Há quatro anos a pandemia chegou ao meu mundo. Naquele já quase longínquo 16 de março de 2020 a minha vida mudou muito, mesmo (cf. https://direitoamemoria.blogspot.com/2020/12/impressoes-da-pandemia-2020-volume-1.html).
Foi um trauma coletivo sem precedentes quanto à extensão, capaz de marcar profundamente a memória coletiva. Sempre me perguntava como seria a memória desse experiência sincrônica em que a Humanidade toda foi afetada por uma doença e para sobreviver isolou-se por tempo tão prolongado?
Sem dúvida, a associação com uma forma apocalipse é inevitável, mas ficou claro que se trata um processo e não de um evento.
Acho notável que um processo tão traumático não seja lembrado com mais frequência pelas pessoas. Aqui onde moro ninguém fala sobre esse tempo: alguns lembram das milhares de vítimas brasileiras, de um ou outro fato mais denso, mas a memória nesse caso parece estar trabalhando silenciosamente, e escondida dentro do coração das pessoas.
Para mim, essa memória é construída em fases que eu sempre revisito.
A primeira - da ignorância e do medo generalizados. Uma grande incerteza quanto ao futuro e a clara sensação de que a desigualdade socioeconômica aqui apareceu de forma aguda.
É claro que a pandemia não revelou a desigualdade, pois ela é evidente, basta olhar em volta. Mas, nessa situação excepcional percebi como a desigualdade é profunda e enraizada, e como a vida e a morte são diferentes para as pessoas. Não se trata de classes sociais, mas de mundos diferentes.
A segunda fase exigiu adaptação, isso para mim significou aprender novos comportamentos. Organizar a minha rotina para criar uma normalidade adequada àquela situação. Aprendemos a sobreviver, e isso é muito importante.
A terceira etapa trouxe a vacina, novas cepas da COVID-19, e uma sensação de amanhecer de um novo tempo que, de vez por outra, ainda experimento.
Alguns comportamentos normalizados durante a pandemia certamente já fazem parte da minha vida e da minha mentalidade: evito aglomerações, continuo usando álcool para higienizar tudo, uso máscara quando estou gripada e sou grata porque chegamos aqui, pois a gratidão também é uma consequência da memória.
Durante a pandemia meu lindo sobrinho Ramiro nasceu (https://direitoamemoria.blogspot.com/2020/06/ramiro.html). Estávamos no início da terceira quarentena (https://direitoamemoria.blogspot.com/2020/07/tres-quarentenas.html), e a essa altura eu já não sabia o que pensar diante da confusão, da irracionalidade e da falta de lucidez de algumas pessoas.
Gente que não acreditou que a pandemia existia. Nem em máscaras, nem em vacinas, mas em remédios sem comprovação científica, e isso tudo no século XXI. Fiquei pensando em outras épocas, como a Peste Negra e gripe espanhola, e tive a certeza de que essa loucura aconteceu também, porque não há nada de novo sob o sol.
Quando eu olho para Ramiro, tão feliz e interessante e com quase quatro anos, só posso considerar que superar um trauma é ver uma nova geração florescer e se desenvolver, e fico mais grata ainda por ter a chance de testemunhar esse novo tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário