Não tenho o hábito de participar ou contribuir com tretas, mas a questão da Guiana Brasileira chamou a minha atenção nessa semana.
A questão decolonial ou colonial reversa envolvida (ou quase) soma-se a um histórico de brincadeiras sobre a relação Brasil/Portugal que não nos passou despercebido.
A preservação do patrimônio imaterial português é fonte de permanente preocupação, principalmente as questões da Língua Portuguesa, do sotaque e das formas de expressão. Essa treta iniciou porque, em um cumprimento pela contratação de uma jogadora portuguesa, foram usadas expressões "brasileiras", o que foi motivo de reação.
A reação deve ser compreendida no contexto da preocupação com a preservação e reafirmação da identidade cultural portuguesa, fortemente enraizada na língua e nas formas de expressão.
Já a reação brasileira, em tom jocoso obviamente, transforma Portugal em uma colônia brasileira digital, renomeando topônimos (que também são um patrimônio cultural português), a ponto de mudar o nome da Nação para Pernambuco em Pé (devido à extensão e formato do território), Faixa de Gajos ou Porto de Gajinhas.
Brincadeiras à parte não há dúvidas de que o Brasil exerce uma forte influência cultural, não só em Portugal mas nos demais países lusófonos, e que há uma certa ansiedade quanto a deixar de ser quem é.
Essa ansiedade pode ser gerenciada quando são identificados aqueles elementos culturais essenciais à identidade, que não se referem apenas ao que se convenciona apontar como patrimônio cultural, mas que estão difusamente enraizados nos elementos formadores do Estado, como o povo, o território, o governo (forma de Estado e de Governo, sistema, regime político), e na forma como esses elementos são promovidos ou obliterados.
Fiz uma discussão quanto às formas de preservação desses elementos culturais do Estado (ou da nação) no livro Nação Enraizada - Estado, identidade e preservação, que publiquei em 2024.
Não vou fazer discussão teórica sobre memes, mas posso considerar o que nessas brincadeiras gerou reação e incômodo para entender quais são os elementos culturais mais caros aos portugueses. Eu ri muito, mas se não for engraçado, desde já peço desculpas.
Agora, por causa da brincadeira, a Guiana Brasileira já possui municípios, hino, bandeira (ainda em elaboração), e outros elementos que podem contribuir para que se torne um lugar lendário, como aqueles apontados por Umberto Eco.
O novo Estado ultramarino brasileiro é sem dúvida muito interessante.