O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









terça-feira, 30 de julho de 2013

Recreio

Hora e lugar. Tempo maravilhoso de intervalo entre as aulas na minha infância, e onde desenvolvíamos as nossas incipientes relações sociais.

O lugar do recreio parecia uma praça de guerra, onde eram travados conhecimentos, surgiam amizades e inimizades, e as desigualdades sociais transpareciam nos comportamentos.  Gosto muito de observar as pessoas recentes manejando os instrumentos de adaptação social, principalmente as normas jurídicas: não há como entender o direito de propriedade sem uma visita ao parquinho.

O meu recreio começava, todo dia, com um picolé de morango com leite.  O meu colégio era muito grande, e o recreio era curto, então não dava para enfrentar a fila da cantina para comprar lanche.  Nós só tínhamos duas alternativas: ou levar a refeição de casa (quanto pão com manteiga e açúcar a pessoa pode comer durante a vida?), ou encontrar meios alternativos, no caso, o picolé de Zé.

Passei anos tomando picolé, até que descobri que não gosto de sorvete.  Sim, não gosto de sorvete e não sou uma pessoa pior por isso.

Eu me acostumei a passar o meu recreio com os meus irmãos.  Apesar da diferença de idade, sempre fomos amigos porque tínhamos os mesmos interesses. E quando eu não queria ouvir os barulhos da felicidade do recreio, ia à biblioteca da escola.  Mas, repito, o intervalo era muito curto e quase não dava para fazer nada.

Refletindo ontem sobre o assunto, cheguei à conclusão de que na verdade o recreio é cruel.  Um exercício de liberdade, mas dentro das entranhas da instituição (Escola) que delimita o tempo e lugar de sua alegria.  Que diz o que temos que aprender e como.  Acho que Hobbes estava pensando nisso quando escreveu o seu Leviathan. Bem...talvez não.

O recreio também era a oportunidade de esperar que o Sapotizeiro, árvore frutífera e generosa, se dignasse  derrubar seus frutos.  Aqueles que não possuíam o dom da paciência tentavam derrubar as frutas a pedradas.  O sapoti é tão marcante na nossa infância que, na semana passada, eu e meu irmão o comemos e imediatamente voltamos aos tempos do colégio.

Agora, respondendo à sua pergunta (de um aluno):  não, os alunos da pós-graduação não têm direito a recreio.

12 comentários:

  1. Minha mãe acredita firmemente que pão com manteiga e açúcar é tudo que uma criança precisa no recreio. Era isso que ela comia, e provavelmente também os meus avós, portanto, é isso que nos vamos comer.

    Se isso não for solidariedade intergeracional, não sei o que mais poderia ser.

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  2. Então quer dizer que a senhora chupou o picolé Zé? Bom saber....

    E o Cilpinho de seu Naldo, esqueceu?
    E vai me dizer que tu nunca dava um jeito também de comer uma coxinha?

    Não me venha com xurumélas de pão com açucar que todo mundo sabe que no patio da escola rola o maior escambo... Confesse que no final tu davas um jeito de comer o sonho de valsa do amiguinho...

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  3. Cilpinho com coxinha é uma das combinações mais maravilhosas do mundo. Seu Naldo! Seu Naldo!

    Eu descolava um pão com bife delicioso de um amiguinho de classe, mas na maior parte do tempo era o picolé de Zé, mesmo.

    E tu, lanchavas o que?

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  4. Na maior parte do meu percurso escolar eu era do tipo de aluno que levava lancheira. Meus pais diziam que não era bom dar dar dinheiro à criança, e que de toda forma nada que se vendia na cantina era tão bom quanto o lanche de casa.

    Eu nunca questionei essa regra, porque no fim das contas na minha escola não se podia comprar coisas no portão, então todo mundo ficava limitado às opções da cantina, o que não era grande coisa.

    Eu tenho apenas algumas lembranças vagas de comida na hora do recreio, jà mais velha e quando eu jà tinha me mudado pra Recife. Uma delas o tal cilpinho, e depois aquelas pipocas de isopor, que antes (incrivel) eu não conhecia.

    Na verdade eu acho que nem ligava muito pra lanche, na maior parte das vezes eu não comia nada, e preferia mendigar pra me deixarem entrar no jogo de vôlei. Isso consumia todo o meu tempo de recreio.

    Ah sim!!! Pequena eu gostava de brincar de "nos 4, eu com ela, eu sem ela...", "oh-don-do-ca..." ou, PIOR: "eu sou rica, rica, rica de Marrais, Marrais, Marrais"... kkkk

    Puuutz! Outro dia estava me lembrando disso e que queria justamente te falar...

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  5. Sem contar que, na sua residência e cultura ancestral, tudo leva aquela quantidade absurda de manteiga, o que já seria motivo suficiente para levar lancheira.

    De "marrais"? Quem podia imaginar que a gente brincava com sotaque francês? Pobre de MARRÉ-DE-SI, provável corruptela de Marie (Marré), e diz-se que o de-si seria derivado do "dans ce jeu d'ici".http://forum.wordreference.com/showthread.php?t=2392824

    Mas há quem diga, também, que é uma referência ao bairro Mairie D'Issy e Marais. Pobre em Marais e rica em Mairie D'Issy.

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  6. Sim, é essa ultima referência que procede, do bairro rico e pobre que existem até hj... eu andei consultando. Mas a brincadeira em si, não encontrei ainda ninguém que ouviu falar. De toda forma, tu jà pensou q coisa horrivel "dar uma de minhas filhas..." desde que você "dê a ela um oficio"?!?!?

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    1. Que estranho...Será que é uma brincadeira inventada aqui, com referência a bairros parisienses? Ou será que é uma brincadeira típica de Paris?

      Aqui, quando "iam pegar meninas no interior", era exatamente essa idéia. Dar uma das filhas desde que se dê um ofício, no caso, de doméstica.

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  7. A proposito, as corporações de oficio existem até hj. A pessoa deve fazer voto de seguir a compania durante dez anos para aprender um oficio. A seleção é super dificil.

    E hj em dia aceitam meninas... O q tu achas?

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  8. Escrevi um comentário que sumiu. Eu dizia que gosto de corporações de ofício e a OAB é uma espécie delas, que também aceita meninas.

    Adoraria fazer parte de uma corporação de ofício centenária, talvez existam algumas até milenares na Europa, não é?

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  9. Lembrei de que lá - na praça de guerra do recreio- tive a primeira experiência em escambo, que consistiu na negociação diária, contínua e semi-profissional de papéis de carta. Eu comecei com apenas um bloquinho de dez papéis, e logo construí um império. Descobri também a importante lição de que produtos importados, no Brasil, valem bem mais: esses dez papéis iniciais valiam muito porque papai trouxe do Japão. E logo aprendi, também, que papéis com envelopes e selos eram os mais desejados. E, vejam só, nenhuma carta foi escrita neles, todos acabaram no lixo, mofados, em função da insensatez e da umidade. Um dia, fui a rainha da catira.

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  10. E este treco me levou devolta aos bancos abaixo do pé de sapoti.
    E este treco me fez ter vontade de comer da coxinha da cantina... era superior.

    Este semi-diálogo assincrono nos comentários também são uma delícia.

    ;-)

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    1. Querido!
      Os recreios da minha infância eram sonhados à base daquela coxinha maravilhosa.
      Depois, quando ficamos mais velhos, passamos a passar os recreios juntos, falando sobre música e aproveitando a companhia uns dos outros. Um abraço!

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