No post "Os lugares da memória" (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2010/10/os-lugares-da-memoria.html), citamos Yates (1974, p. 9) ao afirmar que quanto mais notáveis tais imagens, por serem incomuns, belas, ridículas ou grandiosas, mais forte impressão causam e são lembradas mais facilmente, por isso o banal é facilmente esquecido.
Olha aí um exemplo de estímulo para a melhoria do aprendizado e memorização: http://noticias.terra.com.br/educacao/escola-de-idiomas-usa-professoras-seminuas-em-aulas-na-china,56e3aa13cd4c0410VgnVCM10000098cceb0aRCRD.html.
Certamente, o método ajudará alguns alunos a fixar melhor alguns ideogramas. Só não sabemos quais.
Outra exótica vinculação entre sexo e aprendizado já foi por nós comentada no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/02/curando-memoria-coletiva-postura-ativa.html, e até hoje não consegui esquecer.
sábado, 31 de agosto de 2013
sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Provérbios (2)
A verdade é que alguns provérbios não são sempre sábios. Às vezes veiculam preconceitos, outras vezes são apenas idiotas, e por isso é preciso submetê-los à permanente crítica, utilizando-os e transmitindo-os com cautela. Nessa nova série do blog pretendemos analisar e certificar a idoneidade de provérbios e ditos populares para os fins de transmissão.
Hoje vamos analisar dois provérbios que eu detesto, e que são bem parecidos: "formiga sabe em que roça come", ou sua variante "formiga sabe que folha corta", e "passarinho que come pedra sabe o _______(bico) que tem".
Esses provérbios parecem apontar para uma necessidade de observar bem o que se está comendo, e onde, para evitar problemas futuros, inclusive digestivos.
Esses ditos guardam verdadeira sabedoria - pensar bem e olhar bem antes de comer - mas eu não gosto é da sugestão do fim do processo digestivo. O mesmo se aplica àquela situação em que alguém olha de forma marota, enquanto você está comendo algo muito apimentado. E tem gente que até pergunta sobre suas hemorróidas, coisa desagradável.
Voto a favor da manutenção do conselho mas contra esses provérbios, que eu realmente detesto.
Hoje vamos analisar dois provérbios que eu detesto, e que são bem parecidos: "formiga sabe em que roça come", ou sua variante "formiga sabe que folha corta", e "passarinho que come pedra sabe o _______(bico) que tem".
Esses provérbios parecem apontar para uma necessidade de observar bem o que se está comendo, e onde, para evitar problemas futuros, inclusive digestivos.
Esses ditos guardam verdadeira sabedoria - pensar bem e olhar bem antes de comer - mas eu não gosto é da sugestão do fim do processo digestivo. O mesmo se aplica àquela situação em que alguém olha de forma marota, enquanto você está comendo algo muito apimentado. E tem gente que até pergunta sobre suas hemorróidas, coisa desagradável.
Voto a favor da manutenção do conselho mas contra esses provérbios, que eu realmente detesto.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Processo de revalidação do registro do patrimônio imaterial
Os primeiros bens culturais registrados como patrimônio imaterial do Brasil - ofício das paneleiras de Goiabeiras (Espírito Santo) e a Arte Kusiwa (Amapá) - estão em processo de reavaliação (cf. http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=17839&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia).
O processo de reavaliação decenal é uma exigência do Decreto nº 3551/2000:
O processo de reavaliação decenal é uma exigência do Decreto nº 3551/2000:
Art. 7o O IPHAN fará a reavaliação dos bens culturais registrados, pelo menos a cada dez anos, e a encaminhará ao Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural para decidir sobre a revalidação do título de "Patrimônio Cultural do Brasil".
Parágrafo único. Negada a revalidação, será mantido apenas o registro, como referência cultural de seu tempo.
Para conhecer um pouco das manifestações culturais, confiram
Ofício das paneleiras de Goiabeiras: http://www.youtube.com/watch?v=vOP3bqyixWk. Coisa linda.
Arte Gráfica e Corporal Kusiwa (Wãjapi):http://www.youtube.com/watch?v=1dMBXS8OZn0. Coisa linda, além de ser uma ótima oportunidade de conhecer uma língua brasileira, e ver o jeito especial de transmissão oral de conhecimentos tradicionais, que perpetua a memória coletiva.
O reconhecimento e a valorização desses bens culturais contribui para a qualidade de vida das pessoas que os produzem, na medida em que favorece o fortalecimento da identidade e da auto-estima. O contrário da valorização é a imposição de um modo de vida que reduz a dignidade das pessoas.
domingo, 25 de agosto de 2013
Festa de 15 anos: reflexão etnográfica
Essa nova série do blog foi criada para analisar as festividades/situações sociais em que nos metemos periodicamente. Não são necessariamente comemorações oficiais, mas servem para compor o mosaico do nosso modo de ser, viver e sentir. Iniciamos com uma reflexão sobre o Chá de Panela (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/02/cha-de-panela-reflexao-etnografica.html), para mim sempre motivo de mistério e questionamento, e depois refletimos sobre a particularíssima forma de comemorar formaturas, em festas que duram dias e noites (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/cerimonias-de-formatura-reflexao.html).
Hoje, gostaria de refletir sobre as festividades de "15 Anos", o début, a apresentação formal das jovens à sociedade.
É uma festa de aniversário especial para as meninas. É um marco alcançado na vida, pois quando as meninas completam 15 anos.... O que acontece mesmo? Por que essa data ainda é considerada especial? Por que nos ensinam que devemos desejar uma festa de quinze anos?
O baile de debutantes é rito de passagem. A menina, antes acanhada e escondida, é iniciada na sociedade e a partir de então poderá frequentar as ocasiões sociais. Poderá, também, travar relações sociais, como noivados e casamentos. Elas passam a ser alguém no grupo social e assumem novos papéis.
Do ponto de vista das necessidades femininas, que pessoas pouco sensíveis podem chamar de futilidades, a partir dos quinze anos as meninas eram autorizadas a usar maquiagem, salto alto, determinados tipos de vestido.
O mundo, evidentemente, não funciona mais nessa velocidade e nem dessa maneira. As festas de quinze anos não servem mais para debutar. São uma festa de aniversário incrementada, onde as pessoas podem realizar as suas fantasias, e eu as trato como reminiscências de uma sociedade que cambiou.
Eu não quis uma festa de quinze anos porque nunca me submeti a esse tipo de padrão de representação social. Mas como eu não era radical, até me submeteria. Eu realmente decidi que não queria esse tipo de festa quando a minha avó disse que a idade da mulher é contada a partir desse marco. Portanto, você fica com menos chance de mentir a idade, a menos que você deixe para comemorar os seus quinze anos aos vinte.
Enfim, não tive uma festa própria mas acabei sendo convidada para ser dama na festa de uma amiguinha da escola. As fotos que eu tenho com vestido e fita no cabelo são dessa participação especial e excepcionalíssima. Para aqueles que me disseram que eu me arrependeria por não fazer festa, posso afirmar que não me arrependi nem um só dia durante todos esses (poucos) anos.
Hoje, gostaria de refletir sobre as festividades de "15 Anos", o début, a apresentação formal das jovens à sociedade.
É uma festa de aniversário especial para as meninas. É um marco alcançado na vida, pois quando as meninas completam 15 anos.... O que acontece mesmo? Por que essa data ainda é considerada especial? Por que nos ensinam que devemos desejar uma festa de quinze anos?
O baile de debutantes é rito de passagem. A menina, antes acanhada e escondida, é iniciada na sociedade e a partir de então poderá frequentar as ocasiões sociais. Poderá, também, travar relações sociais, como noivados e casamentos. Elas passam a ser alguém no grupo social e assumem novos papéis.
Do ponto de vista das necessidades femininas, que pessoas pouco sensíveis podem chamar de futilidades, a partir dos quinze anos as meninas eram autorizadas a usar maquiagem, salto alto, determinados tipos de vestido.
O mundo, evidentemente, não funciona mais nessa velocidade e nem dessa maneira. As festas de quinze anos não servem mais para debutar. São uma festa de aniversário incrementada, onde as pessoas podem realizar as suas fantasias, e eu as trato como reminiscências de uma sociedade que cambiou.
Eu não quis uma festa de quinze anos porque nunca me submeti a esse tipo de padrão de representação social. Mas como eu não era radical, até me submeteria. Eu realmente decidi que não queria esse tipo de festa quando a minha avó disse que a idade da mulher é contada a partir desse marco. Portanto, você fica com menos chance de mentir a idade, a menos que você deixe para comemorar os seus quinze anos aos vinte.
Enfim, não tive uma festa própria mas acabei sendo convidada para ser dama na festa de uma amiguinha da escola. As fotos que eu tenho com vestido e fita no cabelo são dessa participação especial e excepcionalíssima. Para aqueles que me disseram que eu me arrependeria por não fazer festa, posso afirmar que não me arrependi nem um só dia durante todos esses (poucos) anos.
sábado, 24 de agosto de 2013
Direito à memória dos mortos: Santinhos
Os santinhos de luto são documentos que servem para lembrar de uma pessoa falecida. Geralmente deles consta uma mensagem, uma fotografia ou desenho do falecido e, se possível as datas de nascimento e falecimento.
A origem da palavra "Santinho" provavelmente está ligada aos pequenos cartões que traziam figuras de santos reduzidas, ou representações de cenas religiosas, e que eram portadas pelos devotos. Assim, a veneração se tornava ambulante.
Depois, esses cartões passaram a ser utilizados como lembrancinhas de eventos importantes: nascimentos, batizados, formaturas e funerais. Aquele material absolutamente inútil nas eleições, que traz o nome do candidato e o seu número, também é chamado de "Santinho", o que não deixa de ser uma forma refinada de ironia, em alguns casos.
Os santinos de luto geralmente eram feitos pelos católicos, para serem entregues na missa de sétimo dia.
Para ver alguns exemplos de santinhos da colônia alemã, confiram :http://www.imigracaoalema.com/pesquisa/artigos/000137/.
O costume de entregar santinhos parece estar desaparecendo.
A origem da palavra "Santinho" provavelmente está ligada aos pequenos cartões que traziam figuras de santos reduzidas, ou representações de cenas religiosas, e que eram portadas pelos devotos. Assim, a veneração se tornava ambulante.
Depois, esses cartões passaram a ser utilizados como lembrancinhas de eventos importantes: nascimentos, batizados, formaturas e funerais. Aquele material absolutamente inútil nas eleições, que traz o nome do candidato e o seu número, também é chamado de "Santinho", o que não deixa de ser uma forma refinada de ironia, em alguns casos.
Os santinos de luto geralmente eram feitos pelos católicos, para serem entregues na missa de sétimo dia.
Para ver alguns exemplos de santinhos da colônia alemã, confiram :http://www.imigracaoalema.com/pesquisa/artigos/000137/.
O costume de entregar santinhos parece estar desaparecendo.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
Lembrar Mario Juruna
Não sei porque hoje lembrei do Deputado Mário Juruna.
Quando criança, eu era absolutamente fascinada pela figura do índio deputado, que parecia estar tão deslocado no ambiente do Congresso Nacional. Aquela, definitivamente, não era a sua tribo.
Contam-se algumas estórias "folclóricas" sobre o "exótico" deputado. A que mais me impressionava era um gravador, que utilizava para gravar as promessas dos brancos. Eu imagino que devia ser muito frustrante para o índio, e também para o homem público, tentar expor as demandas das comunidades indígenas brasileiras e não ser devidamente atendido.
Depois de tantas décadas, repentinamente Mário Juruna se retirou da vida pública e acabou morrendo no anonimato, e esquecido. Para conhecer um pouco da biografia, há um vídeo no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=1_revi1TAKs.
Eu não sei de todas as polêmicas em Mário Juruna se envolveu na vida, nem os motivos pelos quais acabou sendo renegado. A imagem que guardo dele é de um homem corajoso e inovador, e que tentou de alguma maneira melhorar a vida dos povos indígenas através do reconhecimento institucional.
Para escrever esse post, revi algumas imagens de Mario Juruna e alguns dos seus discursos e, basicamente, ele denunciou a gravíssima situação de miséria e violência a que estavam sujeitas as comunidades. E por isso era chamado de subversivo.
Sobre a questão indígena no Brasil há um documentário interessante no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=zeeTx6kQl9s.
Mário Juruna, brasileiro, xavante, ex-deputado, e que merece ser lembrado.
Quando criança, eu era absolutamente fascinada pela figura do índio deputado, que parecia estar tão deslocado no ambiente do Congresso Nacional. Aquela, definitivamente, não era a sua tribo.
Contam-se algumas estórias "folclóricas" sobre o "exótico" deputado. A que mais me impressionava era um gravador, que utilizava para gravar as promessas dos brancos. Eu imagino que devia ser muito frustrante para o índio, e também para o homem público, tentar expor as demandas das comunidades indígenas brasileiras e não ser devidamente atendido.
Depois de tantas décadas, repentinamente Mário Juruna se retirou da vida pública e acabou morrendo no anonimato, e esquecido. Para conhecer um pouco da biografia, há um vídeo no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=1_revi1TAKs.
Eu não sei de todas as polêmicas em Mário Juruna se envolveu na vida, nem os motivos pelos quais acabou sendo renegado. A imagem que guardo dele é de um homem corajoso e inovador, e que tentou de alguma maneira melhorar a vida dos povos indígenas através do reconhecimento institucional.
Para escrever esse post, revi algumas imagens de Mario Juruna e alguns dos seus discursos e, basicamente, ele denunciou a gravíssima situação de miséria e violência a que estavam sujeitas as comunidades. E por isso era chamado de subversivo.
Sobre a questão indígena no Brasil há um documentário interessante no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=zeeTx6kQl9s.
Mário Juruna, brasileiro, xavante, ex-deputado, e que merece ser lembrado.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Direito à memória dos mortos: selos sobre cemitérios tombados
Os Correios estão lançando selos comemorativos dos cemitérios tombados do Brasil: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=17829&sigla=Noticia&retorno=detalheNoticia
Cemitérios são patrimônio cultural, são lugares de memória (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/08/cemiterio-lugar-de-memoria.html) mas, de tão abandonados, muitos parecem esquecedouros (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/11/esquecedouros-cemiterios.html).
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Coisas que não fazem sentido
Aqui onde moro há expressões e coisas que não fazem sentido:
- se querem dizer que nesse mesmo dia (por exemplo, quarta-feira) da próxima semana acontecerá alguma coisa, é de hoje a oito (dias). Por exemplo, a prova acontecerá de hoje a oito. Se considerarmos a quinzena, será de hoje a quinze.
Não faz sentido. Conte, são sete dias. O problema é que as pessoas incluem o dia de hoje na contagem, aí fica oito dias.
- Aqui na minha região, as garotas são chamadas de boy. Boyzinhas.
- Utilizar comparações espaciais com medidas absolutamente desconhecidas. Por exemplo: "imagine, Fabiana, essa área é equivalente a três campos de futebol". Continuei sem saber o tamanho. A minha televisão tem 32 polegadas, então, a área tem 96 polegadas?
Aliás, por que ainda se fala em polegadas?
Esse é um post em construção e aberto a sugestões. Vou continuar colecionando coisas que não fazem sentido nos comentários abaixo.
- se querem dizer que nesse mesmo dia (por exemplo, quarta-feira) da próxima semana acontecerá alguma coisa, é de hoje a oito (dias). Por exemplo, a prova acontecerá de hoje a oito. Se considerarmos a quinzena, será de hoje a quinze.
Não faz sentido. Conte, são sete dias. O problema é que as pessoas incluem o dia de hoje na contagem, aí fica oito dias.
- Aqui na minha região, as garotas são chamadas de boy. Boyzinhas.
- Utilizar comparações espaciais com medidas absolutamente desconhecidas. Por exemplo: "imagine, Fabiana, essa área é equivalente a três campos de futebol". Continuei sem saber o tamanho. A minha televisão tem 32 polegadas, então, a área tem 96 polegadas?
Aliás, por que ainda se fala em polegadas?
Esse é um post em construção e aberto a sugestões. Vou continuar colecionando coisas que não fazem sentido nos comentários abaixo.
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
Conhece-te a ti mesmo, Brasil: a imponderável arte de dar seu jeito
Não estou falando do jeitinho brasileiro, essa forma estranha de levar vantagem e que é apontada como uma característica identitária nossa.
Não. A questão desse post refere-se ao fato de que nós, brasileiros, somos mestres do improviso. "Se virar", sim, parece ser uma característica, e uma necessidade dinâmica de continuar apesar das barreiras. Alguém já disse que os brasileiros são sobreviventes criativos, e isso deve ser bem verdade.
Mas não sei se isso é sempre positivo. Observem: tem sempre alguém que consegue dar um jeito. A máquina de lavar quebrou, então chama o primo, do amigo de vizinho que dá um jeito, e ele conserta. O senhor é pedreiro de profissão, mas se precisar, também é eletricista. Ele se vira e dá um jeito para gente.
Já deu para perceber que isso não vai levar a nada bom. Como resultado? A maioria dos serviços não é satisfatória, ninguém entrega nada no prazo, e nem sempre o consumidor consegue o que quer. Essa é mais uma faceta do "problema da Educação no Brasil", a falta qualificação técnica cria uma grande população de amadores e curiosos, que ficam tentando até acertar.
Quebrou, tem que consertar direito, com as peças certas. Outro dia, um equipamento nosso quebrou, levamos à empresa que supostamente seria especialista em consertar e, qual não foi a surpresa, quando descobrimos que ao invés de colocar a peça de reposição correta, e por preguiça de adquiri-la, alguém resolveu "dar um jeito", recondicionou uma peça diferente, e lixa daqui e lixa dali, forçou a até a peça caber.
A falta de conhecimento que cria curiosos e amadores traz grandes problemas para os consumidores. São orçamentos que não funcionam, após serem aprovados. Prazos que não são cumpridos, porque o número de tentativas até acertar exigiu mais tempo, o que faz com que perigosamente muitos tentem se tornar autodidatas.
Outro problema é a falta de padrões de qualidade efetivos, de atendimento e de serviço. Vou dar um exemplo: um restaurante tem um número X de mesas e sempre um número insuficiente de funcionários para atendê-las. O mesmo acontece em caixas de banco, supermercados, etc. Se algum funcionário faltar, o que era precário vai se tornar impossível de funcionar. O correto seria limitar o número de clientes ou, na situação extrema, contratar emergencialmente alguém ou fechar a bodega. O que vai acontecer? O serviço vai funcionar mais precariamente ainda, porque resolvem dar um jeito. E aí o rodízio não roda e você vai esperar o seu sushi por uma hora e meia.
Para finalizar, vou contar o meu problema pessoal de gestão da memória: toda vez que sou mal atendida em algum lugar eu juro, à maneira de Scarlet O'Hara, que jamais voltarei lá. Mas são tantos os lugares em que jurei não voltar e infelizmente não consigo lembrar de todos: às vezes estou bem pimpona e lembro que não devia estar ali. Tenho três possibilidades: reduzir minhas exigências e parar de jurar por qualquer da-cá-aquela palha; fazer uma lista positiva, e a partir de então jurar voltar, ou então arrumar meios de fixar melhorar os locais em que não posso voltar. Talvez georreferenciá-los e criar um mapa dos lugares proibidos...
Não. A questão desse post refere-se ao fato de que nós, brasileiros, somos mestres do improviso. "Se virar", sim, parece ser uma característica, e uma necessidade dinâmica de continuar apesar das barreiras. Alguém já disse que os brasileiros são sobreviventes criativos, e isso deve ser bem verdade.
Mas não sei se isso é sempre positivo. Observem: tem sempre alguém que consegue dar um jeito. A máquina de lavar quebrou, então chama o primo, do amigo de vizinho que dá um jeito, e ele conserta. O senhor é pedreiro de profissão, mas se precisar, também é eletricista. Ele se vira e dá um jeito para gente.
Já deu para perceber que isso não vai levar a nada bom. Como resultado? A maioria dos serviços não é satisfatória, ninguém entrega nada no prazo, e nem sempre o consumidor consegue o que quer. Essa é mais uma faceta do "problema da Educação no Brasil", a falta qualificação técnica cria uma grande população de amadores e curiosos, que ficam tentando até acertar.
Quebrou, tem que consertar direito, com as peças certas. Outro dia, um equipamento nosso quebrou, levamos à empresa que supostamente seria especialista em consertar e, qual não foi a surpresa, quando descobrimos que ao invés de colocar a peça de reposição correta, e por preguiça de adquiri-la, alguém resolveu "dar um jeito", recondicionou uma peça diferente, e lixa daqui e lixa dali, forçou a até a peça caber.
A falta de conhecimento que cria curiosos e amadores traz grandes problemas para os consumidores. São orçamentos que não funcionam, após serem aprovados. Prazos que não são cumpridos, porque o número de tentativas até acertar exigiu mais tempo, o que faz com que perigosamente muitos tentem se tornar autodidatas.
Outro problema é a falta de padrões de qualidade efetivos, de atendimento e de serviço. Vou dar um exemplo: um restaurante tem um número X de mesas e sempre um número insuficiente de funcionários para atendê-las. O mesmo acontece em caixas de banco, supermercados, etc. Se algum funcionário faltar, o que era precário vai se tornar impossível de funcionar. O correto seria limitar o número de clientes ou, na situação extrema, contratar emergencialmente alguém ou fechar a bodega. O que vai acontecer? O serviço vai funcionar mais precariamente ainda, porque resolvem dar um jeito. E aí o rodízio não roda e você vai esperar o seu sushi por uma hora e meia.
Para finalizar, vou contar o meu problema pessoal de gestão da memória: toda vez que sou mal atendida em algum lugar eu juro, à maneira de Scarlet O'Hara, que jamais voltarei lá. Mas são tantos os lugares em que jurei não voltar e infelizmente não consigo lembrar de todos: às vezes estou bem pimpona e lembro que não devia estar ali. Tenho três possibilidades: reduzir minhas exigências e parar de jurar por qualquer da-cá-aquela palha; fazer uma lista positiva, e a partir de então jurar voltar, ou então arrumar meios de fixar melhorar os locais em que não posso voltar. Talvez georreferenciá-los e criar um mapa dos lugares proibidos...
domingo, 18 de agosto de 2013
Memória brasileira: Ouro para o bem do Brasil
A minha avó doou a aliança de casamento dela para a campanha "Ouro para o bem do Brasil". E fez isso pelo bem da Nação.
Há muito tempo minha mãe me contou essa estória. Disse que, quando era criança, foi com a minha avó até um posto de coleta, onde as pessoas entregavam os seus pertences de ouro, que eram jogados em uma pequena pilha no chão. Essa campanha da década de 1960 repetia a iniciativa paulista de 1932, portanto, não foi uma novidade.
Nunca pude entender que espécie de tributação seria aquela, voluntária e sem valor certo. Simples, não era uma forma de tributação: foi uma campanha publicitária criada por uma empresa (Diários Associados), que visava a contribuir para o soerguimento do Brasil, então avassalado pela inflação (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/05/memoria-brasileira-inflacao.html) e por uma crise política que levou ao golpe de Estado, recém efetivado.
Em troca, as pessoas recebiam uma aliança (http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/13061964/130664_1.htm). Quanto foi arrecadado? Não se sabe. Qual o destino das doações? Ninguém jamais ouviu dizer (http://www.jornalmovimento.com.br/geraldo-nunes/245-na-campanha-ouro-para-o-bem-do-brasil-populacao-foi-enganada-e-nunca-se-soube-onde-foi-parar-o-dinheiro-).
A boa-fé das pessoas era tamanha, que acreditavam realmente poder salvar o Brasil com seus pertences pessoais. Que lastro estranho esse: padrão-ouro de memorabilia.
Para o bem da memória do Brasil, gostaria muito de saber qual foi o destino dado à contribuição das pessoas. Gostaria também de acreditar que o sacrifício que a minha avó fez, ainda que simbólico, foi justificado.
Há muito tempo minha mãe me contou essa estória. Disse que, quando era criança, foi com a minha avó até um posto de coleta, onde as pessoas entregavam os seus pertences de ouro, que eram jogados em uma pequena pilha no chão. Essa campanha da década de 1960 repetia a iniciativa paulista de 1932, portanto, não foi uma novidade.
Nunca pude entender que espécie de tributação seria aquela, voluntária e sem valor certo. Simples, não era uma forma de tributação: foi uma campanha publicitária criada por uma empresa (Diários Associados), que visava a contribuir para o soerguimento do Brasil, então avassalado pela inflação (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/05/memoria-brasileira-inflacao.html) e por uma crise política que levou ao golpe de Estado, recém efetivado.
Em troca, as pessoas recebiam uma aliança (http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro/13061964/130664_1.htm). Quanto foi arrecadado? Não se sabe. Qual o destino das doações? Ninguém jamais ouviu dizer (http://www.jornalmovimento.com.br/geraldo-nunes/245-na-campanha-ouro-para-o-bem-do-brasil-populacao-foi-enganada-e-nunca-se-soube-onde-foi-parar-o-dinheiro-).
A boa-fé das pessoas era tamanha, que acreditavam realmente poder salvar o Brasil com seus pertences pessoais. Que lastro estranho esse: padrão-ouro de memorabilia.
Para o bem da memória do Brasil, gostaria muito de saber qual foi o destino dado à contribuição das pessoas. Gostaria também de acreditar que o sacrifício que a minha avó fez, ainda que simbólico, foi justificado.
sábado, 17 de agosto de 2013
Resgatando instituições antigas: a Gerúsia
Na Grécia Antiga, e em toda sociedade de respeito, a palavra dos anciãos tem bastante valor porque é imbuída de memória e experiência.
Na nossa sociedade os idosos não são devidamente valorizados, o que nos fez considerar os asilos como forma de esquecedouros (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/07/esquecedouros-asilos.html). Talvez porque somos um país muito jovem, talvez porque aqui o valor da pessoa esteja vinculado à força de trabalho, muitas vezes (e erradamente) os idosos são vistos como fardos.
A situação é tão séria que foi preciso criar uma lei federal nº 10741/2033 (o Estatuto do Idoso), explicitando direitos já pertencem aos brasileiros simplesmente pelo fato de nascerem. Foi preciso dizer em uma lei, evidentemente porque faltou bom senso social, que as pessoas idosas têm o direito de ir e vir, liberdades civis (de crença, opinião, expressão), e envelhecer tornou-se um direito, observem:
"Art. 8o O envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente".
Infelizmente, como várias leis no Brasil, há um problema de efetivação dos seus comandos. Por isso, e para melhorar a situação geral das pessoas no Brasil (inclusive dos idosos), seria salutar resgatar a instituição do "Conselho de Anciãos", com poderes, inclusive, de botar para gerar em cima dessa molecada debochada, nesse grupo compreendido qualquer pessoa física com menos de 65 anos.
A instituição da Gerúsia poderia ser reciclada se:
a) A função de ancião da República fosse apartidária;
b) Os anciãos escolhidos para o Conselho deveriam ser pessoas realmente vividas e experientes, sem opiniões extremas, e praticantes de Yoga, Meditação e esportes radicais no mínimo há três décadas;
c) Ficaria terminantemente proibido o uso de tecnologias modernas demais ou redes sociais, para manter o caráter místico das reuniões. Esses idosos de hoje em dia estão muito moderninhos e convém refrear essa tendência.
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Resgatando xingamentos antigos (18): Sicofanta
Esse xingamento é realmente antigo, e tem sabor de figo e ancianidade.
A palavra "sicofanta", em grego, denotava as pessoas que delatavam quem roubava figos ou os frutos de figueiras nobres, daí ser sinônimo de delator. Também é utilizado para designar patifes, impostores e caluniadores (Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio, 1999 p. 1851).
Eu fico aqui imaginando...quantos roubos de figueira foram necessários, para que surgisse toda uma categoria de "delatores de roubos de figueira", e finalmente fossem nomeados sicofantas?
De minha parte, gosto muito da palavra em si porque parece uma instituição antiga, como a "Gerúsia". Seria totalmente verossímil dizer que "os anciãos - também conhecidos como sicofantas - reuniam-se no Areópago"...É realmente uma pena essa palavra ser um xingamento.
Mas como a função dessa série do blog é resgatar xingamentos antigos, segue a sugestão de uso: "Aquele sicofanta miserável inventou mentiras ao nosso respeito e ficou livre para espalhar suas velhacarias pelo mundo".
A palavra "sicofanta", em grego, denotava as pessoas que delatavam quem roubava figos ou os frutos de figueiras nobres, daí ser sinônimo de delator. Também é utilizado para designar patifes, impostores e caluniadores (Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio, 1999 p. 1851).
Eu fico aqui imaginando...quantos roubos de figueira foram necessários, para que surgisse toda uma categoria de "delatores de roubos de figueira", e finalmente fossem nomeados sicofantas?
De minha parte, gosto muito da palavra em si porque parece uma instituição antiga, como a "Gerúsia". Seria totalmente verossímil dizer que "os anciãos - também conhecidos como sicofantas - reuniam-se no Areópago"...É realmente uma pena essa palavra ser um xingamento.
Mas como a função dessa série do blog é resgatar xingamentos antigos, segue a sugestão de uso: "Aquele sicofanta miserável inventou mentiras ao nosso respeito e ficou livre para espalhar suas velhacarias pelo mundo".
terça-feira, 13 de agosto de 2013
Mudanças
Eu sou uma pessoa do meu tempo, contemporânea, mas parece que o meu tempo está passando. Antes, para alguém começar a falar "na minha época" demorava pelo menos umas duas gerações. Eu, por outro lado, comecei a me sentir obsoleta no cotidiano, quando comecei a perceber que o que eu falo não é inteligível para pessoas de vinte e poucos anos e que boa parte das coisas que eu conheço está mudando.
Por exemplo, coisas comuns para mim que estão entrando em extinção (ou mudando de forma):
- Jornais e revistas estão desaparecendo ou se tornando mais virtuais. A profissão de jornaleiro, tal como antigamente aconteceu com os acendedores de lampião e fabricantes de sino, está em extinção;
- As vídeo-locadoras, coqueluche do momento nos anos 90, parece que estão fadadas a desaparecer. Na minha cidade, depois de vários meses sem alugar nenhum filme, resolvi ir a uma locadora e percebi que havia fechado. O mesmo destino seguiram outras empresas.
- A tecnologia parece substituir a conversa presente entre as pessoas, que precisam de intermediação. Na semana passada fiquei assombrada quando vi seis pessoas em uma sala, que não conversavam entre si mas pareciam velhas senhoras fazendo crochê com seus aparelhos de celular. A diferença é que as vezes o crochê e a tapeçaria eram só um pretexto para reunir pessoas para conversar, além do que, evidentemente, saíam produtos como toalhinhas, passadeiras, sapatinhos.
- As crianças falam coisas ininteligíveis, e os adolescentes fazem coisas ininteligíveis para mim. Será que meus pais se sentiram assim?
- Nasci em outro milênio e aprendi a minha língua sob regras que mudaram. Eu achava tão engraçado quando minha avó ia escrever a palavra coco, por exemplo: côco. Com acento circunflexo no primeiro o. A minha tentação era sempre ler cocô (fezes), mas ela me corrigia com aquele ar enfadado.
Pois bem, sofri uma alteração ortográfica no curso da minha breve existência, e não consigo me adaptar aos novos tempos. Sempre escreverei óptico, e sempre vou colocar hifens e acentos.
Tudo está mudando ao meu redor.
Por exemplo, coisas comuns para mim que estão entrando em extinção (ou mudando de forma):
- Jornais e revistas estão desaparecendo ou se tornando mais virtuais. A profissão de jornaleiro, tal como antigamente aconteceu com os acendedores de lampião e fabricantes de sino, está em extinção;
- As vídeo-locadoras, coqueluche do momento nos anos 90, parece que estão fadadas a desaparecer. Na minha cidade, depois de vários meses sem alugar nenhum filme, resolvi ir a uma locadora e percebi que havia fechado. O mesmo destino seguiram outras empresas.
- A tecnologia parece substituir a conversa presente entre as pessoas, que precisam de intermediação. Na semana passada fiquei assombrada quando vi seis pessoas em uma sala, que não conversavam entre si mas pareciam velhas senhoras fazendo crochê com seus aparelhos de celular. A diferença é que as vezes o crochê e a tapeçaria eram só um pretexto para reunir pessoas para conversar, além do que, evidentemente, saíam produtos como toalhinhas, passadeiras, sapatinhos.
- As crianças falam coisas ininteligíveis, e os adolescentes fazem coisas ininteligíveis para mim. Será que meus pais se sentiram assim?
- Nasci em outro milênio e aprendi a minha língua sob regras que mudaram. Eu achava tão engraçado quando minha avó ia escrever a palavra coco, por exemplo: côco. Com acento circunflexo no primeiro o. A minha tentação era sempre ler cocô (fezes), mas ela me corrigia com aquele ar enfadado.
Pois bem, sofri uma alteração ortográfica no curso da minha breve existência, e não consigo me adaptar aos novos tempos. Sempre escreverei óptico, e sempre vou colocar hifens e acentos.
Tudo está mudando ao meu redor.
sábado, 10 de agosto de 2013
Cemitério: lugar de memória
O cemitério é um lugar de consenso, onde todos, independentemente de sua condição social e econômica, de sua biografia, encontram o seu destino. Mesmo que a diversidade dos túmulos consagre as diferenças sociais - há falecidos que possuem jazigos impressionantes e outros enterrados em simples covas - todos passam da mesma forma para o "outro lado".
Nunca entendi porque há tanto silêncio nos cemitérios, mas esses lugares tão diferentes do resto da cidade barulhenta, e por isso são interessantes para a visitação e propícios à meditação. Passear pelas ruas da necrópole permite um intenso aprendizado, desde que sejam deixados de lado o medo e o preconceito, e desde que os túmulos sejam considerados documentos. A conduta das pessoas, os rituais, as sensações também são uma importante fonte de observação e aprendizado (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/beber-o-morto.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/carpideiras.html).
Durante essa semana, tive a oportunidade de ler um livro muito interessante, cujo título é "À flor da pedra: formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros". Embora o Autor - Antonio Motta - o considere apenas um estudo preliminar, já conseguimos vislumbrar com ele como a morfologia dos túmulos, suas alegorias, a posição no cemitério é capaz de revelar o status social dos falecidos, sua auto-imagem, e concepções institucionais como a continuidade da família e crenças.
Portanto, antes que a ficha de leitura vá para o arquivo, resolvi destacar pontos interessantes:
- Uma referência ao "drive-up funeral home", invenção americana,que consistia em expor o cadáver em uma vitrine e as pessoas podiam comparecer ao velório sem sair do carro (p. 15 e nota p. 23).
- O tipo cemitério (jardim, verticais, necrópoles oitocentistas) e o tipo de túmulo (lóculos, campa-rasa e mausoléu) podem interferir na construção da memória individual do falecido e na memória coletiva.
- Os ritos funerários são momentos de intensa socialização e permitem exorcizar a morte e presentificar o falecido na memória dos vivos (p. 27). Essa intensa sociabilidade pode restaurar e fortalecer os liames entre os membros do grupo e entre gerações.
- Os túmulos são lugar de transformação. "Purificam" o cadáver que se decompõe, e ocultando-o, perpetuam a sua lembrança (p.28);
- No século XVIII as pessoas utilizavam túmulos fictícios como decoração de jardim na Inglaterra (!). A idéia era estimular a reflexão sobre a condição humana e sua própria finitude.
- No século XX a memória dos vivos passou a ser a imortalização. os mortos são eternizados na memória dos vivos (p. 54, concordo!).
- A morte virou pornografia, como afirma Gorer? O momento de morrer é cada vez mais íntimo, não há mais a Ars moriendi e representações de cenas no leito de morte. Antes a hora da morte era compartilhada por muitas pessoas. Por outro lado, os túmulos individuais e o luto individualizado contribuem para essa tendência de intimidade.
- Na minha cidade, na época da colônia, quem não tinha status ou condição financeira para ser enterrado nas Igrejas era jogado ao mar ou aos rios. E ficavam lá, à vista dos passantes, que gostavam de assistir ao espetáculo. Ainda hoje, há uma grande curiosidade das pessoas diante de um cadáver que, sim, ainda fica exposto durante muito tempo à curiosidade pública (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/01/memento-mori-o-direito-memoria-dos.html).
- Com exceção dos cemitérios pré-históricos, no Brasil são muito recentes. Até o século XIX as pessoas eram enterradas em Igrejas, ou simplesmente jogadas ao mar, rios, ou enterradas em covas rasas. A partir da década 1850, por razões sanitárias, o Estado criou cemitérios públicos.
- Essas necrópoles oitocentistas parecem uma cidade planejada, com quadras regulares, grandes alamedas e pequenas ruas.Há convergência do eixo monumental em um cruzeiro ou capela, em cujo entorno estão os enterramentos mais antigos, p 73. No cemitério há bons e maus lugares.
- A arte tumular nesses cemitérios é variada. Ornamentos de túmulos, com referência ao romantismo - corujas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/mortalhas.html), morcegos, crânios, foices. Esculturas e representações de cenas dramáticas.
- no início do século XX os cemitérios eram espaços cívicos. As pessoas namoravam, passeavam, faziam piqueniques.
- Os epitáfios nos túmulos são uma afirmação da memória do falecido, p. 98. A inscrição podia ser o início de uma nova narrativa pessoal (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/direito-memoria-dos-mortos-lapides.html)
- O rito funerário era um espetáculo onde tudo contava: quantas pessoas compareceram? qual a intensidade de seus sentimentos? o cemitério é importante? o lugar é bom? os objetos funerários são de boa qualidade?
O post foi longo, mas contribuiu para que eu organize as minhas idéias sobre o tema. Recomendo a todos a leitura do livro referenciado abaixo que, entre suas virtudes, também consta belas fotografias dos túmulos tomados como exemplo.
Referência
MOTTA, Antonio. À flor da pedra - formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros.Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Massangana, 2009.
Nunca entendi porque há tanto silêncio nos cemitérios, mas esses lugares tão diferentes do resto da cidade barulhenta, e por isso são interessantes para a visitação e propícios à meditação. Passear pelas ruas da necrópole permite um intenso aprendizado, desde que sejam deixados de lado o medo e o preconceito, e desde que os túmulos sejam considerados documentos. A conduta das pessoas, os rituais, as sensações também são uma importante fonte de observação e aprendizado (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/beber-o-morto.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/carpideiras.html).
Durante essa semana, tive a oportunidade de ler um livro muito interessante, cujo título é "À flor da pedra: formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros". Embora o Autor - Antonio Motta - o considere apenas um estudo preliminar, já conseguimos vislumbrar com ele como a morfologia dos túmulos, suas alegorias, a posição no cemitério é capaz de revelar o status social dos falecidos, sua auto-imagem, e concepções institucionais como a continuidade da família e crenças.
Portanto, antes que a ficha de leitura vá para o arquivo, resolvi destacar pontos interessantes:
- Uma referência ao "drive-up funeral home", invenção americana,que consistia em expor o cadáver em uma vitrine e as pessoas podiam comparecer ao velório sem sair do carro (p. 15 e nota p. 23).
- O tipo cemitério (jardim, verticais, necrópoles oitocentistas) e o tipo de túmulo (lóculos, campa-rasa e mausoléu) podem interferir na construção da memória individual do falecido e na memória coletiva.
- Os ritos funerários são momentos de intensa socialização e permitem exorcizar a morte e presentificar o falecido na memória dos vivos (p. 27). Essa intensa sociabilidade pode restaurar e fortalecer os liames entre os membros do grupo e entre gerações.
- Os túmulos são lugar de transformação. "Purificam" o cadáver que se decompõe, e ocultando-o, perpetuam a sua lembrança (p.28);
- No século XVIII as pessoas utilizavam túmulos fictícios como decoração de jardim na Inglaterra (!). A idéia era estimular a reflexão sobre a condição humana e sua própria finitude.
- No século XX a memória dos vivos passou a ser a imortalização. os mortos são eternizados na memória dos vivos (p. 54, concordo!).
- A morte virou pornografia, como afirma Gorer? O momento de morrer é cada vez mais íntimo, não há mais a Ars moriendi e representações de cenas no leito de morte. Antes a hora da morte era compartilhada por muitas pessoas. Por outro lado, os túmulos individuais e o luto individualizado contribuem para essa tendência de intimidade.
- Na minha cidade, na época da colônia, quem não tinha status ou condição financeira para ser enterrado nas Igrejas era jogado ao mar ou aos rios. E ficavam lá, à vista dos passantes, que gostavam de assistir ao espetáculo. Ainda hoje, há uma grande curiosidade das pessoas diante de um cadáver que, sim, ainda fica exposto durante muito tempo à curiosidade pública (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/01/memento-mori-o-direito-memoria-dos.html).
- Com exceção dos cemitérios pré-históricos, no Brasil são muito recentes. Até o século XIX as pessoas eram enterradas em Igrejas, ou simplesmente jogadas ao mar, rios, ou enterradas em covas rasas. A partir da década 1850, por razões sanitárias, o Estado criou cemitérios públicos.
- Essas necrópoles oitocentistas parecem uma cidade planejada, com quadras regulares, grandes alamedas e pequenas ruas.Há convergência do eixo monumental em um cruzeiro ou capela, em cujo entorno estão os enterramentos mais antigos, p 73. No cemitério há bons e maus lugares.
- A arte tumular nesses cemitérios é variada. Ornamentos de túmulos, com referência ao romantismo - corujas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/mortalhas.html), morcegos, crânios, foices. Esculturas e representações de cenas dramáticas.
- no início do século XX os cemitérios eram espaços cívicos. As pessoas namoravam, passeavam, faziam piqueniques.
- Os epitáfios nos túmulos são uma afirmação da memória do falecido, p. 98. A inscrição podia ser o início de uma nova narrativa pessoal (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/direito-memoria-dos-mortos-lapides.html)
- O rito funerário era um espetáculo onde tudo contava: quantas pessoas compareceram? qual a intensidade de seus sentimentos? o cemitério é importante? o lugar é bom? os objetos funerários são de boa qualidade?
O post foi longo, mas contribuiu para que eu organize as minhas idéias sobre o tema. Recomendo a todos a leitura do livro referenciado abaixo que, entre suas virtudes, também consta belas fotografias dos túmulos tomados como exemplo.
Referência
MOTTA, Antonio. À flor da pedra - formas tumulares e processos sociais nos cemitérios brasileiros.Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Massangana, 2009.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Direito à memória dos mortos: apelação contra a sentença de morte de Jesus Cristo
Segundo a notícia http://br.noticias.yahoo.com/blogs/eita/advogado-vai-tribunal-para-apelar-contra-senten%C3%A7a-morte-125829146.html, um advogado do Quênia deseja recorrer na Corte Internacional de Justiça, que fica na Holanda, contra a sentença de morte proferida contra Jesus Cristo.
Os acusados são o Imperador Tibério e o Império Romano. Em sua falta, será processada a sua descendência, que na visão do sr. Advogado, são os Estados da Itália e Israel, herdeiros da legislação que embasou a sentença (?!).
Eu queria comentar a notícia, mas não sei por onde começar. Se pelos aspectos processuais (detalhes como a legitimidade ativa ou passiva, prescrição, eficácia do provimento judicial ou sua necessidade, impossibilidade jurídica do pedido), pelos aspectos materiais da pretensão (qual seria? Condenar o Império Romano a revogar a execução, danos morais milenares), a questão da legislação intertemporal. Não vou trilhar nem o caminho do bom senso, porque os questionamentos não teriam fim.
Falando de direito à memória, gostaria apenas de dizer que Jesus Cristo não precisa de reabilitação póstuma.
Os acusados são o Imperador Tibério e o Império Romano. Em sua falta, será processada a sua descendência, que na visão do sr. Advogado, são os Estados da Itália e Israel, herdeiros da legislação que embasou a sentença (?!).
Eu queria comentar a notícia, mas não sei por onde começar. Se pelos aspectos processuais (detalhes como a legitimidade ativa ou passiva, prescrição, eficácia do provimento judicial ou sua necessidade, impossibilidade jurídica do pedido), pelos aspectos materiais da pretensão (qual seria? Condenar o Império Romano a revogar a execução, danos morais milenares), a questão da legislação intertemporal. Não vou trilhar nem o caminho do bom senso, porque os questionamentos não teriam fim.
Falando de direito à memória, gostaria apenas de dizer que Jesus Cristo não precisa de reabilitação póstuma.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
População contra réplica da Estátua da Liberdade
Essa notícia eu tenho que comentar: http://br.noticias.yahoo.com/blogs/eita/est%C3%A1tua-da-liberdade-falsa-vira-motivo-revolta-em-184235280.html
Uma vez eu passei na frente de uma dessas lojas, e realmente fiquei confusa em ver uma grande réplica da Estátua da Liberdade, que é o símbolo da cidade de New York, e que aparentemente não guarda nenhuma relação nem com a loja e nem com o contexto social. Sem contar que a réplica que eu vi pecava na proporções.
Realmente, pelo seu tamanho e caráter icônico, a réplica pode ser confundida com um monumento. Até então ninguém tinha atentado ou se incomodado com isso, mas doeu na população de Bauru. A Prefeitura diz que as leis municipais foram observadas, mas a lei não contempla a rejeição e a afetividade que determinam a apropriação de marcos.
Três coisas podem acontecer: ou a população rejeita de vez, e a réplica tornar-se-á escultura non grata.Se o incômodo for real e constante, e como se trata de um empreendimento comercial, basta que as pessoas não consumam lá, e deixem isso bem claro. Tenho certeza, que em algum momento, a réplica cederá à necessidade de lucro.
A segunda alternativa é apropriar-se da réplica como um novo habitante da cidade.
E a terceira, e mais provável, é que a população se acostume com a réplica e, aos poucos, ela se torne invisível, como a maioria dos bustos, esculturas e fontes que há na cidade. As pessoas não têm o tempo ou o hábito de parar e olhar o local onde vivem com o espírito de maravilhamento.
Parafraseando, o que mata o jardim e qualquer outro bem cultural é a indiferença.
Há uma quarta possibilidade para a população de Bauru, mas que parece só servir para ela. Erigir um monumento concorrente em homenagem à cafetina referida na reportagem.
Uma vez eu passei na frente de uma dessas lojas, e realmente fiquei confusa em ver uma grande réplica da Estátua da Liberdade, que é o símbolo da cidade de New York, e que aparentemente não guarda nenhuma relação nem com a loja e nem com o contexto social. Sem contar que a réplica que eu vi pecava na proporções.
Realmente, pelo seu tamanho e caráter icônico, a réplica pode ser confundida com um monumento. Até então ninguém tinha atentado ou se incomodado com isso, mas doeu na população de Bauru. A Prefeitura diz que as leis municipais foram observadas, mas a lei não contempla a rejeição e a afetividade que determinam a apropriação de marcos.
Três coisas podem acontecer: ou a população rejeita de vez, e a réplica tornar-se-á escultura non grata.Se o incômodo for real e constante, e como se trata de um empreendimento comercial, basta que as pessoas não consumam lá, e deixem isso bem claro. Tenho certeza, que em algum momento, a réplica cederá à necessidade de lucro.
A segunda alternativa é apropriar-se da réplica como um novo habitante da cidade.
E a terceira, e mais provável, é que a população se acostume com a réplica e, aos poucos, ela se torne invisível, como a maioria dos bustos, esculturas e fontes que há na cidade. As pessoas não têm o tempo ou o hábito de parar e olhar o local onde vivem com o espírito de maravilhamento.
Parafraseando, o que mata o jardim e qualquer outro bem cultural é a indiferença.
Há uma quarta possibilidade para a população de Bauru, mas que parece só servir para ela. Erigir um monumento concorrente em homenagem à cafetina referida na reportagem.
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Hospital medieval descoberto em Jerusalem
Confira a notícia: http://noticias.br.msn.com/mundo/hospital-da-era-das-cruzadas-%C3%A9-descoberto-em-jerusal%C3%A9m.
Ah, cidades antigas e fascinantes, e seu inesgotável subsolo...
Quanta novidade no mundo da Arqueologia! Quase não dá para acompanhar...
Ah, cidades antigas e fascinantes, e seu inesgotável subsolo...
Quanta novidade no mundo da Arqueologia! Quase não dá para acompanhar...
domingo, 4 de agosto de 2013
Conhece-te a ti mesmo, Brasil (4):a prevalência do espaço privado sobre o espaço público (em construção)
Nessa série do blog tento identifcar e analisar algumas características do povo brasileiro, que percebi durante os anos em que vago por esta Terra. Tento compreender o nosso modo de ser - que é um dos elementos componentes do patrimônio cultural - para me posicionar quanto à minha identidade.
No primeiro post, destacamos a necessidade que o brasileiro sente de ganhar, ganhar em tudo: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/11/conhece-te-ti-mesmo-brasil-1.html. Não acredito que seja um traço identitário exclusivo dos brasileiros, mas a sua manifestação certamente é.
No segundo post refletimos sobre essa patológica impontualidade brasileira: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/conhece-te-ti-mesmo-brasil-2.html. Os horários no Brasil são meras sugestões e quem cumpre horários pode até ser mal compreendido. Aqui parece ninguém se incomoda de gastar o tempo alheio.
O terceiro post comentamos sobre a suposta "alegria de viver" que os outros apontam nos brasileiros: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/conhece-te-ti-mesmo-brasil-3-questao-da.html. Será que o brasileiro é alegre? Não acredito que isso possa considerar-se um traço identitário.
Nesse domingo ensolarado acordei pensando sobre a dicotomia público x privado, e considerei que esse é um aspecto importante para auto-análise.
Para Roberto DaMatta (1997, p. 48), a “Casa”, representativa do espaço privado por excelência, é bem caracterizado na sociedade brasileira é onde o indivíduo transita com liberdade, construindo suas relações sociais com sua ética própria. Para o autor, o discurso privado é típico das camadas populares, enquanto que o âmbito público é dominado pelos donos do poder, onde são estabelecidas a Lei, a ordem e a política.
A dicotomia entre o âmbito social público e privado, com prevalência do segundo, parece influenciar a concepção de sociedade e cidadania no Brasil. Como o “privado” é mais bem caracterizado para o povo, a sua visão de sociedade e Estado será, evidentemente, privatística: para o indivíduo o Estado e o governo são os outros, e não o “nós”. Em conseqüência os bens públicos, que pertencem ao Estado, são dele e não “nossos”, daí os incompreensíveis atos de vandalismo em equipamentos públicos.
É claro que muitos fatores podem contribuir para esse distanciamento que existe entre indivíduo/sociedade e o Estado, dos quais se destacam a postura autoritária e a centralização do exercício do poder político no Brasil, que são excludentes da sociedade, a ausência de canais de interlocução e até mesmo a ausência do Estado no cotidiano de determinadas camadas da população, que sequer são contempladas com os serviços públicos básicos.
Essa falsa dicotomia, e a distância entre daqueles que exercem o poder político, parece explicar porque durante tanto tempo os cidadãos não exerceram publicamente os seus direitos, e nem reivindicavam adequadamente a sua efetividade. O brasileiro não percebe muito bem o tipo de relação que deve travar com os governos, e isso gera o medo de lidar com autoridades, herança pesada das ditaduras que sofremos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html).
Com as recentes manifestações pela efetividade de direitos fundamentais (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/manifestacao-pela-efetividade-dos.html), acredito que essa dicotomia poderá ser estabelecida em novas bases, e torço para que o espaço público (em construção) contemple formas mais democráticas de ouvir e atender ao pleito dos cidadãos, sem que seja necessário o desabafo que vimos os últimos tempos.
Referências
No primeiro post, destacamos a necessidade que o brasileiro sente de ganhar, ganhar em tudo: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/11/conhece-te-ti-mesmo-brasil-1.html. Não acredito que seja um traço identitário exclusivo dos brasileiros, mas a sua manifestação certamente é.
No segundo post refletimos sobre essa patológica impontualidade brasileira: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/conhece-te-ti-mesmo-brasil-2.html. Os horários no Brasil são meras sugestões e quem cumpre horários pode até ser mal compreendido. Aqui parece ninguém se incomoda de gastar o tempo alheio.
O terceiro post comentamos sobre a suposta "alegria de viver" que os outros apontam nos brasileiros: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/conhece-te-ti-mesmo-brasil-3-questao-da.html. Será que o brasileiro é alegre? Não acredito que isso possa considerar-se um traço identitário.
Nesse domingo ensolarado acordei pensando sobre a dicotomia público x privado, e considerei que esse é um aspecto importante para auto-análise.
Para Roberto DaMatta (1997, p. 48), a “Casa”, representativa do espaço privado por excelência, é bem caracterizado na sociedade brasileira é onde o indivíduo transita com liberdade, construindo suas relações sociais com sua ética própria. Para o autor, o discurso privado é típico das camadas populares, enquanto que o âmbito público é dominado pelos donos do poder, onde são estabelecidas a Lei, a ordem e a política.
A dicotomia entre o âmbito social público e privado, com prevalência do segundo, parece influenciar a concepção de sociedade e cidadania no Brasil. Como o “privado” é mais bem caracterizado para o povo, a sua visão de sociedade e Estado será, evidentemente, privatística: para o indivíduo o Estado e o governo são os outros, e não o “nós”. Em conseqüência os bens públicos, que pertencem ao Estado, são dele e não “nossos”, daí os incompreensíveis atos de vandalismo em equipamentos públicos.
É claro que muitos fatores podem contribuir para esse distanciamento que existe entre indivíduo/sociedade e o Estado, dos quais se destacam a postura autoritária e a centralização do exercício do poder político no Brasil, que são excludentes da sociedade, a ausência de canais de interlocução e até mesmo a ausência do Estado no cotidiano de determinadas camadas da população, que sequer são contempladas com os serviços públicos básicos.
Essa falsa dicotomia, e a distância entre daqueles que exercem o poder político, parece explicar porque durante tanto tempo os cidadãos não exerceram publicamente os seus direitos, e nem reivindicavam adequadamente a sua efetividade. O brasileiro não percebe muito bem o tipo de relação que deve travar com os governos, e isso gera o medo de lidar com autoridades, herança pesada das ditaduras que sofremos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html).
Com as recentes manifestações pela efetividade de direitos fundamentais (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/manifestacao-pela-efetividade-dos.html), acredito que essa dicotomia poderá ser estabelecida em novas bases, e torço para que o espaço público (em construção) contemple formas mais democráticas de ouvir e atender ao pleito dos cidadãos, sem que seja necessário o desabafo que vimos os últimos tempos.
Referências
DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997.
DANTAS, Fabiana. O direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
sábado, 3 de agosto de 2013
A memória dos desaparecidos
Nessas últimas semanas, li e ouvi a pergunta com frequência: onde está Amarildo?
Segundo é veiculado na imprensa, Amarildo desapareceu após ser levado pela Polícia para uma verificação de rotina (http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/amarildo-a-historia-do-pedreiro-desaparecido-apos-ser-detido-em-upp,7f0a8e609df20410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html).
O Brasil tem tantos desaparecidos, de tantas épocas.
Desaparecidos políticos, sequestrados, raptados, acidentados, perdidos, assassinados.
Nós temos o dever de memória - lembrar e continuar procurando - até sabermos o que verdadeiramente aconteceu (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/03/o-brasileiro-nao-tem-memoria-nao-exerce.html).
O governo brasileiro dispõe de um sítio sobre Crianças e Adolescentes desaparecidos: http://www.desaparecidos.gov.br/.
Há também sítios sobre pessoas desaparecidas em geral, inclusive adultos: http://www.pessoasdesaparecidas.org/ e http://www.desaparecidosdobrasil.org.
A memória dessas pessoas é inconclusa, porque não se conhece o fim da sua história. É preciso solidariedade para encontrá-las e confortar as famílias.
Segundo é veiculado na imprensa, Amarildo desapareceu após ser levado pela Polícia para uma verificação de rotina (http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/amarildo-a-historia-do-pedreiro-desaparecido-apos-ser-detido-em-upp,7f0a8e609df20410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html).
O Brasil tem tantos desaparecidos, de tantas épocas.
Desaparecidos políticos, sequestrados, raptados, acidentados, perdidos, assassinados.
Nós temos o dever de memória - lembrar e continuar procurando - até sabermos o que verdadeiramente aconteceu (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/03/o-brasileiro-nao-tem-memoria-nao-exerce.html).
O governo brasileiro dispõe de um sítio sobre Crianças e Adolescentes desaparecidos: http://www.desaparecidos.gov.br/.
Há também sítios sobre pessoas desaparecidas em geral, inclusive adultos: http://www.pessoasdesaparecidas.org/ e http://www.desaparecidosdobrasil.org.
A memória dessas pessoas é inconclusa, porque não se conhece o fim da sua história. É preciso solidariedade para encontrá-las e confortar as famílias.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Mabruk
Quando eu era pequena, tinha fascínio por um livro. Ele era grande, com umas figuras douradas na capa, cheias de curvas.
Um dia perguntei ao meu pai o que significavam aqueles desenhos e ele disse, para o meu espanto, que eram letrinhas. Não eram, não. Eu sabia algumas letrinhas e aquilo não tinha nenhuma correspondência.
- Fabiana, isso é árabe. Essas letrinhas são árabes.
Imagine... letrinhas lindas que eu não conseguia ler. Esse foi um mistério que ficou na minha cabeça. Anos depois, tive a oportunidade de estudar essas letrinhas com um professor muito interessante, que é o tema deste post.
Mabruk vagou pelas minhas memórias nessa semana.
É um senhor idoso, muçulmano e muito sério, que ensinava árabe para estudantes brasileiros em uma mesquita na minha cidade. Tive a oportunidade de aprender todas aquelas letrinhas lindas e, finalmente, entendi o título do livro: As mil e uma noites.
As minhas lembranças das aulas são preciosas. Foi um tempo em que eu e dois dos meus irmãos estudamos juntos na mesma classe, o que por si só já era motivo de muita diversão. Depois, entramos em contato com uma cultura e uma religião desconhecidas, mas da maneira correta, com informação de qualidade e sem preconceitos.
E tivemos a oportunidade de conhecer uma das pessoas mais interessantes. "Mabruk", em árabe, significa Felicidade, ou felicitações. "Barabéns", como explicou um dia o mestre. A lição mais importante que ele me deu foi exatamente de felicidade, e de uma serenidade que só é alcançada por aqueles que têm a convicção de trilhar o caminho correto. Um dos muitos caminhos corretos que podem existir.
Estudei árabe e cultura árabe durante alguns anos, o que evidentemente não foi suficiente para alcançar a proficiência na língua. Considero-me semi-alfabetizada, e, com certeza, muito menos ignorante.
Um dia perguntei ao meu pai o que significavam aqueles desenhos e ele disse, para o meu espanto, que eram letrinhas. Não eram, não. Eu sabia algumas letrinhas e aquilo não tinha nenhuma correspondência.
- Fabiana, isso é árabe. Essas letrinhas são árabes.
Imagine... letrinhas lindas que eu não conseguia ler. Esse foi um mistério que ficou na minha cabeça. Anos depois, tive a oportunidade de estudar essas letrinhas com um professor muito interessante, que é o tema deste post.
Mabruk vagou pelas minhas memórias nessa semana.
É um senhor idoso, muçulmano e muito sério, que ensinava árabe para estudantes brasileiros em uma mesquita na minha cidade. Tive a oportunidade de aprender todas aquelas letrinhas lindas e, finalmente, entendi o título do livro: As mil e uma noites.
As minhas lembranças das aulas são preciosas. Foi um tempo em que eu e dois dos meus irmãos estudamos juntos na mesma classe, o que por si só já era motivo de muita diversão. Depois, entramos em contato com uma cultura e uma religião desconhecidas, mas da maneira correta, com informação de qualidade e sem preconceitos.
E tivemos a oportunidade de conhecer uma das pessoas mais interessantes. "Mabruk", em árabe, significa Felicidade, ou felicitações. "Barabéns", como explicou um dia o mestre. A lição mais importante que ele me deu foi exatamente de felicidade, e de uma serenidade que só é alcançada por aqueles que têm a convicção de trilhar o caminho correto. Um dos muitos caminhos corretos que podem existir.
Estudei árabe e cultura árabe durante alguns anos, o que evidentemente não foi suficiente para alcançar a proficiência na língua. Considero-me semi-alfabetizada, e, com certeza, muito menos ignorante.