O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









sexta-feira, 3 de maio de 2024

Férias 2024: Memórias parte 1 - Altitude e atitude

 A região de Cusco é inacreditável, mas mais inacreditável é como as pessoas vivem e produzem cultura naquele ambiente tão difícil.

Imagine a minha surpresa, de bichinho criado à beira-mar, ao perceber que as pessoas não consideram as montanhas como obstáculos. Elas são parte indispensável do modo de viver e sentir, que é modulado pela altitude.

Vejam, é diferente viver e produzir a mil, dois, três, quatro ou cinco mil metros de altitude.  Tudo muda: o tipo de cultivo, a forma, o acesso a água, a gastronomia, a atitude das pessoas diante dos desafios trazidos pelas condições geográficas e climáticas.

Os habitantes da região de Cusco, inseridos na cultura andina mais que na "peruana", têm uma forma de viver que molda a sua identidade cultural.  Nós (e já me incluí) andinos temos uma forma específica de interagir com e integrar a paisagem.

Andar naquelas montanhas é desafiador, especialmente para quem vive na altitude zero como eu, mas não é só a altitude que tira o fôlego.  O vislumbre de como as pessoas se relacionam com paisagem ali é emocionante, e podemos aprender lições de vida sobre resiliência, sobre distinguir o que é realmente importante e necessário, sobre como a beleza é simples, e como isso tudo ajuda a moldar uma atitude correta diante da vida.

Dizer que as pessoas são "espiritualizadas" não é suficiente para explicar essa atitude respeitosa e grata diante da vida.

Essa  minha sensação pode ser causada pela energia mística de Cusco, ou pelas muitas doses alcoólicas que lá tomei enquanto refletia sobre a beleza, a graça, o espírito e a constância, representada pelas montanhas que nos cercam. A cidade é o umbigo do Império Inca, e sabemos que umbigos (ônfalos) são simbolicamente a representação do centro de um universo, de onde são geradas todas as coisas.

Os andinos são atentos à altitude, informam-na a todo momento. Eles sabem a quantos metros tudo está, e essa particularidade faz mais sentido quando visitamos um lugar como Moray, que representa o esforço de aclimatação de espécies para a produção em diferentes altitudes.

A atitude aqui é olhar uma montanha gigantesca e nela ver uma oportunidade de produzir e viver. Adaptar-se, prosperar, e aos poucos transformar esse esforço intergeracional em um modo de vida belo, complexo, sofisticado e capaz de encontrar a harmonia entre os complementos (feminino, masculino, embaixo, em cima), espelhando a existência.

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