Há alguns dias, refletia sobre uma antiga e intrigante prática chinesa, os conhecidos "pés de lótus" (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/07/pe-de-lotus.html), que sempre me fascinaram. Esse diálogo aconteceu quando eu tinha uns dez anos, e eu tentava pedir autorização da minha mãe para enfaixar os meus pés.
- Mãe, está muito ocupada?
- ... (ela, cozinhando, esbaforida, e com a cabeça nas nuvens, não respondeu)
- MÃE!
- (Coitada, tomou um susto), que foi, menina? O que é?
- Mãe, quero enrolar meus pés num pano.
- Como é? Para que? Ele tá dodói?
- Não. É porque eu vi num livro que as chinesas fazem.
- E você é chinesa?
- Não, e daí?
- Então tá bom, vá lá enrolar pés.
- Onde tem faixas?
- Para que?
- Para enrolar os pés, mamãe. Presta atenção.
- De quantas você precisa.
- Não sei.
- quanto tempo vai ficar com o pé enrolado?
- Não sei, acho que é para o resto da vida.
- Certo. Deixa eu acabar de fazer o almoço que eu costuro umas faixas para você.
______________
Sim, essa é a minha mamãe (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/05/mamae.html). Ela escolhe muito bem as batalhas que quer lutar, e desde que a gente não se ferisse, não ferisse os outros, não ferisse a lei e os bons costumes (e chegasse em casa antes da hora do sereno http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/07/levar-sereno.html), nós tínhamos amplas liberdades de escolha, inclusive estéticas.
Sim, ela costurou as faixas e eu enrolei os pés pelo resto da vida, que na visão de uma criança de dez anos durava, mais ou menos, umas duas semanas.
sexta-feira, 31 de julho de 2015
quinta-feira, 30 de julho de 2015
Respeito aos mortos
Nesta semana, assistimos a uma demonstração fascinante de respeito aos mortos. Uma homenagem ao professor Dawson Tamatea executada pelos alunos e colegas da escola em que trabalhava:
Sem dúvida, uma grande honra e um belo modo tradicional de demonstrar respeito ao falecido.
Sem dúvida, uma grande honra e um belo modo tradicional de demonstrar respeito ao falecido.
quarta-feira, 29 de julho de 2015
The Vidocq Society
É uma entidade sem fins lucrativos, que congrega pessoas com as mais diferentes formações, visando a solucionar crimes. Policiais, promotores, peritos, advogados e outros profissionais que possuem expertise em alguma área colaboram gratuitamente com a polícia e familiares para contar a história dos crimes, das vítimas, e dos perpetradores.
Os interessados podem submeter os casos não resolvidos à entidade e, quando aceitos, são analisados pela equipe multidisciplinar dos membros da Vidocq Society. Para conhecer: http://www.vidocq.org/
Gosto desta instituição porque ela não esquece das vítimas e dos familiares.
Os interessados podem submeter os casos não resolvidos à entidade e, quando aceitos, são analisados pela equipe multidisciplinar dos membros da Vidocq Society. Para conhecer: http://www.vidocq.org/
Gosto desta instituição porque ela não esquece das vítimas e dos familiares.
terça-feira, 28 de julho de 2015
Zoofarmacognosia
É o conhecimento que os animais possuem sobre as propriedades medicinais dos recursos naturais (plantas, minerais).
Esse conhecimento, adquirido por tentativa e erro, e ensinado por imitação, é transmitido através das gerações. É bem sofisticado porque envolve não só a tipo de recurso medicinal, mas também a forma correta de utilizá-lo e a finalidade.
Por observação, sei que isso é verdade, pois o meu cachorrinho se automedicava quando tinha cólicas. Ele comia determinada planta, que aparentemente era digestiva, e logo estava bonzinho.
Por outro lado, sei que alguns animais utilizam seus conhecimentos também para fins, digamos, recreativos. Alces ficam bêbados com maçãs fermentadas na Suécia. Na África, elefantes buscam frutos fermentados e roubam depósitos de álcool, para ficar bêbados. Lêmures esfregam lagartas para ficar chapados. Abelhas, bêbadas. Macacos, bêbados. Cavalos e bois, bêbados. Renas comem cogumelos (amanita muscaria) para ficar chapadas e os seus pastores sami tomam a urina delas com a mesma finalidade.
Enfim, parece que há produção de conhecimento e práticas que são transmitidas através das gerações, o que me leva a indagar: podemos falar de um patrimônio cultural animal?
Esse conhecimento, adquirido por tentativa e erro, e ensinado por imitação, é transmitido através das gerações. É bem sofisticado porque envolve não só a tipo de recurso medicinal, mas também a forma correta de utilizá-lo e a finalidade.
Por observação, sei que isso é verdade, pois o meu cachorrinho se automedicava quando tinha cólicas. Ele comia determinada planta, que aparentemente era digestiva, e logo estava bonzinho.
Por outro lado, sei que alguns animais utilizam seus conhecimentos também para fins, digamos, recreativos. Alces ficam bêbados com maçãs fermentadas na Suécia. Na África, elefantes buscam frutos fermentados e roubam depósitos de álcool, para ficar bêbados. Lêmures esfregam lagartas para ficar chapados. Abelhas, bêbadas. Macacos, bêbados. Cavalos e bois, bêbados. Renas comem cogumelos (amanita muscaria) para ficar chapadas e os seus pastores sami tomam a urina delas com a mesma finalidade.
Enfim, parece que há produção de conhecimento e práticas que são transmitidas através das gerações, o que me leva a indagar: podemos falar de um patrimônio cultural animal?
segunda-feira, 27 de julho de 2015
Ghia de parole do Talian Brasileiro - Divulgação
Interessante. Um guia de palavras do dialeto talian, mistura de italiano e português praticada pelos imigrantes: www.talianbrasil.com.br/ghia-de-parole.
domingo, 26 de julho de 2015
Fóssil - Patrimônio cultural do Brasil e bem público federal
Uma notícia chamou a atenção daqueles que amam e protegem o patrimônio cultural brasileiro nesta semana: http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/cientistas-descobrem-fossil-de-cobra-com-4-patas-que-pode-ter-sido-roubado-do-brasil/
Fósseis são bens públicos federais, estão protegidos por lei, e integram uma dupla categoria de preservação no Brasil, em razão do valor paleontológico e científico, conforme previsto pelo artigo 216 da Constituição Federal:
Proteger os fósseis é obrigação de todos, inclusive dos cientistas. Não se importar com a "origem"do fóssil significa estimular o gravíssimo tráfico que atualmente existe, e que só visa ao interesse daqueles que danificam, roubam e exportam ilicitamente.
A extração ilícita de fósseis é feita sem observância das normas técnicas, danificando áreas que podem conter, inclusive, outros bens culturais, como os arqueológicos. A "Ciência a qualquer custo" tem um histórico de desrespeito às leis, à dignidade humana, e a lição precisa ser definitivamente aprendida.
Extrair e exportar fósseis ilicitamente é crime ambiental, e todos os fósseis ilicitamente exportados devem ser restituídos ao Brasil, porque são bens da União Federal e pertencem ao povo brasileiro.
Fósseis são bens públicos federais, estão protegidos por lei, e integram uma dupla categoria de preservação no Brasil, em razão do valor paleontológico e científico, conforme previsto pelo artigo 216 da Constituição Federal:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Proteger os fósseis é obrigação de todos, inclusive dos cientistas. Não se importar com a "origem"do fóssil significa estimular o gravíssimo tráfico que atualmente existe, e que só visa ao interesse daqueles que danificam, roubam e exportam ilicitamente.
A extração ilícita de fósseis é feita sem observância das normas técnicas, danificando áreas que podem conter, inclusive, outros bens culturais, como os arqueológicos. A "Ciência a qualquer custo" tem um histórico de desrespeito às leis, à dignidade humana, e a lição precisa ser definitivamente aprendida.
Extrair e exportar fósseis ilicitamente é crime ambiental, e todos os fósseis ilicitamente exportados devem ser restituídos ao Brasil, porque são bens da União Federal e pertencem ao povo brasileiro.
sábado, 25 de julho de 2015
Memória do futuro? A profecia de Fidel Castro
Que interessante. Olha o que disse Fidel Castro em 1973: "“Os Estados Unidos só voltarão a dialogar conosco quando tiverem um presidente negro e quando houver no mundo um Papa latino-americano”.
cf. http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/07/profecia-de-fidel-castro-feita-em-1973-se-concretiza-em-2015.html.
Imaginem... Os exemplos impensáveis em 1973 tornaram-se verdade (simultaneamente) em 2015, o ano em que as relações diplomáticas entre EUA e Cuba foram retomadas. Há um presidente americano negro, um papa latinoamericano, a vaca tossiu e, no Brasil, as mazelas silenciadas estão aflorando todas de uma vez.
Tempos interessantes e de extremos.
cf. http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/07/profecia-de-fidel-castro-feita-em-1973-se-concretiza-em-2015.html.
Imaginem... Os exemplos impensáveis em 1973 tornaram-se verdade (simultaneamente) em 2015, o ano em que as relações diplomáticas entre EUA e Cuba foram retomadas. Há um presidente americano negro, um papa latinoamericano, a vaca tossiu e, no Brasil, as mazelas silenciadas estão aflorando todas de uma vez.
Tempos interessantes e de extremos.
sexta-feira, 24 de julho de 2015
Direito à memória dos mortos - Kuarup
No próximo final de semana será executado o complexo, fascinante e intrigante ritual funerário indígena conhecido como Kuarup (Kwuarup).
Para conhecer um pouco desta prática: cf. http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xingu/1548.
Sempre considerei os rituais funerários como uma oportunidade de, através da comemoração da memória dos mortos, reforçar os laços de solidariedade social, e o Kwarup é um ótimo exemplo disso.
quinta-feira, 23 de julho de 2015
Restruição (3): o caso da fonte de Ibitinga
Na série Restruição tentamos entender o que (diabos) aconteceu com os bens culturais, para identificar condutas lesivas, às vezes praticadas com a melhor das intenções.
Já observamos a questão do Ecce Homo, o agora famoso afresco da Iglesia de Borja, obra de Doña Cecilia: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/08/restruicao.html.
Sofremos também com o restauro da máscara de Tutancamon: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/01/restruicao-2-iconica-mascara-dourada-de.html.
O que ambas as restruições têm em comum? A execução imperdoável.
Agora nos deparamos com um fato novo, onde o vilão é a opção estética bizarra, que norteou o restauro: http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/ibitinga-fonte-de-mais-de-90-anos-restaurada-gera-polemica,70d0dd1f8a7b2df1cdf7b1d157b7072exs7tRCRD.html.
Neste caso, e na minha modesta opinião, o maior pecado é tentar transformar a fonte em algo que ela nunca foi. Perderam-se os valores de autenticidade e historicidade, apenas para que o bem cultural passasse a refletir um padrão estético atual (de quem? de onde? de quando?).
quarta-feira, 22 de julho de 2015
Divulgação - Biblioteca Digital do Meio Ambiente
O IBAMA, entidade governamental brasileira, disponibiliza obras digitalizadas sobre o meio ambiente para consulta: https://www.ibama.gov.br/sophia/index.html
terça-feira, 21 de julho de 2015
Mitsubishi pede desculpas
A empresa japonesa Mitsubishi pediu desculpas pelo uso de mão de obra escrava durante a Segunda Guerra Mundial: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150719_mitsubishi_desculpas_cc.
Essa notícia me fez lembrar de outras empresas que pediram desculpas pelo tratamento indigno e homicida dado a seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial, como a companhia ferroviária da Holanda, por haver transportado deportados (http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2005/09/29/ult729u50724.jhtm.) e a Hugo Boss.
Mas existem tantas outras empresas que, ontem e hoje, exploram a mão de obra escrava (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/02/memoria-brasileira-escravidao.html). Infelizmente, o Ministério do Trabalho não pode mais publicar a lista dos empregadores que submetem os empregados à condição análoga a de escravo, em razão de liminar do STF, mas tenho esperança de que voltaremos a ter o direito à essa informação.
Essa notícia me fez lembrar de outras empresas que pediram desculpas pelo tratamento indigno e homicida dado a seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial, como a companhia ferroviária da Holanda, por haver transportado deportados (http://noticias.uol.com.br/ultnot/reuters/2005/09/29/ult729u50724.jhtm.) e a Hugo Boss.
Mas existem tantas outras empresas que, ontem e hoje, exploram a mão de obra escrava (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/02/memoria-brasileira-escravidao.html). Infelizmente, o Ministério do Trabalho não pode mais publicar a lista dos empregadores que submetem os empregados à condição análoga a de escravo, em razão de liminar do STF, mas tenho esperança de que voltaremos a ter o direito à essa informação.
segunda-feira, 20 de julho de 2015
Camafeus
São objetos fascinantes e antigos. São pequenas esculturas em pedras semi-preciosas, madrepérola ou vidro, que representam efígies de pessoas, antigos deuses, flores, animais ou cenas (cf. Gemma Augustea no Google), e remontam ao terceiro século antes de Cristo.
É um adorno, mas também pode designar um doce inspirado no acessório como, por exemplo, o camafeu de nozes, e a própria técnica de escultura.
Na minha família a tradição é dar um camafeu à menina que completa 15 anos, e que fará o seu debut na sociedade (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/08/festa-de-15-anos-reflexao-etnografica.html). Como eu não quis fazer uma festa de debutante por razões principiológicas, não ganhei um camafeu, o que foi realmente uma pena, mas a minha irmã ganhou um realmente lindo.
Infelizmente, apesar do retrô, vintage e hipster que pululam por aí, dificilmente vejo alguém usá-los.
É um adorno, mas também pode designar um doce inspirado no acessório como, por exemplo, o camafeu de nozes, e a própria técnica de escultura.
Na minha família a tradição é dar um camafeu à menina que completa 15 anos, e que fará o seu debut na sociedade (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/08/festa-de-15-anos-reflexao-etnografica.html). Como eu não quis fazer uma festa de debutante por razões principiológicas, não ganhei um camafeu, o que foi realmente uma pena, mas a minha irmã ganhou um realmente lindo.
Infelizmente, apesar do retrô, vintage e hipster que pululam por aí, dificilmente vejo alguém usá-los.
domingo, 19 de julho de 2015
Bronzeamento no Brasil e seus produtos absurdos
Houve uma época em que ser bronzeado era esteticamente desejável, e infelizmente essa moda voltou, a despeito dos evidentes efeitos nocivos do bronzeamento natural ou artificial. Diante disso, tentei lembrar dos maiores absurdos que já vi e ouvi sobre os produtos que as pessoas usam, e fiz uma lista.
No início dos anos 80 eu era só uma criança, mas testemunhei diversos deles. A lista abaixo é verídica, e não está em ordem de idiotice, foi só a ordem das minhas lembranças:
1 - Óleo de avião queimado. Sim, aqui na minha cidade as pessoas usavam isso como bronzeador.
2 - Manteiga. Passavam no corpo todo e iam fritar nas areias tropicais.
3 - Óleo de beterraba;
4 - Coca-cola;
5- Água oxigenada cremosa. Embora não fosse um bronzeador, era usada para clarear os pelos em geral, e sem nenhuma proteção para a pele.
Filtro solar é para os fracos.
No início dos anos 80 eu era só uma criança, mas testemunhei diversos deles. A lista abaixo é verídica, e não está em ordem de idiotice, foi só a ordem das minhas lembranças:
1 - Óleo de avião queimado. Sim, aqui na minha cidade as pessoas usavam isso como bronzeador.
2 - Manteiga. Passavam no corpo todo e iam fritar nas areias tropicais.
3 - Óleo de beterraba;
4 - Coca-cola;
5- Água oxigenada cremosa. Embora não fosse um bronzeador, era usada para clarear os pelos em geral, e sem nenhuma proteção para a pele.
Filtro solar é para os fracos.
sábado, 18 de julho de 2015
Sobre dentes
Ontem vi essa notícia interessante, sobre os tratamentos dentários na Pré-História: http://oglobo.globo.com/sociedade/historia/cientistas-italianos-descobrem-que-ja-havia-dentista-na-idade-da-pedra-16768142.
Sempre parti da hipótese e do pressuposto de que os Homens fazem o que sempre fizeram, o modo de realizar isso é que muda com o tempo. Não devia causar surpresa o fato de haver tratamento dentário antigamente. Sabemos que havia cirurgias, cabeleireiros, comércio em sentido amplo, prostituição e também devia haver depilação, reuniões, fofocas, e etc.
Há vestígios da utilização de fio dental, aparatos para limpeza dental (galhos, palitos) e a utilização de ervas para combater o mau-hálito há milênios. A coloração dos dentes também era importante, e ao contrário do branco imaculado da nossa época, os dentes negros já foram tendência entre as japonesas e britânicos.
Ocorre que essa notícia trouxe recordações antigas e nebulosas sobre um artigo que li e não fichei (memória traiçoeira e técnica deficiente) sobre alguém (Catarina de Medici?), que limpava os dentes com uma vareta de metal até que a polpa ficou exposta, causando dores terríveis. E também me lembrou dos dentes de Waterloo, e a questão do respeito aos mortos.
Além disso, recentemente tive problemas dentários, e passei longos momentos sentada da cadeira da dentista refletindo sobre o significado da dor e a miserabilidade da condição humana. Portanto, ainda há muito o que pensar sobre dentes (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/07/dente-de-leite.html), e certamente vou escrever outros posts sobre o tema.
Sempre parti da hipótese e do pressuposto de que os Homens fazem o que sempre fizeram, o modo de realizar isso é que muda com o tempo. Não devia causar surpresa o fato de haver tratamento dentário antigamente. Sabemos que havia cirurgias, cabeleireiros, comércio em sentido amplo, prostituição e também devia haver depilação, reuniões, fofocas, e etc.
Há vestígios da utilização de fio dental, aparatos para limpeza dental (galhos, palitos) e a utilização de ervas para combater o mau-hálito há milênios. A coloração dos dentes também era importante, e ao contrário do branco imaculado da nossa época, os dentes negros já foram tendência entre as japonesas e britânicos.
Ocorre que essa notícia trouxe recordações antigas e nebulosas sobre um artigo que li e não fichei (memória traiçoeira e técnica deficiente) sobre alguém (Catarina de Medici?), que limpava os dentes com uma vareta de metal até que a polpa ficou exposta, causando dores terríveis. E também me lembrou dos dentes de Waterloo, e a questão do respeito aos mortos.
Além disso, recentemente tive problemas dentários, e passei longos momentos sentada da cadeira da dentista refletindo sobre o significado da dor e a miserabilidade da condição humana. Portanto, ainda há muito o que pensar sobre dentes (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/07/dente-de-leite.html), e certamente vou escrever outros posts sobre o tema.
sexta-feira, 17 de julho de 2015
Pé de lótus
Existem algumas práticas culturais que não saem da minha cabeça, e já falei de algumas que considero bem interessantes, relativamente à modificação corporal: a cintura de vespa (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/10/cintura-de-vespa.html), tatuagens (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/01/tatuagem-e-memoria.html), que refletem os valores de uma época.
Uma das práticas mais fascinantes para mim é o pé de lótus chinês, que tem esse nome por remeter à forma e ao tamanho da flor jin lian (lótus dourada de 8 cm). A idéia de diminuir os pezinhos das mulheres até um tamanho inimaginável, para tratá-los como jóias envolvidas em preciosos sapatinhos, pode até ser esteticamente interessante. Evidentemente, não se levava em consideração os gravíssimos problemas de saúde decorrentes dessa prática (cf. http://diariodebiologia.com/2014/06/pes-de-lotus-mulheres-chinesas-que-eram-obrigadas-a-ter-o-pe-com-no-maximo-10-centimetros/#.VaeYgflViko), incluindo mutilações, tecido necrosado, infecções e o terrível cheiro.
Para ver outras imagens de pés de lótus: http://www.museudeimagens.com.br/pes-de-lotus/.
Afirma-se que a prática surgiu em 960 a.C, sob a égide do Imperador Li Houzhou (Li Yu), que supostamente se apaixonou por uma concubina que dançava com os pés enfaixados, daí a associação entre pés de lótus e sexo. Outra explicação, com sabor de lenda, afirma que uma imperatriz envergonhada dos seus pés obrigava as damas também a esconder os delas com faixas, e logo a prática se tornou padrão de beleza (Bergstein, R. Do tornozelo para baixo - a história dos sapatos e como eles definem as mulheres).
As sociedades, em todas as culturas e épocas, desenvolvem padrões estéticos muito complexos, entremeados de questões econômicas, sociais, políticas, religiosas, e as mulheres encampam esses ideais e os perseguem com a disciplina de sabujos, com raríssimas e honrosas exceções. Mutilações, depilações, dietas, torturas corporais grandes ou pequenas, as mulheres são guerreiras com um ideal de beleza.
Apesar de todas as dores, da evidente desnecessidade da prática, ela durou quase mil anos, e foi preciso uma revolução cultural e um governo ditatorial, que cortava as bandagens à força, para que deixasse de ser praticada. Será que três gerações será o suficiente para aboli-la definitivamente?
Uma das práticas mais fascinantes para mim é o pé de lótus chinês, que tem esse nome por remeter à forma e ao tamanho da flor jin lian (lótus dourada de 8 cm). A idéia de diminuir os pezinhos das mulheres até um tamanho inimaginável, para tratá-los como jóias envolvidas em preciosos sapatinhos, pode até ser esteticamente interessante. Evidentemente, não se levava em consideração os gravíssimos problemas de saúde decorrentes dessa prática (cf. http://diariodebiologia.com/2014/06/pes-de-lotus-mulheres-chinesas-que-eram-obrigadas-a-ter-o-pe-com-no-maximo-10-centimetros/#.VaeYgflViko), incluindo mutilações, tecido necrosado, infecções e o terrível cheiro.
Para ver outras imagens de pés de lótus: http://www.museudeimagens.com.br/pes-de-lotus/.
Afirma-se que a prática surgiu em 960 a.C, sob a égide do Imperador Li Houzhou (Li Yu), que supostamente se apaixonou por uma concubina que dançava com os pés enfaixados, daí a associação entre pés de lótus e sexo. Outra explicação, com sabor de lenda, afirma que uma imperatriz envergonhada dos seus pés obrigava as damas também a esconder os delas com faixas, e logo a prática se tornou padrão de beleza (Bergstein, R. Do tornozelo para baixo - a história dos sapatos e como eles definem as mulheres).
As sociedades, em todas as culturas e épocas, desenvolvem padrões estéticos muito complexos, entremeados de questões econômicas, sociais, políticas, religiosas, e as mulheres encampam esses ideais e os perseguem com a disciplina de sabujos, com raríssimas e honrosas exceções. Mutilações, depilações, dietas, torturas corporais grandes ou pequenas, as mulheres são guerreiras com um ideal de beleza.
Apesar de todas as dores, da evidente desnecessidade da prática, ela durou quase mil anos, e foi preciso uma revolução cultural e um governo ditatorial, que cortava as bandagens à força, para que deixasse de ser praticada. Será que três gerações será o suficiente para aboli-la definitivamente?
quinta-feira, 16 de julho de 2015
quarta-feira, 15 de julho de 2015
Epitáfios
"Epitáfio", palavra oriunda do grego "epi" (sobre) e táphos (túmulo), é uma frase inscrita nas lápides (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/direito-memoria-dos-mortos-lapides.html) para informar sobre ou prestar homenagens aos falecidos, preservando assim a sua memória.
É claro que outros têm uma visão, digamos, ácida sobre epitáfios, como o meu estimado Bierce em seu Devil's Dictionary: "An inscription on a tomb, showing that virtues acquired by death have a retroactive effect". No Brasil, temos um dito popular interessante, que afirma que "mortos não têm defeito", aparentemente confirmando, quem diria, as maledicências de Bierce.
Algumas pessoas, para controlar o que será inscrito em sua memória, até preferem pensar em seus epitáfios como a última manifestação de pensamento, ou expressão artística, mas normalmente são algo que os outros dizem sobre o falecido.
Os epitáfios são cheios de significado,e alguns são tão herméticos que só o próprio falecido e seus íntimos o entendem. Alguns são dramáticos, outros são engraçados, mas todos são importantes indícios da personalidade dos falecidos ou de como ela era percebida por quem lhes deu a sepultura.
Para conhecer alguns, confira:
a) Epitáfios de escritores famosos: http://www.doseliteraria.com.br/2013/06/in-memoriam-epitafios-literarios.html;
b) Epitáfios "engraçados": http://www.mdzol.com/nota/337054-para-morirse-de-la-risa-los-epitafios-mas-divertidos-de-la-historia/
Para fazer um epitáfio automático: http://urbehouse.com/pr/rip_pr/index.php. Esse ainda tem a vantagem de prever o futuro.
É claro que já pensei no meu epitáfio, mas ainda não estou certa se ele é adequado ao resto da vida que vou levar, espero que por muito tempo, por isso ainda não comuniquei aos meus entes queridos.
É claro que outros têm uma visão, digamos, ácida sobre epitáfios, como o meu estimado Bierce em seu Devil's Dictionary: "An inscription on a tomb, showing that virtues acquired by death have a retroactive effect". No Brasil, temos um dito popular interessante, que afirma que "mortos não têm defeito", aparentemente confirmando, quem diria, as maledicências de Bierce.
Algumas pessoas, para controlar o que será inscrito em sua memória, até preferem pensar em seus epitáfios como a última manifestação de pensamento, ou expressão artística, mas normalmente são algo que os outros dizem sobre o falecido.
Os epitáfios são cheios de significado,e alguns são tão herméticos que só o próprio falecido e seus íntimos o entendem. Alguns são dramáticos, outros são engraçados, mas todos são importantes indícios da personalidade dos falecidos ou de como ela era percebida por quem lhes deu a sepultura.
Para conhecer alguns, confira:
a) Epitáfios de escritores famosos: http://www.doseliteraria.com.br/2013/06/in-memoriam-epitafios-literarios.html;
b) Epitáfios "engraçados": http://www.mdzol.com/nota/337054-para-morirse-de-la-risa-los-epitafios-mas-divertidos-de-la-historia/
Para fazer um epitáfio automático: http://urbehouse.com/pr/rip_pr/index.php. Esse ainda tem a vantagem de prever o futuro.
É claro que já pensei no meu epitáfio, mas ainda não estou certa se ele é adequado ao resto da vida que vou levar, espero que por muito tempo, por isso ainda não comuniquei aos meus entes queridos.
terça-feira, 14 de julho de 2015
segunda-feira, 13 de julho de 2015
domingo, 12 de julho de 2015
Resgatando xingamentos antigos (especial): a Resposta dos Cossacos
Cf: http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/capa/a-resposta-dos-cossacos.phtml#.VaAwgflVikp
A resposta dos cossacos ao sultão Mehmed IV (1675) traz xingamentos incríveis, e que aqui merecem ser lembrados mais de três séculos depois:
a) "Que diabos de cavaleiro é você, que não pode matar um porco-espinho com seu traseiro pelado?"
b) "Sois um serviçal babilônico"
c) "Fazedor de rodas macedônico" (nem sei o que isso significa)
d) "Cervejeiro de Jerusalém"
e) "come-cabras de Alexandria"
f) " testa sem crisma"
Em conclusão: os cossacos zaporogianos xingam, falam da mãe dos outros, e ainda mandam que um sultão beije as bundas deles. Além do desaforo e do desabafo, parece que também se divertiram muitíssimo, considerando a interpretação do quadro "A resposta dos Cossacos"de Ilya Repin.
Há dúvidas quanto à veracidade das cartas, mas do ponto de vista dos xingamentos, ela é uma verdadeira jóia.
A resposta dos cossacos ao sultão Mehmed IV (1675) traz xingamentos incríveis, e que aqui merecem ser lembrados mais de três séculos depois:
a) "Que diabos de cavaleiro é você, que não pode matar um porco-espinho com seu traseiro pelado?"
b) "Sois um serviçal babilônico"
c) "Fazedor de rodas macedônico" (nem sei o que isso significa)
d) "Cervejeiro de Jerusalém"
e) "come-cabras de Alexandria"
f) " testa sem crisma"
Em conclusão: os cossacos zaporogianos xingam, falam da mãe dos outros, e ainda mandam que um sultão beije as bundas deles. Além do desaforo e do desabafo, parece que também se divertiram muitíssimo, considerando a interpretação do quadro "A resposta dos Cossacos"de Ilya Repin.
Há dúvidas quanto à veracidade das cartas, mas do ponto de vista dos xingamentos, ela é uma verdadeira jóia.
sábado, 11 de julho de 2015
sexta-feira, 10 de julho de 2015
Molécula do esquecimento
Identificada a molécula B2M, aparentemente responsável pela perda ou degeneração das capacidades cognitivas e da memória: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/2015/07/novo-estudo-podera-prevenir-perda-de-memoria-em-idade-avancada.shtml.
quinta-feira, 9 de julho de 2015
Homenagem? (2)
Pobre Nefertiti: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/07/150707_egito_nerfetiti_hb.
Olha aí outro exemplo de tentativa desastrada de homenagem: http://www.direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/06/homenagem.html
Olha aí outro exemplo de tentativa desastrada de homenagem: http://www.direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/06/homenagem.html
quarta-feira, 8 de julho de 2015
terça-feira, 7 de julho de 2015
Corrida contra a barbárie
Arqueólogos tentam salvar a informação sobre sítios arqueológicos ameaçados pelo Estado Islâmico: http://www.bbc.com/news/business-33262530.
Esses sítios sobreviveram à ascensão e queda de Impérios, religiões, Estados e governos, para sucumbir à barbárie em 2015.
Esses sítios sobreviveram à ascensão e queda de Impérios, religiões, Estados e governos, para sucumbir à barbárie em 2015.
segunda-feira, 6 de julho de 2015
Heróis e o seu significado para a memória coletiva
Herói (do grego héros) é alguém que transcendeu a condição humana normal, tornando-se quase divino, porque praticou atos de bravura, demonstrou virtudes incomuns como a coragem, a persistência, força, tornando-se um modelo para os outros. O herói é capaz de enfrentar as adversidades que o destino lhe apresenta com altivez e destemor.
É uma espécie de arquétipo que ilustra virtudes públicas, por essa razão os heróis encarnam os ideais nacionais, que são exatamente os motivos de sua comemoração e exaltação, e tornam-se um dos símbolos do Estado ou das comunidades.
O Brasil cria os seus heróis através de lei ordinária, como se pode ler no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/03/os-herois-do-brasil.html. Ou seja, é o Poder Legislativo quem faz heróis, e depois o seu nome é inscrito no Livro dos Heróis da Pátria (livro de Aço, cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/04/o-livro-de-aco-livro-dos-herois-da.html).
É claro que um herói nacional nem sempre será um herói do povo. Aliás, verifico que há um profundo desconhecimento sobre o assunto por parte dos cidadãos, que elegem os seus modelos por critérios diversos do Estado Brasileiro. Antigamente, os jogadores de futebol poderiam ser considerados heróis populares, mas desde a última Copa do Mundo perderam bastante o seu prestígio.
Ser herói é diferente de ser "mártir", porque esse último é submetido a um suplício. O sacrifício do mártir é um supliciamento, e por razões históricas é relacionado com a defesa de crenças e ideais. Já o herói não precisa ser supliciado, e nem mesmo morrer no evento heróico.
Percebo, também, que no panteão dos heróis brasileiros ambas as figuras estão confundidas. Será mesmo que precisamos de heróis? Para Brecht, o povo que precisa de heróis é miserável, bem como aquele que não os têm. Certamente, ele não teve a oportunidade de estudar o "Caso Brasil", onde sim, há heróis, mas eles são irrelevantes, o que parece atender às suas duas condições de não-miserabilidade.
Se não precisamos, por que fabricamos? Essa é a pergunta que não quer calar. E se precisamos, por que não são comemorados?
Não é fácil realizar na prática o arquétipo de herói, especialmente nessa nossa época em que eles são super. Como um homem ou mulher normal transcenderá sem saber voar, congelar, esticar-se, subir pelas paredes? Hoje não basta ser herói, tem que ser super-herói, caso contrário o seu único poder será ficar invisível.
É uma espécie de arquétipo que ilustra virtudes públicas, por essa razão os heróis encarnam os ideais nacionais, que são exatamente os motivos de sua comemoração e exaltação, e tornam-se um dos símbolos do Estado ou das comunidades.
O Brasil cria os seus heróis através de lei ordinária, como se pode ler no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/03/os-herois-do-brasil.html. Ou seja, é o Poder Legislativo quem faz heróis, e depois o seu nome é inscrito no Livro dos Heróis da Pátria (livro de Aço, cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/04/o-livro-de-aco-livro-dos-herois-da.html).
É claro que um herói nacional nem sempre será um herói do povo. Aliás, verifico que há um profundo desconhecimento sobre o assunto por parte dos cidadãos, que elegem os seus modelos por critérios diversos do Estado Brasileiro. Antigamente, os jogadores de futebol poderiam ser considerados heróis populares, mas desde a última Copa do Mundo perderam bastante o seu prestígio.
Ser herói é diferente de ser "mártir", porque esse último é submetido a um suplício. O sacrifício do mártir é um supliciamento, e por razões históricas é relacionado com a defesa de crenças e ideais. Já o herói não precisa ser supliciado, e nem mesmo morrer no evento heróico.
Percebo, também, que no panteão dos heróis brasileiros ambas as figuras estão confundidas. Será mesmo que precisamos de heróis? Para Brecht, o povo que precisa de heróis é miserável, bem como aquele que não os têm. Certamente, ele não teve a oportunidade de estudar o "Caso Brasil", onde sim, há heróis, mas eles são irrelevantes, o que parece atender às suas duas condições de não-miserabilidade.
Se não precisamos, por que fabricamos? Essa é a pergunta que não quer calar. E se precisamos, por que não são comemorados?
Não é fácil realizar na prática o arquétipo de herói, especialmente nessa nossa época em que eles são super. Como um homem ou mulher normal transcenderá sem saber voar, congelar, esticar-se, subir pelas paredes? Hoje não basta ser herói, tem que ser super-herói, caso contrário o seu único poder será ficar invisível.
domingo, 5 de julho de 2015
Diálogo surreal (10): sobre planejamento, ou a falta dele.
Esse diálogo aconteceu com o meu marido, que então era meu namorado há pouco tempo, sobre a decisão de realizar uma viagem de aventura pelo Rio São Francisco, junto com um amigo. A idéia era buscar um barco que o pai do amigo havia dado de presente.
Eu fiquei preocupada, é claro, pois nenhum deles conhecia o rio ou a área, então aconteceu o diálogo surreal:
- Fabiana: Mas vocês decidiram isso assim, de uma hora para outra?
- Marcelo: Foi. O pai dele deu um barco de presente, e a gente resolveu ir buscar. Levar o barco da cidade onde ele mora até Petrolina, e depois trazer para cá.
- Fabiana: Até Petrolina? Mas não é muito longe?
- Não, a gente vai estar de barco, então deve ser mais perto.
- E quanto tempo isso vai levar, Marcelo?
- Mais ou menos quatro dias. A gente está calculando entre quatro e vinte dias.
- Quatro E vinte dias? Que espécie de cronograma é esse?
- É mais ou menos.
- Estão levando comida suficiente?
- Estamos levando comida para dois dias.
- Mas, o mínimo é quatro dias, como isso pode ser?
- É porque lá tem lugar para comprar comida, não precisa levar tanto.
- E os equipamentos?
- São esses aí.
- Mas não tem nada de útil. Vocês não vão acampar? Cadê a barraca?
- A gente vai dormir no barco.
- Corda? Faca? Alguma coisa para cozinhar, fogareiro?
- Não precisa de nada disso, porque a gente é roots.
- Cadê o mapa?
- Não precisa de mapa, a gente vai descendo o rio São Francisco.
- E como vocês vão fazer para atravessar as barragens das hidrelétricas?
- Que barragens?
- No caminho de vocês tem pelo menos duas gigantescas. Outra coisa: vocês sabem dirigir esse tipo de barco?
Foi nesse momento que o amigo dele interrompeu, e pôs fim ao diálogo assim:
-Fabiana, pare de fazer perguntas difíceis. Não tem mistério, a gente só vai buscar um barquinho. Mulher se preocupa com cada detalhe.
____________
Aprenda-se a lição: planejar não tem nada a ver com gênero. Todos precisam de planejamento.
Graças a Deus, voltaram depois de 18 dias, magros e laranjados porque o combustível do barco espirrou neles, e acabaram se queimando ao sol. Detidos pela polícia, quase assaltados na estrada, trouxeram um barco furado que virou troféu, e muitas estórias para contar.
Eu fiquei preocupada, é claro, pois nenhum deles conhecia o rio ou a área, então aconteceu o diálogo surreal:
- Fabiana: Mas vocês decidiram isso assim, de uma hora para outra?
- Marcelo: Foi. O pai dele deu um barco de presente, e a gente resolveu ir buscar. Levar o barco da cidade onde ele mora até Petrolina, e depois trazer para cá.
- Fabiana: Até Petrolina? Mas não é muito longe?
- Não, a gente vai estar de barco, então deve ser mais perto.
- E quanto tempo isso vai levar, Marcelo?
- Mais ou menos quatro dias. A gente está calculando entre quatro e vinte dias.
- Quatro E vinte dias? Que espécie de cronograma é esse?
- É mais ou menos.
- Estão levando comida suficiente?
- Estamos levando comida para dois dias.
- Mas, o mínimo é quatro dias, como isso pode ser?
- É porque lá tem lugar para comprar comida, não precisa levar tanto.
- E os equipamentos?
- São esses aí.
- Mas não tem nada de útil. Vocês não vão acampar? Cadê a barraca?
- A gente vai dormir no barco.
- Corda? Faca? Alguma coisa para cozinhar, fogareiro?
- Não precisa de nada disso, porque a gente é roots.
- Cadê o mapa?
- Não precisa de mapa, a gente vai descendo o rio São Francisco.
- E como vocês vão fazer para atravessar as barragens das hidrelétricas?
- Que barragens?
- No caminho de vocês tem pelo menos duas gigantescas. Outra coisa: vocês sabem dirigir esse tipo de barco?
Foi nesse momento que o amigo dele interrompeu, e pôs fim ao diálogo assim:
-Fabiana, pare de fazer perguntas difíceis. Não tem mistério, a gente só vai buscar um barquinho. Mulher se preocupa com cada detalhe.
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Aprenda-se a lição: planejar não tem nada a ver com gênero. Todos precisam de planejamento.
Graças a Deus, voltaram depois de 18 dias, magros e laranjados porque o combustível do barco espirrou neles, e acabaram se queimando ao sol. Detidos pela polícia, quase assaltados na estrada, trouxeram um barco furado que virou troféu, e muitas estórias para contar.
sábado, 4 de julho de 2015
Conhece-te a ti mesmo, Brasil (10): a fidalguia em destaque
Quando o Brasil se tornou uma República - Res Publica - a Constituição fez mais do que mudar a as formas de Estado (unitário para federal) e Governo (monarquia para a república). Ela mudou a relação entre cidadãos, pois todos são iguais.
Não seria necessário explicitar a igualdade como fundamento em uma República, já que esse conceito está na base da estrutura, ainda mais se o regime for democrático. Mas no Brasil, a igualdade precisa ser afirmada porque ela nunca é pressuposta, razão pela qual uma emenda constitucional de 1926 assim dispõs:
Muito bem, trinta e cinco anos depois de editada a Constituição de 1891, foi necessário dizer com todas as letras que os privilégios, títulos nobiliárquicos, prerrogativas não mais valiam. E hoje, no ano da graça de 2015, ainda lutamos para fazer valer essa idéia.
A questão é que a fidalguia é uma cara instituição brasileira. A palavra "Fidalgo"é formada pela aglutinação de filho + de + algo (ou alguém). Então, uma pessoa é importante porque filha de alguém, denotando uma posição social privilegiada em função do nascimento, o que é incompatível com a idéia de República.
E a relação com o "alguém" nem precisa ser direta: o filho do sobrinho do amigo, que conhece o Alguém, se acha no direito de invocar esse argumento.
No Brasil, as pessoas dão muito valor a esse tipo de status que garante privilégios, e por essa razão a fidalguia vem sendo invocada diariamente, e possui diversas origens, principalmente econômicas. Quer perceber as manifestações da fidalguia brasileira?
a) A frase "você sabe com quem está falando"? Aqui qualquer "título" é invocado para marcar a aura de fidalguia. Pode ser um cargo público, o fato de alguém ser famoso, ou rico (mesmo que o enriquecimento decorra da apropriação indébita do dinheiro da República).
Essa frase é usada para evitar aplicação da lei ou para obter regalias, por exemplo, passar na frente das outras pessoas em filas de aeroporto. No Brasil, alguns são mais iguais do que os outros.
b) A idéia de pertencer a algum tipo de elite. É natural do ser humano formar grupos, criar identidade e laços de solidariedade para fortalecer-se coletivamente. O problema é quando esse grupo se considera melhor, e os membros são os "escolhidos", enquanto todo o resto dos cidadãos da República são marginalizados.
Toda intolerância baseia-se em não reconhecer o outro como igual em direitos e deveres.
c) Numa República, os privilégios e garantias são das funções, e não das pessoas. Autoridades têm um protocolo diferenciado em respeito ao cargo, mas como no Brasil existe uma grande confusão entre o público e o privado (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/08/conhece-te-ti-mesmo-brasil-4a.html e http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/04/confusao-publico-privada-no-brasil.html), as pessoas viciadas em fidalguia querem exercer autoridade mesmo quando não o são, ou não estão no exercício das funções.
d) E, por fim mas não menos importante, a necessidade de ostentar os símbolos da fidalguia. Roupas, carros, acessórios (bolsas, sapatos, canetas, relógios) são semióforos, e quem os utiliza assim quer comunicar uma idéia de superioridade. Por outro lado, se alguém se recusa a utilizar esses objetos ou é tratado como inferior, ou como excêntrico que não valoriza a sua posição social.
E, por qualquer desses motivos, também será discriminado.
De vez em quando assistimos ao espetáculo da fidalguia indevida, inadequada e inoportuna, essa sim uma triste marca identitária do povo brasileiro, a minar o ideal republicano.
Não seria necessário explicitar a igualdade como fundamento em uma República, já que esse conceito está na base da estrutura, ainda mais se o regime for democrático. Mas no Brasil, a igualdade precisa ser afirmada porque ela nunca é pressuposta, razão pela qual uma emenda constitucional de 1926 assim dispõs:
"Substitua-se o art. 72 da Constituição pelo seguinte:
"Art. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:§ 1º Ninguem póde ser obrigado a fazer, ou deixar fazer alguma cousa, senão em virtude de lei.§ 2º Todos são iguaes perante a lei.A Republica não admitte privilegios de nascimento, desconhece fóros de nobreza, e extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerogativas e regalias, bem como os titulos nobiliarchicos e de conselho".
Muito bem, trinta e cinco anos depois de editada a Constituição de 1891, foi necessário dizer com todas as letras que os privilégios, títulos nobiliárquicos, prerrogativas não mais valiam. E hoje, no ano da graça de 2015, ainda lutamos para fazer valer essa idéia.
A questão é que a fidalguia é uma cara instituição brasileira. A palavra "Fidalgo"é formada pela aglutinação de filho + de + algo (ou alguém). Então, uma pessoa é importante porque filha de alguém, denotando uma posição social privilegiada em função do nascimento, o que é incompatível com a idéia de República.
E a relação com o "alguém" nem precisa ser direta: o filho do sobrinho do amigo, que conhece o Alguém, se acha no direito de invocar esse argumento.
No Brasil, as pessoas dão muito valor a esse tipo de status que garante privilégios, e por essa razão a fidalguia vem sendo invocada diariamente, e possui diversas origens, principalmente econômicas. Quer perceber as manifestações da fidalguia brasileira?
a) A frase "você sabe com quem está falando"? Aqui qualquer "título" é invocado para marcar a aura de fidalguia. Pode ser um cargo público, o fato de alguém ser famoso, ou rico (mesmo que o enriquecimento decorra da apropriação indébita do dinheiro da República).
Essa frase é usada para evitar aplicação da lei ou para obter regalias, por exemplo, passar na frente das outras pessoas em filas de aeroporto. No Brasil, alguns são mais iguais do que os outros.
b) A idéia de pertencer a algum tipo de elite. É natural do ser humano formar grupos, criar identidade e laços de solidariedade para fortalecer-se coletivamente. O problema é quando esse grupo se considera melhor, e os membros são os "escolhidos", enquanto todo o resto dos cidadãos da República são marginalizados.
Toda intolerância baseia-se em não reconhecer o outro como igual em direitos e deveres.
c) Numa República, os privilégios e garantias são das funções, e não das pessoas. Autoridades têm um protocolo diferenciado em respeito ao cargo, mas como no Brasil existe uma grande confusão entre o público e o privado (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/08/conhece-te-ti-mesmo-brasil-4a.html e http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/04/confusao-publico-privada-no-brasil.html), as pessoas viciadas em fidalguia querem exercer autoridade mesmo quando não o são, ou não estão no exercício das funções.
d) E, por fim mas não menos importante, a necessidade de ostentar os símbolos da fidalguia. Roupas, carros, acessórios (bolsas, sapatos, canetas, relógios) são semióforos, e quem os utiliza assim quer comunicar uma idéia de superioridade. Por outro lado, se alguém se recusa a utilizar esses objetos ou é tratado como inferior, ou como excêntrico que não valoriza a sua posição social.
E, por qualquer desses motivos, também será discriminado.
De vez em quando assistimos ao espetáculo da fidalguia indevida, inadequada e inoportuna, essa sim uma triste marca identitária do povo brasileiro, a minar o ideal republicano.
sexta-feira, 3 de julho de 2015
Vintage
A palavra vintage é fascinante pela origem e pelo uso. Refere-se à vindima, período de produção ou safra de uvas, e vem sendo utilizada informalmente para indicar uma época, ou período de tempo, ou grupo de objetos produzidos em período de tempo.
Aqui no Brasil essa palavra vem sendo usada na grafia estrangeira, para indicar objetos usados mas, observem, que guardam um certo charme, certa sofisticação que não cede ao tempo. É o charme que faz com que alguns sejam atemporais enquanto outros são anacrônicos, antigos ao invés de velhos.
Na verdade o "vintage" vem de uma época incerta e não sabida, e ninguém (exceto eu) parece se incomodar com isso.
É diferente de retrô, que são peças novas que imitam ou mimetizam o "passado".
Embora não seja particularmente simpática a essas técnicas mercadológicas que conferem auras aos objetos para fazê-los caros (como a apropriação indevida do passado, marcas em si mesmas e brandificação de famosos), sou absolutamente a favor de mantê-los vivos, reciclando, restaurando, reusando, ressignificando e/ou dando novas funções.
Aqui no Brasil essa palavra vem sendo usada na grafia estrangeira, para indicar objetos usados mas, observem, que guardam um certo charme, certa sofisticação que não cede ao tempo. É o charme que faz com que alguns sejam atemporais enquanto outros são anacrônicos, antigos ao invés de velhos.
Na verdade o "vintage" vem de uma época incerta e não sabida, e ninguém (exceto eu) parece se incomodar com isso.
É diferente de retrô, que são peças novas que imitam ou mimetizam o "passado".
Embora não seja particularmente simpática a essas técnicas mercadológicas que conferem auras aos objetos para fazê-los caros (como a apropriação indevida do passado, marcas em si mesmas e brandificação de famosos), sou absolutamente a favor de mantê-los vivos, reciclando, restaurando, reusando, ressignificando e/ou dando novas funções.
quinta-feira, 2 de julho de 2015
Divulgação: Arquivo dos Diários
Olha que entidade sem fins lucrativos interessante: Arquivo dos Diários busca a preservar a memória de pessoas comuns: http://cienciaecultura.pt/index.php/2015/06/30/arquivo-dos-diarios-uma-associacao-dedicada-a-preservacao-de-memorias-autobiograficas/?utm_source=twitterfeed&utm_medium=facebook.
Quanto mais memória melhor.
Quanto mais memória melhor.
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Dente de leite
Ontem estava lembrando de quando troquei os meus dentinhos de leite, e dos métodos usados para arrancá-los.
Na minha família usamos uma prática absurda (agora eu vejo): amarrar o dente na maçaneta da porta, através de uma linha longa de costura. E então, é só fechar a porta com força, que o dente pula fora.
Evidentemente, isso não pode estar certo. Mas percebi que repassamos esse modo de fazer às gerações futuras, e os meus sobrinhos também passaram por isso.
O meu marido fez diferente. Ele esperava o dente ficar bem molinho, e torcia até cair. Isso nunca foi uma opção para mim, porque há uma informação (ou lenda) de que se você esperar muito o dente endurece de novo e aí o outro nasce por cima. Pensando bem, acho que isso é mentira, agora eu vejo.
E aí? Qual era o método para arrancar dentes na sua época?
Na minha família usamos uma prática absurda (agora eu vejo): amarrar o dente na maçaneta da porta, através de uma linha longa de costura. E então, é só fechar a porta com força, que o dente pula fora.
Evidentemente, isso não pode estar certo. Mas percebi que repassamos esse modo de fazer às gerações futuras, e os meus sobrinhos também passaram por isso.
O meu marido fez diferente. Ele esperava o dente ficar bem molinho, e torcia até cair. Isso nunca foi uma opção para mim, porque há uma informação (ou lenda) de que se você esperar muito o dente endurece de novo e aí o outro nasce por cima. Pensando bem, acho que isso é mentira, agora eu vejo.
E aí? Qual era o método para arrancar dentes na sua época?