O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









terça-feira, 30 de junho de 2015

Memória coletiva e autoritarismo (4): a visão deturpada de ordem

Através da série "memória coletiva e autoritarismo" procuro identificar e refletir sobre alguns aspectos danosos da reminiscência ditatorial que permeia a nossa memória coletiva.  Já analisamos os seguintes:
cultura de desrespeito aos direitos fundamentais (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/05/memoria-coletiva-e-autoritarismo.html), medo generalizado, inclusive de exercer direitos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html), desconfiança com a estrutura estatal e conforto com práticas violentas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/06/memoria-coletiva-e-autoritarismo-2.html).

Hoje gostaria de refletir sobre um efeito gravíssimo dessa mentalidade ditatorial, que afeta um valor fundante da sociedade brasileira.  Tão importante que aparece até na bandeira nacional: ordem.  O progresso vem depois no lema.

A turbulência institucional do governo brasileiro é a nossa prática e a nossa herança. As sucessivas desestabilizações levaram o Brasil a experimentar todas as formas clássicas de formas, sistemas de governo e regimes políticos. E todas essas transições foram rupturas permeadas por períodos ditatoriais.

O que aprendemos com um governo ditatorial?  Que decisões não podem ser questionadas e nem investigadas.  A falta de transparência leva, fatalmente, à criação de leis que privilegiam as elites ou simplesmente a lei é ignorada às escondidas, criando uma  ordem pública paralela que guarda pouca ou nenhuma pertinência com os interesses do Estado.

Esse "controle dos subversivos", a que se resume gestão de pessoas em uma ditadura, é feita através de um controle social baseado na  repressão e no terror, o que acaba gerando uma visão distorcida de ordem pública, na qual a manifestação por direitos é considerada subversão ou baderna.  


Essa percepção acaba por dificultar as iniciativas legítimas de reivindicações sociais e atrasa o desenvolvimento dos órgãos e instituições estatais no desempenho e eficácia das políticas públicas, que existem exatamente para gerir as necessidades coletivas.


 Nessa visão distorcida, a idéia de “disciplina” e “ordem” baseia-se na necessidade de violência e de uma estrutura estritamente hierarquizada, que não contempla a contestação da autoridade.  Cf. o exemplo:

https://br.noticias.yahoo.com/pm-assume-escola-tomada-por-viol%C3%AAncia-e-a-transforma-em-modelo-034449220.html. 

 Educada nesse sistema, a população  percebe a falta da estrutura hierarquizada como ausência de ordem, e equipara o uso da coerção estatal, mesmo que legal, necessária e legítima, à violência.


Esse tipo de ordem tolhe liberdades individuais de pensamento e de expressão,e  cria conformismo.  Por outro lado, os inconformados não vislumbram meios adequados para expressar a opinião dissonante, e por vezes apenas calam-se, ou tornam-se revoltados, usando de atitudes que, se não invalidam os argumentos, prejudicam fortemente a sua compreensão.


Perceber a ordem como forma de gestão democrática é um dos maiores desafios da Justiça de Transição.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

Memória coletiva e símbolos (1): o caso da bandeira confederada

Em 17 de junho de 2015, na cidade norteamericana de Charleston, no Estado da Carolina do Sul, o atirador Dylan Roof invadiu uma igreja e matou nove pessoas (para conhecer as vítimas: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/vitimas-de-atentado-igreja-de-charleston-tinham-entre-26-e-87-anos.html).  A motivação é política (racismo) e o alvo eram pessoas negras.

O racismo é um tema que não sai da pauta dos norte-americanos, porque cotidianamente são produzidos fatos e versões que mostram a sua atualidade: hoje uma pessoa é morta porque negra, anteontem é preso por ser hispânico, juntamente com uma atuação seletiva da polícia e a ausência de políticas transformativas, embora sobrem ações afirmativas.

Nessa semana a questão ganhou um novo capítulo, que foi a ressignificação da bandeira confederada, agora transformada em símbolo racista.  É certo que a bandeira identificava e representava os Estados da Confederação que discordavam da abolição da escravidão, e também da adoção da forma de Estado Federativo, que acabaram prevalecendo com a vitória da União "Norte".

Mas também é fato que a bandeira confederada assumiu outros valores e significados desde a Guerra da Secessão.  Ela havia deixado de ser um símbolo da defesa da escravidão e era utilizada para marcar a identidade sulista, assim como no Brasil,  na cidade de Santa Bárbara do Oeste, é utilizada para celebrar a ascendência norte-americana, com aparente abstração dos aspectos políticos (cf. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150622_bandeira_confederada_sp_mdb).

Em torno da bandeira,  assistimos a uma verdadeira batalha pela marca, uma batalha de significado.  Após o atentado de Charleston, em que serviu de pano de fundo, tornou-se um símbolo do ódio racial, tal como ocorreu com a suástica nazista, e por isso vem merecendo o tratamento expurgatório idêntico.

Expurgar símbolos é uma medida relativamente eficiente no curto e médio prazos, e tem um caráter igualmente simbólico de enfrentamento.  Porém, se não for acompanhada de uma política pública de combate às condições sócio, econômico e históricas que perpetuam  a ideologia simbolizada, nada vai mudar.

A Alemanha lidou com o passado nazista, através de uma política pública da memória. O Brasil nunca lidou com a sua memória autoritária, da escravidão, da violência estatal, social e generalizada, salvo recentes e pontuais iniciativas, o que resulta na manutenção das estruturas que geram tais problemas.

Vamos observar como os norteamericanos vão enfrentar esse conflito simbólico.  Será que a Guerra da Secessão deixou traumas coletivos latentes até hoje? Os derrotados ainda se ressentem?  Esse ressentimento foi repassado através das gerações? Ou será que o racismo do atirador independe de símbolos?

domingo, 28 de junho de 2015

Nanoform disk e a preservação da memória

Nesses tempos do virtual, os suportes da memória coletiva tornam-se cada vez mais frágeis, por isso acredito que a nossa Era da Informação (em excesso) é também a Era do Esquecimento.

Para ajudar a solucionar essa questão novas tecnologias surgem todos os dias, e essa chamou a minha atenção: nanoform disk.  Cf. http://www.technology.org/2015/06/22/nanoform-disk-with-your-memories-that-will-last-millenniums/

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Caixinha de jóias

Há muitos anos, comprei essa singela caixinha de jóias:


Caixa de jóias de Fabiana - Foto: Marcelo Müller

Na verdade, comprei porque achei interessante a representação da batalha entre cavaleiros arqueiros.  Tentei durante alguns anos descobrir se era a representação de alguma batalha específica, mas não consegui informação nenhuma.  Seriam mongóis?

O fato é que essa caixinha é bizarra, toda decorada com braços decepados (!?).  O fato de ser bizarro, neste caso, é o que a torna interessante.

sábado, 20 de junho de 2015

Cabeza de Vaca

Bordejando as cataratas do Iguaçu, deparei-me com essa placa comemorativa:




Cabeza de Vaca, que personagem interessante.  Sua biografia atribulada o tornaria um forte candidato de realities shows.

Navegador, explorador, curandeiro, nobre desafortunado e com muita sorte, se pudesse defini-lo em uma palavra seria "sobrevivente".

Fiquei ali olhando as majestosas cataratas e me perguntando o que teria sentido um esfarrapado espanhol, tão longe de casa, ao mirá-las? 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Lembrar Paulo Leminski

Já ouviu falar em amor à primeira leitura?  Foi isso que aconteceu entre Leminski e eu.  A primeira vez que li um poema dele foi de forma inusitada, estava pichado em uma parede e eu fiquei ali parada e emocionada.

Em outras cidades e outros tempos também vi outros poemas publicados em paredes alheias, ruas.   Há alguéns que querem publicar Leminiski em todo lugar, talvez para que leitores como eu se encontrem com a poesia nas esquinas.

Embora prefira ler os poemas dele assim, deixar o acaso mostrá-los de forma inesperada, acabei me tornando possessiva e exigi um livro de presente, toda poesia.  E essa é a minha rotina diária: um Leminiski ao acordar e outro antes de dormir, como se fosse um remédio para a alma.

Às vezes fico pensando como era o seu cotidiano. Imagino que não via o mundo do mesmo jeito que eu, porque tudo era pretexto para versejar.  Imagino as noites insones do poeta, naquela batalha entre os versos bons e maus que virou a sua vida.

E que vida...O poeta era um caldeirão efervescente de referências, uma identidade complexa de alma imigrante polonesa diluída em ser brasileiro, e tudo isso na forma de um vaso japonês.  A relação dele com a cultura japonesa é muito interessante, lutava judô e estudava o idioma, mas por que era Leminiski, acabou sendo chamado de "samurai malandro".

Depois descobri que já havia ouvido as suas letras em músicas famosas, que eu também adoro.

Além de me mostrar um jeito especial de ver a realidade, por causa de Leminiski comecei a cometer meus próprios versos que, embora não sejam lá grande coisa, são meus e são uma expressão da criatividade que eu consigo. E basta.

 

domingo, 14 de junho de 2015

Direito à memória: provérbios (5)

Na série "Provérbios", os posts sempre analisam dois provérbios/ditos populares para  verificar se veiculam verdadeiramente a sabedoria intergeracional, ou se são apenas de idiotices reproduzidas e transmitidas automaticamente, como forma de refletir e embasar a nossa atuação na campanha permanente  contra a transmissão, promoção e difusão de ditos populares idiotas  http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/09/campanha-contra-transmissao-difusao-e.html.

Existe um dito popular que eu simplesmente não admito: "procurar pelo em ovo, quando se diz que alguém está se preocupando com minúcias, bizantinices e detalhes desimportantes, e com isso criando obstáculos indevidos ao curso normal de uma atividade.  Quem "procura pelo em ovo" atrapalha alguma coisa e, pior, ainda corre o risco de encontrar.  Por uma questão de bom gosto, não dá para especificar o duplo sentido e idéias desagradáveis desse dito deselegante.  Melhor substituir por "chifre em cabeça de cavalo", que também não é lá essas coisas, mas pelo menos não trará maiores consequências, salvo se for na Coréia (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/12/arqueologia-coreia-do-norte-anuncia.html).

Por outro lado, a idéia de aparentar uma coisa para conseguir alguma vantagem tem traduções interessantes nos seguintes ditos:  "se fazer de porco vesgo para comer em dois cochos", " se fazer morto para pegar o coveiro" e "se fazer de leitão novo para mamar deitado".  Sempre que escuto esses ditos dou risadas porque as idéias são engraçadas. 

Nesse mesmo sentido, mais especificamente aparentando ser bobo para conseguir uma vantagem, existe a expressão "dar uma de João sem braço", que evidentemente deveria ser totalmente abolida porque faz uma menção particularmente desagradável à deficiência ou aos portadores de necessidades especiais.



sexta-feira, 12 de junho de 2015

Homenagem?

Quando a lembrança celebrativa - uma das formas de preservar a memória dos mortos - é um tiro que sai pela culatra:

sábado, 6 de junho de 2015

Resgatando xingamentos antigos (22): Pascácio

Pascácio é um indivíduo abobado, pa-te-ta, simplório e boboca. Não acredito, realmente, que ser pascácio é um defeito, ou poderia de qualquer maneira diminuir o bom nome de alguém.

Ser corrupto, sevandija, e ratoneiro são defeitos, ser pascácio não.  Às vezes é apenas uma questão de tempo pessoal, percepção ou da dimensão diferente onde vive o sujeito, para os quais repetições, compreensão e espera usualmente resolvem.

Embora não goste da idéia, gosto do som do xingamento, então sugiro usar assim:  "Fulano era um grande pascácio, ganhava o prêmio de campeão entre todos os toleirões e patetas que compunham aquela choldraboldra dos infernos".

terça-feira, 2 de junho de 2015

Viralizou e daí?

Eu vivi a década de 80, e já aderi a mais modas do que qualquer um deveria.  Um vida só é pouco para tanto arrependimento: cortes de cabelo inaceitáveis, gel fixador rosa e brilhante, cores e grafismos que desafiavam o bom senso.

Em tempos de ultracomunicação, a mimesis parece que tem alcançado níveis estratosféricos.  Em busca de algo que nos conecte, as pessoas estão criando pequenos rituais, efêmeros e por vezes sem sentido, com a esperança que se reproduzam através da imitação pelo mundo virtual e real.

E muitas pessoas embarcam nessas ordens virtuais, nessa ditadura do "faça você também", de maneira inconsciente, como se fizessem parte de um grande esforço de integração ou para provar sei lá o que.  Essa brincadeira de "siga o líder" para mim sempre foi inaceitável, especialmente porque as pessoas seguem o líder quando ele está fazendo coisas idiotas, ou apesar disso.

Se  é moda, vou para o outro lado.   Se é homogeneização, sou diferente.  Se todo mundo está fazendo, recuso. Olhar para os lados, para trás e para frente é a liberdade de não usar antolhos e de resistir.

E isso vale também para a forma ditatorial como a moda impõe suas ordens.  A cor e o estilo do momento determinam a aceitabilidade dos modos de ser, fazer, viver e expressar (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/11/resgatando-xingamentos-antigos-8-secio.html).

Enfim, esse post é para lembrar desses efêmeros modismos aos quais orgulhosamente não aderi e não vou:

- Charlie Charlie
- Harlem Shake
- Dublagem ruim
- Outros que lembrarei nos comentários.  Observe-se que só lembrei de vídeos, mas há também ditos e fotos.

Qual é a graça de fazer o que todo mundo está fazendo, ainda mais sendo irrelevante? E se é irrelevante, dificilmente será memorável.  Quantos desses passatempos já viralizaram e não deixaram nenhum significado ou marca indelével?

A questão do meme, da estratégia comunicativa e sua transmissão, é muito interessante para ser estudada, especialmente o quanto disso consegue ser efetivamente transmitido e memorizado individual e coletivamente.