, mamãe. Presta atenção.
- De quantas você precisa.
- Não sei.
- quanto tempo vai ficar com o pé enrolado?
- Não sei, acho que é para o resto da vida.
- Certo.  Deixa eu acabar de fazer o almoço que eu costuro umas faixas para você.

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Sim, essa é a minha mamãe (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/05/mamae.html).  Ela escolhe muito bem as batalhas que quer lutar, e desde que a gente não se ferisse, não  ferisse os outros, não ferisse a lei e os bons costumes (e chegasse em casa antes da hora do sereno  http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/07/levar-sereno.html), nós tínhamos amplas liberdades de escolha, inclusive estéticas.

Sim, ela costurou as faixas e eu enrolei os pés pelo resto da vida, que na visão de uma criança de dez anos durava, mais ou menos, umas duas semanas.

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