domingo, 25 de janeiro de 2015

Antes do sistema público de abastecimento

A distribuição pública de água e esgoto é uma novidade relativamente recente no Brasil. No início do século XX, pelo menos aqui na minha cidade, o abastecimento era feito através de uma empresa privada que levava galões de água em carroças puxadas a tração animal de porta em porta.

Era isso ou cada um por si, com a lata de água na cabeça, providenciava o seu próprio abastecimento.

Abastecimento e saneamento, duas faces da mesma moeda, dependem de obras de infra-estrutura que no geral permanecem ocultas à vista de população, e por isso, não dando votos, em geral não recebem a atenção dos governantes de visão mesquinha.

Na minha cidade o saneamento sempre foi um caso à parte.  Até o início do século XX, conta-se que as pessoas jogavam as fezes pela janela, e em uma dessas ocasiões um desavisado Charles Darwin, que visitava a minha cidade, ficou coberto de fezes e realmente enfezado, que é de onde vem essa palavra.  Pelo menos, antes de jogar tudo pelas janelas, as pessoas tinham a dignidade de gritar "água vai"...

Os escravos também tinham mais esse fardo de carregar tonéis cheios de fezes pelas ruas da minha cidade.  Dizem que o doce balanço dos baldes e tonéis fazia com que o conteúdo se derramasse sobre os carregadores, pintando-os com padrões rajados que lembravam os tigres, daí serem chamados de "tigreiros".

Agora a situação melhorou um pouco, mas a solução mais fácil foi escolhida: jogar tudo nos rios.  Não é nenhuma novidade, já que relatos antigos diziam que nós, os habitantes dessa cidade ensolarada, jogamos tudo neles há muito tempo, inclusive cadáveres.  70% da nossa cidade não possui saneamento ainda hoje, e isso inclui as moradias da elite.

Enfim, tudo isso para dizer que nós poluímos os corpos hídricos, o que faz com que a água passe a ser escassa em função da qualidade ruim, e por isso devemos consegui-la cada vez mais longe e a um custo crescente.

São Paulo dispõe de água.  O sistema Cantareira em declínio desesperador não deveria ser a principal fonte abastecimento, a depender da mira de São Pedro.  Bastava uma política séria de reuso da água, e sistemas mais eficientes de captação da água da chuva e de retenção e infiltração, por exemplo, mais telhados verdes, menos impermeabilização do solo e, evidentemente, uma mudança radical no padrão de consumo.`

O reuso é mais barato do que mudar o curso dos rios, além do que, deve-se partir do pressuposto de que a natureza nunca está errada.  Vamos observar o que está acontecendo em São Paulo, com o terrível prognóstico de colapso hídrico nos próximos quatro meses, para ver se aprendemos alguma coisa com essa dura, amarga, terrível lição, de consequências imprevisíveis.

2 comentários:

  1. Se eu morasse em São Paulo, construiria uma cisterna.

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  2. Em 2017, a Lei nº 9433/97 completará 20 anos. A legislação relativa ao gerenciamento de recursos hídricos, com foco nessa lei, foi objeto da minha pesquisa de mestrado em Direito, que eu pensava em rever daqui a dois anos, para sentir se a realidade moldou-se à norma.

    Diante do que está acontecendo em São Paulo, acho que vou antecipar os meus planos.

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