Um testamento é a última declaração de uma pessoa falecida, negócio jurídico unilateral de disposição do seu patrimônio.
Mais que isso, é a oportunidade de expor afetos e desafetos. Alguns testamentos antigos, que estão guardados no Instituto Histórico aqui da minha cidade, são maravilhosos: revelam grandes segredos guardados durante a vida inteira, intrigas, amores e desafetos, para serem publicados no momento da leitura.
"Na época em que você teve aquele caso com a mulher do vizinho". "Você pensava que eu era idiota, mas eu sabia de tudo". "Para Fulano, não deixo absolutamente nada porque é um sujeito sem caráter". Nessa hora de libertação do corpo físico, as mulheres aproveitavam para vandalizar as estruturas sociais opressoras.
Hoje em dia os testamentos perderam um pouco o encanto, pois limitam-se a partilhar os haveres. Por isso prefiro o Testamento de Manuel Bandeira:
"O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!"
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