Passando pela provincia de Misiones, na Argentina, percebi que ao longo da estrada havia muitos pequenos marcos memoriais. Aqui no Brasil também existem, geralmente cruzes ou pequenas capelas que assinalam o local onde pessoas faleceram vitimadas por acidentes de trânsito. Muitas vezes esse marcos estão decorados com flores e velas, em memória dos mortos.
Como havia muitos marcos ao longo da estrada, pensei imediatamente que deveria ser muito perigosa. Tal pensamento me incomodou e causou estranheza porque as estradas de lá são bem conservadas, e os locais onde estavam os marcos não pareciam arriscados, e isso me levou a perguntar ao nosso motorista:
- Essa estrada é muito perigosa?
- Não, é tranquila.
- Então porque há tantos marcos e capelinhas ao longo dela?
- É por causa da defunta.
- Que defunta?
- La difunta Correa. A população aqui constrói essas capelinhas para ela, e também coloca muitas garrafas de água, porque ela morreu de sede.
- Que estória é essa? Morreu de sede como (?), se estamos perto do Paranazão, esse rio imenso e lindo. Então ela é uma espécie de santa popular?
- É sim, muito milagrosa.
- Certo ... (essa sou eu já pensando na Difunta e sua estória)...Mas olha lá, aquela ali não tem garrafas de água.
- É porque aquela capelinha não é para a Difunta, é para o Gauchito Gil. Também é um santo, que roubava dos ricos para dar aos pobres. É como Lampião.
- Não, não. Lampião não virou santo. No máximo, é considerado herói por alguns. Mas vamos voltar ao caso da Difunta.
E passamos o resto da viagem conversando sobre a Difunta Correa e outros santos.Que interessante a crença popular e a maneira de homenageá-la!
Depois, fui pesquisar um pouco sobre a sua biografia, e vi que o personagem não tem corroboração documental, embora sua existência seja indiscutível no imaginário. Trata-se de Maria Antonia Deolinda Correa, que aparentemente faleceu de sede enquanto acompanhava o marido, que era militar, na Provincia de San Juan, em Vallecito, proximo a Caucete (longe de onde estávamos), onde existe um santuário que é bastante visitado. O motivo pelo qual virou santa popular é que, mesmo após a morte, deu de mamar ao seu filho recém-nascido, salvando-o.
Muito interessantes os santos populares argentinos...Além da Difunta Correa e do Gauchito Gil, lembro que também uma cantora chamada "Gilda" (https://www.youtube.com/watch?v=RhTnCE6TYk0) possui fãs que viraram devotos, e também recebe homenagens e demonstrações de fé.
Agora toda vez que vejo uma garrafa de água mineral lembro da Difunta Correa.
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