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A múmia animada:
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Veneza - Fabiana Santos Dantas |
Ela estabele, simplesmente, que o dia 19 de abril é considerado o "Dia do Índio", e revogam-se as disposições em contrário, que no caso só poderia ser o "Dia do Não-Índio", ou quem sabe, um dia de todos (qualquer um), menos dos índios.
Não há qualquer esclarecimento sobre o que se deve fazer nesta data, nem qual o significado dela. E é por isso que o calendário oficial, um lugar privilegiado para a veiculação de valores intergeracionais, acaba sendo preenchido de datas que não fazem sentido algum.
O que se pretendia com tal norma? Que tipo de índio andava na mente de quem criou esta data no Brasil, e com que finalidade.
Lembro de uma passagem no estudo de Levasseur denominado "Brasil", onde o Barão de Rio Branco (PARANHOS; ZABOROWSKY, 2001, p. 50)tecia as seguintes considerações sobre o índio brasileiro:
"Tal é ainda o seu estado de selvageria indomável que os brasileiros civilizados não conhecem e não frequentam senão uma fraca porção deles, chamados "botocudos tratáveis". Esses indivíduos um pouco civilizados estão no entanto sempre num estado de inferioridade intelectual e moral em relação aos brancos e os negros, com os quais compartilham o gênero de vida. Existem também alguns mestiços, e esses se mostram mais inteligentes e mais ativos".
É claro que essa maneira de enxergar os índios se refletiu na legislação, ao serem considerados civilmente incapazes até o código civil de 2002, devido à sua "inadaptação" à cultura hegemônica (DANTAS, 2010).
O desafio é tratar esses cidadãos com respeito, e valorizando o seu modo de viver tradicional que é patrimônio imaterial. Isso não significa que os índios devem viver como há 500 anos, sem água, luz, esgoto, e sem recorrer ao sistema público de saúde e educação, como defendem alguns.
Significa garantir-lhes o meio de manter a sua cultura viva, com as mudanças e a dinâmica necessárias à manutenção dos seus valores e de sua identidade cultural, ou seja, da sua memória coletiva.
Bem, há também um aspecto de memória individual sobre o dia do Índio: para mim, era o dia de pintar uma pena de papel, e colá-la em uma fita para imitar um adorno indígena. Que eu me lembre, na escola não me diziam quem era o índio, nem o que ele achava da vida, da política. Nunca cantei uma música indígena, sequer ouvi seu idioma, que também é brasileiro. Da cultura indígena conheço apenas alguns poucos nomes de lugares (topônimos) e costumo comer alguns quitutes que, dizem, são indígenas.
É claro, afirmam também que o hábito que o brasileiro tem de tomar banhos diários é uma herança indígena.
No fim, meu contato com a cultura indígena nesta data resumia-se a ver fotografias de índios (nunca vi fotografias de índios da minha região), e de tentar caricaturar a sua aparência com penas de papel pintados.
Referências
DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
PARANHOS, José Maria da Silva [Barão de Rio Branco]; ZABOROWSKY, E. Trouessart. Antropologia. In: LEVASSEUR, Émile (org.). OBrasil. Rio de Janeiro: Bom texto:Letras & Expressões, 2001, pp. 43-51.
Essas são as minhas memórias mais antigas.
Meus irmãos contam que eu tinha o hábito de fazer relatórios das travessuras deles para a minha mãe, quando tinha uns dois anos. Escrevia umas minhocas, umas maçãs, e umas bolinhas, e depois era capaz de entregar tudo que eles fizeram.Outra lembrança deles, que parece não ser muito boa, era de um trenzinho musical que eu tinha, e colocava nele uns disquinhos o dia inteiro. Flávia chega a ficar com os olhos cheios de lágrimas raivosas quando lembra desse brinquedo.