O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Caminho de Santiago - o post místico

Tantos séculos de peregrinação contribuíram para criar uma aura de sacralidade em torno do Camino. Ninguém o percorre só para fazer turismo, emagrecer ou se divertir, mesmo que nem todos os peregrinos sejam devotos. E, certamente, todos saem diferentes.

De fato, o Camino enseja a meditação.  Às vezes porque há quilômetros e quilômetros de paisagens monótonas, às vezes porque elas são tão bonitas que você tem certeza de que Deus existe, e isso não é pouca coisa.

Ter que escutar o próprio corpo também produz estranhos efeitos na sua vida.  Na maior parte do tempo eu, e acredito que muitas pessoas também, não desenvolveu um sentimento de identidade e compaixão pela própria máquina, e daí essas insatisfações e guerra constante com a aparência. Durante, depois e agora, sinto-me muito melhor e bem mais à vontade, talvez mais harmônica seja a palavra, e consequentemente mais feliz.

"Felicidades" foi o que me desejaram em Santiago ao entregar a compostela, e realmente fui feliz desde então.

O Camino é uma jornada para dentro.  Reforçar valores, persistir, ter objetivos, aprender a se relacionar positivamente com pessoas diferentes certamente nos transforma para melhor.  Acho que nunca saí tão enriquecida de férias antes e certamente encontrei mais do que buscava.

Agora, vou falar do que não encontrei: bruxas, fantasmas, anjos e demônios.  Não os encontrei mas tive vislumbres e deslumbres.  Para mim, nós os peregrinos parecíamos fantasmas flutuando em uma dimensão paralela, sempre passando, passando, e provavelmente acompanhados da energia de todos que vieram antes de nós.

Certamente essa percepção foi influenciada pelo poema de Benedetti, esse grande simulacro que para mim passou a fazer todo sentido (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/11/memoria-poetica-mario-benedetti.html):

"O esquecimento está tão cheio de memória que às vezes não cabem as lembranças
e rancores precisam ser jogados pela borda no fundo
o esquecimento é um grande simulacro ninguém sabe nem pode
ainda que queira
esquecer um grande simulacro abarrotado de fantasmas
esses romeiros que peregrinam pelo esquecimento como se fosse o caminho de Santiago".


Algumas regiões têm um forte vínculo com bruxas, locais cheios de árvores e histórias, mas principalmente de memórias dolorosas de perseguições.  Muitos homens e mulheres pereceram por causa desse título, e não foi à toa que a expressão "caça às bruxas" tornou-se sinônimo de indiscriminada e injustificável perseguição.

É claro que se formos menos literais e esperançosos, podemos considerar que muitas pessoas do caminho são bruxas, anjos e demônios.

Tenho certeza de que o Camino é realmente mágico.  Não sei porque mas ele dá vontade de caminhar, mesmo que esteja sentindo muita dor.  E depois, a gente esquece a dor e aproveita a caminhada, o que é uma bela lição para a vida.

Transformar essa experiência em ouro de sabedoria parece ser a essência do Camino.

E, antes que eu me esqueça, vá e faça. Se tem vontade, vá e faça.  Sem hesitações, sem preparações demasiadas, o Camino vai ser o que tem que ser, e o que Deus quiser.

2 comentários:

  1. Felicidade duradoura. Ontem, como tenho feito desde que percorri o Camino pela primeira vez, fui caminhar. Agora caminho com regularidade e, ainda que não seja tanto e em lugar tão bonito, isso me faz feliz. Eu reflito, me exercito e lembro, lembro, lembro. Lembro dos meus entes queridos que já foram, lembro dos vivos, do que tenho para fazer, e das minhas prioridades. Mas ontem, eu lembrei de um dia no Camino, quando eu estava muito cansada, e encontrei uma praça, com uma fonte e uma sombra, onde pude deitar e descansar. Aquela sensação foi uma das melhores da minha vida, e ontem também lembrei dela e fui feliz de novo.

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  2. No dia 10 de agosto de 2017 chegamos a Santiago de Compostela. Um ano de felicidade duradoura.

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