Nesta semana, assistimos ao resgate de uma (agora) antiga forma de comunicação: a carta. O Sr. Vice-Presidente da República Federativa do Brasil enviou uma missiva à Sra. Presidente (para ler: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/12/leia-integra-da-carta-enviada-pelo-vice-michel-temer-dilma.html).
Não vou refletir sobre o fato agora, pois estou observando e meditando para escrever um post específico sobre a barafunda institucional em que o Brasil se meteu em 2015.
Gostaria mesmo de falar sobre a epígrafe da carta, que trouxe a expressão em Latim "Verba volant, scripta manent" (as palavras voam, os escritos permanecem). Em primeiro lugar, gostaria de destacar o grande prazer de ver o Latim (ainda que seja dessa forma) aparecendo na mídia, já que há tanto tempo é confinado ao uso das peças jurídicas, e, em segundo lugar, destacar a criatividade dos brasileiros nas redes sociais, que logo criaram inúmeras obras de arte derivadas dessa carta.
Infelizmente (apesar das boas risadas) as pessoas associaram o Latim no início da carta aos feitiços de Harry Potter, e depois disso nada pode ser encarado com a mesma seriedade.
Enfim, esse post é para discutir os modos de fixação da memória. Lembremos que a arte da memória sempre foi vinculada à oratória e aos grandes oradores (como já destacamos nos posts http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/01/deusa-memoria.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/lembrar-simonides-de-ceos.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/lembrar-hipias-de-elis.html), mas a escrita permitiu o registro mais perene das informações pois, afinal, verba volant.
Escrever permitiu desenvolver o registro da memória duas
vertentes: a) a comemoração, que significa a celebração de eventos memoráveis
através de monumentos celebrativos, com o predomínio das inscrições
(epigrafia). Esses monumentos eram arquivos de pedra cuja finalidade era dar
publicidade, ostentatória e durável, a uma informação memorável; b) a segunda
vertente foi o documento, tomado em sua acepção restrita como o texto escrito
que armazena informações, permitindo a comunicação entre gerações, bem como o
reexame, a retificação e reordenamento dos registros (LE GOFF, 2000, p. 18;
DANTAS, 2010).
A difusão da
escrita através da invenção da imprensa trouxe o predomínio da
escrita sobre a oralidade. Até então havia equilíbrio ou predomínio da
oralidade, pois os textos eram escritos para serem decorados, e dessa época até
o século XVI valia o adágio “tantum
scimus, quanto memoria tenemus (só sabemos tanto quanto temos na memória) (WEINRICH,
2001, p. 69). Os efeitos da Imprensa foram sentidos plenamente a partir do
século XVIII, não só porque grande quantidade de informações passou a circular,
mas também porque puderam ser traduzidas e compartilhadas com outros povos:
surgem então os arquivos e museus nacionais.
Além disso, a função memorial dos monumentos entrou em decadência, com a
gradual substituição dos “livros de pedra” por tecnologias mais modernas
(CHOAY, 2001, p. 21; DANTAS, 2010).
Depois da escrita
e da imprensa, a terceira revolução da memória foi o surgimento de técnicas de
registro e reprodução de áudio e vídeo tais como o disco, a fotografia, o cinema
e o computador. A apreensão e o resgate das informações agora são feitos quase
ao vivo: há imagem e som vindos do passado. Entretanto, tais avanços são
relativos pois a acelerada obsolescência e a rápida substituição de tecnologias
são capazes de determinar a amnésia na sociedade.
Pelos últimos
acontecimentos que vimos, parece que são o áudio e o vídeo, mais que a escrita,
o grande problema para quem quer ocultar fatos. Mas não se enganem: palavras, escritas, vídeos, áudios são apenas formas e se a informação que veiculam não é autêntica, ética e verdadeira, pouco importa a sua permanência.
REFERÊNCIAS
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação
Liberdade: Editora UNESP, 2001.
DANTAS, Fabiana Santos. O direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Lisboa: Edições 70, 2000.
WEINRICH, Harald. Lete – Arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
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