terça-feira, 22 de novembro de 2011

Memória do Direito

Memória e Direito têm uma íntima relação, que vai além da lenda em torno dos rábulas, esses juristas não-bacharéis de quem, pejorativamente, se diz conhecer a letra da lei, mas não o seu significado. Na nossa memória coletiva profissional, os rábulas decoram a Lei, mas não a entendem, o que é efetivamente uma grande injustiça com esses nossos antecessores.

Muitas pessoas ainda acham que para exercer funções na área do Direito é preciso decorar as normas jurídicas. Talvez isso ocorra porque, de tanto utilizar e aplicar determinada norma, os operadores jurídicos acabam por conhecê-la e citá-la decor, o que pode causar assombro em desavisados.

Ou, talvez porque a função de jurista é das mais antigas, ainda aplicamos aquelas práticas medievais, tempo em que saber era sinônimo de decorar: tantum scimus, quanto memoria tenemus.

Até bem pouco tempo (uma geração no máximo), dava-se grande valor no ensino formal à prática de decorar. Acho muito interessante quando o meu pai se põe a declamar os afluentes do Rio Amazonas, porque realmente percebo sentido na etimologia: decorar (do Latim de cor), "saber de coração", porque esse órgão era tido como a sede dos sentimentos, da inteligência e do saber (CUNHA, 2001, p. 216).

O Direito utiliza-se da memória de várias formas:

a) Como meio de prova: desde a previsão do testemunho, que é memória individual sobre fatos, até à utilização de documentos.

b) A atividade jurisdicional consiste, basicamente, no registro e solução de conflitos e, por isso, os arquivos judiciais são uma importante fonte de pesquisa dos costumes, da linguagem e das relações sociais, embora o interesse dos historiadores e sociólogos sobre eles seja relativamente recente (CHALHOUB, 2007).

Infelizmente, em razão da crônica falta de espaço físico, o projeto do novo Código de Processo Civil pretende facilitar a destruição de autos judiciais, tema sobre o qual já nos pronunciamos contrariamente, no post http://direitoamemoria.blogspot.com/2010/09/o-dever-de-lembrar-e-destruicao-de.html

c) O Direito abrange fontes memoriais como o costume jurídico e o precedente judicial, onde a solução jurídica é herdada, e sua legitimidade decorre da antigüidade e da constância da transmissão mais do que uma racionalidade ou utilidade social (OST, 2005, p. 95)

d) O ordenamento jurídico brasileiro prevê o respeito às situações constituídas como garantia individual, através do princípio da segurança jurídica, estabelecendo o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, em clara exortação de respeito ao passado (DANTAS, 2010).

e) Existe uma “memória jurídica” no modo de ser do Direito e de construí-lo: as vestimentas utilizadas, a linguagem, as normas transmitidas.

f) A memória é uma aliada do Direito, pois permite consolidar as inibições que fazem do Direito um importante sistema de controle social: sem ela os homens não saberiam o que é lícito ou ilícito, nem mesmo a diferença entre ambos.

g) O exercício do direito à memória evita que violações de direitos sejam esquecidas.

REFERÊNCIA

CHALHOUB, Sidney. O conhecimento da História, o direito à memória e os arquivos judiciais. Disponível em:. Acesso em: 17/03/2007.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória.

OST, François. O tempo do Direito. Bauru: EDUSC, 2005.

Um comentário: