domingo, 1 de julho de 2012

Jus sepulchri: direito de sepultar, ser sepultado e manter-se sepulto

Desde ontem voltei a refletir sobre o direito à memória dos mortos (cf. http://www.direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/06/direito-memoria-dos-mortos-veracidade.html e outros posts no respectivo marcador), tema que considero de suma importância.

Há alguns meses tive a oportunidade de refletir um pouco sobre o "jus sepulchri" para uma reunião do IDEJUST, falando especificamente quanto a decisão da Corte Interamericana de Direito Humanos no caso Gomes Lund & outros, e sua repercussão no reconhecimento do jus sepulchri dos desaparecidos políticos do Brasil, com foco no evento da denominada Guerrilha do Araguaia.

O ato de sepultar possui uma enorme relevância para a memória individual e coletiva pois,  mais do que um ato higiênico, constitui-se em uma afirmação da identidade e do significadoo daquela pessoa para a família e para a sociedade, como bem ilustra bem o livro Antígona, de Sófocles.

Nesse artigo, procurei demonstrar que o tipo de sepultamento é compatível com a representação social feita do falecido.  Se os falecidos são "subversivos e terroristas", como eram considerados os guerrilheiros, evidentemente receberão o tratamento desonroso compatível com esse rótulo, ou simplesmente ser-lhe-ia negado o jus sepulchri.

Para os familiares, o jus sepulchri (na dimensão “direito de sepultar”) significa cumprir o dever moral e jurídico de respeito aos mortos, como fez Antígona, mas também a oportunidade de elaborar o luto e concluir a existência do seu ente querido de forma adequada.  As pessoas precisam de marcos e conclusões, e o sepultamento é ato que permite, psicologicamente, encerrar a existência do falecido.

A demanda pelos restos mortais de pessoas desaparecidas é legítima, legal, moral,  deveria ser prioritária, e nunca sofrer resistência. É por isso que manifestações dos familiares pelo jus sepulchri sempre repercutem profundamente em mim: ontem os familiares de Patrícia Amieiro, desaparecida há quatro anos, realizaram uma manifestação pública pedindo os seus restos mortais (cf. http://br.noticias.yahoo.com/parentes-amigos-patr%C3%ADcia-amieiro-fazem-manifesta%C3%A7%C3%A3o-quatro-anos-174946623.html).

Já que é a nova ordem mundial, vamos falar a verdade: os brasileiros são pouco apreciados na vida e na morte.  Aqui parece que a vida não vale muita coisa, basta ver os absurdos níveis de assassinatos que enfrentamos.

O tratamento dado aos restos mortais reflete o desvalor da vida em si entre nós(cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/11/esquecedouros-cemiterios.html).  Se não há valorização dos vivos, quanto mais dos mortos.

Sei que estamos na pré-História do Brasil, quando se trata de efetivação dos direitos fundamentais, mas não podemos deixar de destacar a importância de garantir o jus sepulchri em suas três dimensões: o direito de ser sepultado (ou não) conforme suas convicções, com os ritos funerários adequados, o direito de manter-se sepultado e o direito dos familiares de realizar o sepultamento.

7 comentários:

  1. Pensei que tu tinha voltado a pensar nisso por causa da destruição do mausoléu sagrado de Tombuctu anteontem... Foi transmimento de pensação então?

    P.S. Achei essa noticia aqui e outras no canal da Grobo... todas provavelmente traduções do inglês. Digo isso porque acho que é TObuctu, e não TImbuctu. E é com c... que fetiche desse povo pra colocar K em tudo.

    http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5868830-EI17615,00-Islamitas+atacam+mausoleu+muculmano+em+Timbuktu.html

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  2. Tu acha que rola enviar à ONU um pedido de criação do Direito Fundamental à visita de patrimônios historicos??

    Tipo, direito a um aviso-prévio de que se vai soltar uma bomba, dando um prazo razoavel pra pessoa ir là ver a coisa antes.

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  3. Que coisa... Do jeito que vai não sobrará nada para ser visitado.

    O maior patrimônio de Timbuktu são os manuscritos que as tribos nômades guardam enterradas no deserto.

    é vergonhoso que esses santuários tenham sobrevivido tanto tempo para serem destruídos em nossa época.

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    1. Vergonhoso e contraditorio.
      Sobreviveram muito mais tempo sem ter proteção para serem destruidos justamente no tempo em que existe um quase consenso de que é preciso proteger.

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  4. Tu quer dizer que enterraram Maupassant no Mali?? eheheh...

    Brincadeirinha à parte, porque tu diz que existem manuscritos enterrados por nômades? Temos um problema ai...+ de um até...

    Não achei nada nesse sentido. Ao contrario, que estão em bibliotecas, algumas privadas, outros em residências e outros ainda que hà tempos foram entregues aos cuidados de pessoas e instituições "em lugares secretos e seguros" porque as familias que os detinham se sentiram ameaçadas de roubo e de morte.

    Em todo caso, a minha fonte de leitura aqui diz que as tribos q detinham manuscritos não eram nada nômades. Ao contrario, justamente os séculos de escrituras desses famosos 8 mil manuscritos viabilizaram a sedentarização do povo là. Os nômades traziam os livros em suas viagens para serem vendidos e reproduzidos, mas não os guardavam consigo.

    Vê ai onde tà o desacordo das nossas fontes. Eu não tô encontrando.

    Outra coisa, os fdps que estão agora destruindo o mausoléu alegam aquela velha historia de que somente se pode adorar deus. Então botaram o prédio abaixo. Mas no caso dos manuscritos, como tem todo tipo de assunto là dentro, não so religioso, vai ver eles não serão alvo da mesma destruição, pois não são adorados.

    Pelo foi isso que eu pensei num primeiro tempo.

    Mas depois eu li que muitas familias se sentiam ameaçadas tanto do roubo dos livros pra revenda no mercado de obras de arte, qto por uma eventual reveleção de seu conteudo, às vezes ligado à historia de familias judias, que jà tinham picado a mula de là faz é tempo, com o tesouro embaixo do suvaco, claro. Essas informações são de 2007 e de 2010.

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  5. Falando em Guerrilha do Araguaia, no mês passado foram exumadas aproximadamente 19 ossadas: http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5873169-EI306,00-Comissao+da+Verdade+vai+apoiar+identificacao+de+ossadas+do+Araguaia.html

    Nosso dever de memória, baseado na solidariedade intergeracional, é continuar procurando.

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  6. O caso dos irmãos Al-Harthi lembrou-me Antígona: http://ujreview.com/2015/08/27/nasser-and-zaher-al-harthi-saudi-brothers-killed-on-the-same-day-fighting-on-opposite-sides-of-global-terror-war/

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