sábado, 18 de junho de 2011

Esquecedouros: a roda dos enjeitados

Falamos sobre dois lugares de esquecimento, L'Oubliette e o "disappointment room" em um post anterior. Cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros.html.

Na semana passada identifiquei outro desses esquecedouros: a roda dos enjeitados.

Era uma espécie de janela, geralmente localizada na parede externa de conventos e igrejas, dotado de um dispositivo móvel que permitia colocar um bebê pela janela e, girando o dispositivo, fazer com que fosse recebido do outro lado do muro, já no interior do imóvel.








Local: Recolhimento do Sagrado Coração de Jesus em Igarassu.

Dessa maneira, a pessoa que ia deixar a criança preservava o seu anonimato, já que não poderia ser vista do lado de dentro, e acho que é uma maneira piedosa de evitar que as crianças sejam, literalmente, jogadas na lata do lixo, como vem acontecendo nesses últimos tempos.

A constatação de que continua a acontecer o abandono de bebês em situação precária fez com que fosse reeditada a "roda dos enjeitados", e alguns hospitais da Europa agora dispõem de uma janela desse tipo. Cf. http://veja.abril.com.br/070307/p_073.shtml . Não sei como ocorre no Brasil, mas de vez em quando a gente sabe que um brasileirinho foi descartado como se fosse lixo.



Os "enjeitadinhos", as crianças abandonadas assim, iam para orfanatos e evidentemente não tinham informações sobre a sua origem familiar, que hoje é um dos direitos básicos previsto na Convenção sobre os Direitos das Crianças, especialmente no art. 8º (direito à identidade familiar) e art. 20, III, (direito à origem cultural). No Brasil a referida Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28 de 1990, e promulgada através do Decreto nº 99710, de 21/11/1990.

No fim das contas há uma clara violação ao direito à memória individual, tanto nos aspectos da integridade e veracidade do passado, porque simplesmente as crianças não sabiam de onde vinham, o que faz que nós consideremos a "roda dos enjeitados", em sua versão antiga ou moderna, como um esquecedouro, apesar de reconhecermos o seu mérito humanitário.

Esse negócio de saber as origens é muito sério. Minha mãe, por exemplo, em flagrante violação à biografia da sua prole, afirma categoricamente que todos nós (seus filhos) fomos encontrados na porta do cemitério e fomos adotados.

5 comentários:

  1. Outro dia vi uma reportagem na tv sobre a reativação dessa roda na Alemanha. O detalhe é que mantiveram a tradição de fazer uma coisa que roda, mesmo se hoje em dia as mulheres não tem (segundo essa reportagem) o mesmo pudor ou mesma moral de outrora, não fazendo là muita questão do anonimato.

    Na França não hà roda. A mulher tem direito de ir ao hospital e não declarar sua identidade. Nessa situação, o médico preenchera o prontuàrio com a expresséao "parto sob x". A criança nasce e em seguida é encaminhada para adoção.

    Pra constar, vale dizer que tanto na Alemanha quanto na França o aborto é autorisado até +/- 4 meses de gestação. Passado esse tempo, ainda é possivel ir até a Espanha, onde o tempo é mais longo.

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  2. Falando em França, enquanto eu estudava um pouco sobre a roda dos expostos, ou dos enjeitados, li que o filósofo Rousseau deixou cinco dos filhos dele nessa roda.

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  3. Sério? Então quer dizer que a gente pode ser filha de Rousseau?

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  4. Filha não, mas tatatatrataratratraneta pode até ser...

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  5. Acho que também vou colecionar rodas de expostos. Coleciono relógios de sol, livros, xingamentos antigos, lembranças sobre lugares e cornucópias.

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