Há 36 anos minha família resolveu presenciar a celebração do Domingo de Ramos em Bogotá. Resolvemos ir para onde todos estavam indo: a Basílica de Monserrate. Assim tivemos a oportunidade de participar de uma tradição coletiva, que mais tarde constituiria a paixão que aprendi a chamar de "patrimônio imaterial".
Lugar maravilhoso, em cima da montanha, com uma paisagem que faz todos acreditarem que Deus existe e só ele poderia criar algo tão lindo.
O desejo de chegar mais perto dessa paisagem, e participar dela de uma forma, digamos, mais ativa, nos fez ter a idéia de andar de teleférico.
Tudo lindo e maravilhoso até que, no ponto mais alto e sem retorno, o teleférico quebrou.
E foram horas dos bravos funcionários tentando consertar. Quem conseguiu retornar ou descer porque a geografia permitia, resolveu o seu problema em minutos. Sobraram duas cadeiras com quatro pessoas - exatamente nós, eu e meus irmãos - que se ferraram durante horas.
A comoção foi geral. As pessoas rezaram por nossas vidas (obrigada!), aproveitando que eram todos cristãos devotos ali reunidos naquela data especial. Os meus pais estavam na encosta da montanha, esperando tranquilamente, até que as câmeras de TV apareceram e também os helicópteros e os bombeiros.
Aí a sensação era de que realmente algo extraordinário estava acontecendo. E grave. E eles se desesperaram e rezaram na Igreja que estava ali tão perto.
Nós aguardamos e pudemos ver aquela bela paisagem mudar. Começou com uma leve bruma fria, que depois se transformou na névoa mais fria do mundo, e que chegava aos borbotões e batia na nossa cara. A vontade era só de dormir e proteger as nossas mãos daquele frio que enrijecia até a nossa alma.
É claro que não levamos luvas e casacos para o passeio que deveria durar trinta minutos em um dia lindo e ensolarado.
Enfim, depois de todas as tentativas só sobrou a grande idéia de nos fazer rapelar. Amarramos as cordas lançadas com os dedos duros, que mal conseguiam fazer os nós, e descemos. Fizemos tudo sozinhos, com a orientação precisa e cheia de fé do Corpo de Bombeiros.
Eu tinha doze anos quando fiz o meu primeiro rapel em um Domingo de Ramos, e recebi as orações de pessoas que não me conheciam, e o abraço quentinho dos meus pais que queriam os seus filhos aventureiros de volta.
Foi nesse dia que eu também comi tamales pela primeira primeira vez (https://direitoamemoria.blogspot.com/2022/01/tamales.html), aquela maravilha quentinha e gostosa que aqueceu a minha mão e a minha memória de um dia tão especial.
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