quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Chá de panela: reflexão etnográfica

Aproveitando a pausa para o carnaval, resolvi iniciar uma nova série do blog, para analisar essas festividades/situações sociais em que nos metemos periodicamente.  Não precisam ser comemorações oficiais, de cunho identitário e estatal:  qualquer ajuntamento de pessoas que comemorem alguma coisa poderá ser objeto de análise.

Para começar, escolhi uma comemoração que sempre me intrigou bastante: o chá de panela, também conhecido como "chá de cozinha".

Em primeiro lugar, não entendo e não descobri quando onde essa "tradição" apareceu entre nós.  "Na época" da minha mãe, as noivas não faziam chá de panela, e eu também não fiz motivos ideológicos.

Imagino que a origem dessa novíssima tradição no Brasil deve ser o "bridal shower", evento pré-nupcial em que as pessoas ajudam a mobiliar a casa, e que ocorre nos países de tradição anglo-saxã.

Entre nós a entrega de dádivas matrimoniais sempre ocorria no dia do casamento.  Não entendo, com perdão dos menos ignorantes, como pode haver duas ocasiões de entrega de presentes.

Talvez para evitar o bis in idem, no chá de panela os presentes geralmente são pequenos e baratos, e são requisitados utensílios de cozinha.

Ainda assim, não faz o menor sentido.  O shower virou "chá" em suas mais variadas versões (será?).  Chá de panela, Chá de bebê e mais recentemente, o chá de lingerie, onde são presenteadas peças de vestuário íntimo que a noiva decente jamais compraria.

Percebam que não há o menor sentido no nome dado a comemoração:  chá de bebê? chá de panela?

Enfim, saindo da teleologia e passando à análise da performance, ainda assim não entendo essa comemoração.

No Brasil, geralmente só mulheres são convidadas para o chá de panela.  Mas considerando que gênero é uma construção cultural, ultimamente pessoas anatomicamente masculinas também podem participar.

A noiva, em troca dos utensílios, oferece aos convidados comidas e bebidas.  Então, enquanto comem e bebem (muito), as convidadas fazem a noiva passar por provas e testes para conquistar os presentes.

Basicamente, se trata de um jogo de adivinhação, no qual a noiva deve descobrir os presentes para poder ganhá-los. Se a noiva não acertar, então são elaboradas outras provas, desafios ou prendas, para a diversão dos convidados.

É neste ponto que tudo fica muito, muito estranho.

Vou generalizar correndo o risco de ser injusta ou ignorante, mas para mim o formato do chá de panela é uma espécie de rito de passagem para a noiva. As mulheres convidadas infligem à noiva "brincadeiras" de cunho sexual, cuja temperatura vai aumentando proporcionalmente à quantidade de álcool ingerida.

As velhas da tribo - mães, avós e/ou tias, geralmente tão decentes - transformam-se em algozes e impõem as provas mais esquisitas às noivas e rituais de humilhação.  Estranhas danças, consumo excessivo de álcool, fazem maquiagens exóticas na noiva e às vezes tiram as suas vestes.  E tudo isso na boquinha da garrafa, com forte referência onipresente ao falo.

Há relatos de noivas totalmente pintadas correndo seminuas pela rua.  Isso não seria motivo para o fim do noivado?

Talvez esse transbordamento seja o troco dado pelas noivas aos futuros cônjuges, onde a tradição (essa sim, existia) manda realizar uma despedida de solteiro, espécie de salvo-conduto ou indulgência  para degustar outras mulheres antes do matrimônio, sem que isso seja considerado traição.

Talvez por isso, nos últimos tempos, os chás de panela também contemplem formas leves de striptease masculino, geralmente contratados pela madrinha.  Algumas noivas mais modernas ainda substituem o chá por uma "despedida de solteira".

Ou talvez essa minha reflexão etnográfica tenha sido contaminada pela  minha experiência em chás de panela totalmente amalucados.  O fato é que eu não estimo essa comemoração, que está ganhando contornos de tradição entre nós.

Se algum dia o chá de panela for uma tradição, talvez eu escreva um post defendendo-o.

5 comentários:

  1. Não acho que "shower" virou "chà".
    Acho que se trata de "chà" como sendo a hora em que as mulheres se reunem, no fim da tarde, para dar esses presentes.

    Acho também que aqui no Brasil misturamos as duas tradições. Ou seja, essa de que vc falou de origem inglesa, com a outra de origem francesa, chamada "enterrement de vie de jeune fille", quando efetivamente se faz "trotes" para (contra?) a noiva (o que tb é feito para o noivo "enterrement de vie de garçon).

    Mas eu tb tenho visto essa "tradição" se acabar um pouco, pois os casais mais 'moderninhos' preferem fazer "Chà de Bar" onde os noivos juntos recebem os amigos, sem distinção de sexo ou preferência sexual.

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    1. E se reunem no fim da tarde? Já fui convidada para chá de panela à noite...

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  2. Achei muito boa a sua reflexão, sobre o "chá" referir-se à hora em que as mulheres se reúnem.

    E tudo estaria muito bem, não fosse o fato de que não temos uma hora do chá no Brasil. A minha vovó fazia o "lanche", a hora do "lanche", em que eram servidas iguarias doces e café. Mas era no meio da tarde, mais ou menos às três, três e meia.

    E como eu sei disso? Porque religiosamente cronometrava a minha chegada para a hora do lanche.

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  3. Às vezes, acaba assim: https://www.youtube.com/watch?v=ir5pALqf88g

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