Assim falou Ben Carson:
"There were other immigrants who came here in the bottom of slave ships,” he said. “They too had a dream that one day their sons, daughters, grandsons, granddaughters, great grandsons, great granddaughters might pursue prosperity and happiness in this land.”
Cf. http://www.nbcnews.com/news/us-news/first-hud-remarks-ben-carson-talks-fairness-calls-slaves-immigrants-n729816
Evidentemente, essa fala estranha e infeliz foi mal entendida, e consequentemente virou polêmica.
Sinceramente, não acredito que a intenção dele foi negar a escravidão dos negros, mas foi isso que ele fez parecer, pois não se pode comparar sequestro, deportação e trabalhos forçados com "imigração em busca de uma vida melhor", dado ao caráter voluntário desta última.
Consigo perceber que ao assemelhar os escravos estrangeiros que chegaram aos Estados Unidos com os demais imigrantes, sendo otimista como é do meu costume, apenas quis demonstrar que esses últimos também contribuirão para a grandeza da nação como fizeram os primeiros.
Porém, assemelhar escravos com imigrantes trata-se de uma eufemização do passado, que pode implicar no esquecimento do gravísimo fato da escravidão, cujas consequências são sentidas até hoje, sob a forma de discriminação negativa e preconceito.
Garantir o equacionamento entre a versão consagrada e os novos fatos e interpretações é um desafio. O passado é muito dinâmico, e não há como defender a imutabilidade de uma versão ou interpretação dos fatos.
Em algumas sociedades há versões que se tornaram imutáveis, inclusive a ponto de virar crime qualquer tentativa de negação, como acontece com o Holocausto. Quando a norma jurídica criminaliza um fato, significa que dentro do ordenamento jurídico aquela conduta foi identificada como relevante e merecedora da coerção mais potente do sistema jurídico.
A coisa boa do revisionismo é a possibilidade de olhar criticamente verdades estabelecidas há muito, muito tempo, o que é compatível com o espírito científico. A coisa ruim do revisionismo é que às vezes isso ocorre de maneira assistemática, pouco rigorosa, sem provas e com o problema da superintepretação destacada por Umberto Eco.
Existe uma ânsia de superação das pessoas e grupos que não querem ser estigmatizadas pelo passado, e por isso o negam. Algumas vão além e consideram como "vitimização" toda tentativa de compensação desse passado, como ocorre com as políticas afirmativas (cotas, por exemplo), porque isso impediria a verdadeira superação.
O argumento procede - as ações afirmativas são temporárias - a questão é perceber quando elas não são mais necessárias porque as desigualdades de origem já foram superadas pela igualdade de oportunidades . Se não é possível reconhecer as pessoas como iguais, com paridade de armas, então qualquer tentativa de negar compensações é precoce e visa a manter a condição de submissão de determinados grupos em favor de outros.
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/04/15/ensaista-frances-e-condenado-a-prisao-por-negar-a-existencia-do-holocausto.ghtml
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