Essa série é um registro para a Fabiana do futuro lembrar dos detalhes da vida durante a pandemia.
No volume 1 refleti sobre como a pandemia me fez conhecer a minha cozinha, de forma literal e metafórica, pela necessidade de aprender a cozinhar, em um processo que durou meses mas ao qual sobrevivi e evoluí de maneiras inesperadas.
No volume 2 concluí que a pandemia me ensinou a lição indelével da adaptação e resiliência, além de trazer clareza para o meu modo peculiar de fazer e sentir, um tipo de iluminação que os eremitas medievais e reclusos em geral buscam e alcançam voluntariamente, o que definitivamente não foi o meu caso.
No volume 3 constatei que o isolamento ajudou a aprofundar e aperfeiçoar algumas características pessoais, trouxe amadurecimento, mas o sentido das festividades foi definitivamente alterado para mim. Estar junto agora possui um significado totalmente diferente, e não depende mais da presença física e nem de ocasiões especiais.
O fato de estar isolada em casa exigiu criatividade e disciplina para manter uma rotina ativa, mas também me permitiu aumentar a minha quilometragem em produtos culturais. A televisão e os serviços de streaming têm uma produção quase impossível de acompanhar: são tantos filmes e séries, documentários, que fatalmente será necessário desenvolver critérios de seleção cada vez mais rigorosos.
Não podemos perder tempo com porcarias.
Antes da pandemia eu até assistia porcarias, às vezes porque são realmente divertidas (especialmente quando se levam a sério), às vezes por puro cansaço. O programa/filme passava e eu olhava com aquele olhar vazio de quem já está dormindo.
Agora não. A vida é muito curta para ser desperdiçada. Ontem mesmo estava assistindo a um filme em que o rapaz queria seduzir a mocinha fazendo charme de intelectual. Para conquistá-la resolveu dar de presente a primeira edição de um livro, o que em geral entre colecionadores é algo valorizado.
O livro era a Ilíada de Homero.
Foi nesse ponto que eu perdi a paciência, gritei com a tv e com o filme, e desliguei tudo. Francamente, a primeira edição da Ilíada?
Acho que o isolamento está servindo como uma espécie de alambique para a minha personalidade, destilando a minhas peculiaridades.
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