O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









terça-feira, 22 de agosto de 2017

Sabor da infância - Oblea

A oblea é um doce que eu comia na infância, nos bons tempos em que morei na Colombia.  Ela se compõe de duas coisas gostosas que parecem um biscoito fininho, recheadas com doce de leite.

Nunca consegui reproduzi-las, mas encontrei uma alternativa genérica, cujo sabor é similar e me permite, por breves instantes, matar o desejo e as saudades:

Oblea genérica
Cavaco com doce de leite - essa é a minha oblea genérica.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Caminho de Santiago (2017) - impressões

O Caminho de Santiago é um patrimônio material da Humanidade, assim declarado pela UNESCO em 1993, que destaca a existência no percurso de mais de 1800 edifícios religiosos e civis de grande interesse histórico, e o seu papel de testemunha do poder e da persistência da fé cristã, e dos bens culturais que produziu. (UNESCO, 2009, p. 397).

Não bastasse os bens materiais que o pontuam, o Camino também abriga importantes manifestações culturais imateriais, como os dialetos, a gastronomia e as lendas que contribuem para tornar a peregrinação uma vívida experiência cultural.

Para quem como eu se dedica ao direito à memória e à preservação de bens culturais, percorrer o Camino era um sonho antigo, realizado neste ano da Graça de 2017 (de 08 de julho a 09 de agosto). Foram 800 quilômetros oficiais de caminhada, acrescidos de outros tantos necessários para chegar aos bens culturais mais distantes (como sítios arqueológicos e outros monumentos), que definitivamente tornaram-se um patrimônio meu, da minha humanidade enriquecida.

As minhas impressões - o Camino de Fabiana - são frutos da minha observação direta e não têm o caráter de "dicas", embora possam eventualmente servir assim para os leitores interessados. Então, vamos a elas:

a) O Camino é um desafio físico interessante.  Não é impossível e não é exatamente difícil.  Difícil mesmo é manter a disciplina e o senso de objetividade pois muitas são as tentações - desde a preguiça até o desejo de visitar monumentos distantes.

O cronograma sugerido pelos Amis du Chemin de Saint-Jacques, em 34 etapas, é plausível e foi muito útil para mim: http://www.die-schule-des-lebens.de/fileadmin/ProfDrChristianZielke/user_upload/Download1_Etappenplan34.pdf

É possível realizá-lo em etapas ao longo da vida, então as dificuldades físicas, de tempo e recursos podem ser equalizadas.

b) A principal lição é conhecer o seu ritmo, e saber que o seu caminho é diferente do caminho dos outros.

c) E que não se trata de uma competição.  Você será ultrapassado por fumantes, idosos, crianças.  Eu fui ultrapassada por um idoso fumante que carregava uma criança nos ombros.

No princípio doeu um pouco, ainda tinha aquela ilusão de orgulho pelo preparo físico, que se desvaneceu rapidamente.

Há atletas fazendo o caminho que farão o percurso das etapas em um décimo do seu tempo. Mas isso é o caminho deles, não o seu.  Não dá para se comparar com nada nem com ninguém.

d) A verdade é que se ficar parado, você não faz o Camino.  Seguir em frente, no seu ritmo, com dor ou sem, com alegria ou sem, com chuva e sem chuva, porque esses são só momentos e andar é preciso.

e) É frequente considerar o Camino como uma metáfora da vida, pelas razões que citei anteriormente. Quase tudo pode ser metáfora para quase tudo, basta que se esteja aberto a considerá-lo assim.

Para alguns peregrinos o Camino - e a vida - são uma festa.  Gente jovem e desnoitada que caminhava para curar ressaca.  Ou famílias que caminhavam em busca de união ou da Graça. Ou pessoas que o percorrem para emagrecer.

Nunca pensei em ser iluminada ou mudar de vida fazendo o Camino, mas certamente saí enriquecida, e mais magra, embora isso possa ser considerado um verdadeiro milagre, pois não resisti a nenhuma das tentações gastronômicas. Pequei em todas elas.

f) O Camino é bem diferente do que eu pensava, e muito melhor.  É tão antigo - o seu traçado já mudou e vem mudando - que passa por lugares inusitados.  É esteticamente bonito e poético em alguns lugares, parece haver sido criado artificialmente, mas às vezes é aleatório e passa em estacionamentos de supermercados, no quintal das pessoas, por plantações.

g) Esse camino inserido no cotidiano das pessoas é muito interessante também. Elas fazem ginástica e aprendem a andar no Camino, e o utilizam para ir e vir nas situações mais banais do dia a dia, como comprar pão.

h) Mas no geral parece uma dimensão paralela, onde todos só pensam e falam no Camino. Há um mundo à parte para peregrinos: alimentação, locais, vestimentas, vocabulários, sensações, que criam uma identidade entre desconhecidos de diferentes procedências.

i) A língua mais falada é o Inglês, mas você vai conseguir se comunicar com qualquer outro peregrino, de qualquer nacionalidade. As pessoas querem se comunicar e se esforçam para entendê-lo e conversar de qualquer jeito.

j) Entendi perfeitamente a importância das Igrejas, com suas áreas de descanso e fontes.  Aliás, se tem uma lição que aprendi no Camino é ser grata pelas fontes e pelas praças com suas árvores que dão sombra.  Hoje, posso dizer que o meu hobby favorito é sentar à sombra e tomar água.

Avistar uma Igreja ao longe e saber que aquele era o meu objetivo, e que lá encontraria abrigo e descanso, provavelmente foram sensações que permitiram a minha identificação com todos os peregrinos antes e depois de mim.

l) Percorrer o Camino é caro.  Pode ser mais ou menos caro dependendo da forma como escolher trilhá-lo.Ficar em albergues pode ser uma alternativa mais barata, mas eu tive a limitação de não conseguir dormir bem naquela situação - muita gente,  muito barulho - então preferi ficar em quartos com banheiro privado.

Em média uma cama em albergue custa de 7 a 10 euros, mas muitos não têm lençóis incluídos (que custam 3 euros).  Vou me permitir dar uma dica, porque acho realmente útil: levar um saco de dormir fininho, leve, para substituir os lençóis pode ajudar a economizar bastante.

Vale a pena dividir quartos com banheiro privado com amigos, pois às vezes sai pelo preço similar ao aluguel de cama com lençóis.

Quando deixei ao sabor do destino escolher o lugar de repouso, não me dei bem.  Então aprendi a reservar com antecedência através de sítios especializados (como Booking, Trivago, Tripadvisor) ou diretamente no sítio do albergue.

Vou fazer um post com as indicações de albergues e hotéis em que pousei, pois talvez ajude alguém.

m) Coma e beba com moderação.  Nesse tema, não tenho moral para dar conselhos.

Mas se me permitem, evite comer Botillo se tiver que andar muito.

n) Andar é muito bom, mas andar muito causa dores.  É sempre bom consultar um médico sobre quais medicamentos podem ser usados, e comprá-los para levar (com a devida receita).  Tive que tomar suplementos de potássio e magnésio para tentar diminuir as dores musculares, mas o que quase me tirou do jogo foram as bolhas.

Usar sapatos e meias adequados, e fazer paradas regulares, pode ajudar muito.  Depois de um tempo, suas bolhas viram calos e param de doer, mas até lá haverá choro e ranger de dentes.

o)  Sabedoria ao fazer a sua mochila.  Coloque tudo que você acha necessário, e depois tire metade.  Acredite, você vai agradecer carregar menos coisas. E, sim, você vai se acostumar a carregar a sua mochila, mas isso também causará dores.

Não é necessário levar muitas roupas (duas mudas completas bastam), pois há possibilidade de lavá-las, se você faz o estilo de peregrino arrumadinho e cheiroso. Se não, basta uma roupa mesmo.

Vou fazer um post com as coisas que realmente  se revelaram úteis.

p) Muito rápido descobri que o meu objetivo não era terminar o Camino, mas percorrê-lo até onde fosse possível, até onde Deus permitisse.  Santiago de Compostela foi só mais uma etapa, uma bela etapa, mas o Camino não termina.

Talvez a vida seja assim mesmo.

Enfim, faria tudo de novo. E talvez faça outra vez, porque o Camino será sempre diferente e interessante.