No primeiro post, destacamos a necessidade que o brasileiro sente de ganhar, ganhar em tudo: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/11/conhece-te-ti-mesmo-brasil-1.html. Não acredito que seja um traço identitário exclusivo dos brasileiros, mas a sua manifestação certamente é.
No segundo post refletimos sobre essa patológica impontualidade brasileira: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/01/conhece-te-ti-mesmo-brasil-2.html. Os horários no Brasil são meras sugestões e quem cumpre horários pode até ser mal compreendido. Aqui parece ninguém se incomoda de gastar o tempo alheio.
O terceiro post comentamos sobre a suposta "alegria de viver" que os outros apontam nos brasileiros: http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/03/conhece-te-ti-mesmo-brasil-3-questao-da.html. Será que o brasileiro é alegre? Não acredito que isso possa considerar-se um traço identitário.
Nesse domingo ensolarado acordei pensando sobre a dicotomia público x privado, e considerei que esse é um aspecto importante para auto-análise.
Para Roberto DaMatta (1997, p. 48), a “Casa”, representativa do espaço privado por excelência, é bem caracterizado na sociedade brasileira é onde o indivíduo transita com liberdade, construindo suas relações sociais com sua ética própria. Para o autor, o discurso privado é típico das camadas populares, enquanto que o âmbito público é dominado pelos donos do poder, onde são estabelecidas a Lei, a ordem e a política.
A dicotomia entre o âmbito social público e privado, com prevalência do segundo, parece influenciar a concepção de sociedade e cidadania no Brasil. Como o “privado” é mais bem caracterizado para o povo, a sua visão de sociedade e Estado será, evidentemente, privatística: para o indivíduo o Estado e o governo são os outros, e não o “nós”. Em conseqüência os bens públicos, que pertencem ao Estado, são dele e não “nossos”, daí os incompreensíveis atos de vandalismo em equipamentos públicos.
É claro que muitos fatores podem contribuir para esse distanciamento que existe entre indivíduo/sociedade e o Estado, dos quais se destacam a postura autoritária e a centralização do exercício do poder político no Brasil, que são excludentes da sociedade, a ausência de canais de interlocução e até mesmo a ausência do Estado no cotidiano de determinadas camadas da população, que sequer são contempladas com os serviços públicos básicos.
Essa falsa dicotomia, e a distância entre daqueles que exercem o poder político, parece explicar porque durante tanto tempo os cidadãos não exerceram publicamente os seus direitos, e nem reivindicavam adequadamente a sua efetividade. O brasileiro não percebe muito bem o tipo de relação que deve travar com os governos, e isso gera o medo de lidar com autoridades, herança pesada das ditaduras que sofremos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html).
Com as recentes manifestações pela efetividade de direitos fundamentais (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/manifestacao-pela-efetividade-dos.html), acredito que essa dicotomia poderá ser estabelecida em novas bases, e torço para que o espaço público (em construção) contemple formas mais democráticas de ouvir e atender ao pleito dos cidadãos, sem que seja necessário o desabafo que vimos os últimos tempos.
Referências
DAMATTA, Roberto. A Casa e a Rua. Rio
de Janeiro: Rocco, 1997.
DANTAS, Fabiana. O direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
Depois das manifestações ouvi diversas vezes que "o Prefeito é meu empregado", o "deputado é meu empregado". Ou seja, estamos reforçando a idéia privatística.
ResponderExcluirSem contar que, diante da pesada cultura escravista que recebemos de herança, isso significaria que essas pessoas deveriam receber salário mínimo, ser assediadas moralmente e viver em quartinhos sem janela.
Interessante. Fuça ai que tem mais coisa.
ResponderExcluirFez-me lembrar da historia do muro de Berlin. Antes o povo depredava como forma de manifestar o descontentamento pela existência do muro. Hoje, muita gente tenta comprar um pedaço dele, criando um verdadeiro mercado de obra de arte.
Mais uma corroboração em novembro de 2016. Mas dessa vez, um ministro (Calero) acusou o outro (Vieira) de tentar prevalecer o interesse privado sobre o público. E isso, surpreendentemente, causou indignação.
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