O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









sábado, 23 de outubro de 2010

O DIREITO FUNDAMENTAL AO ESQUECIMENTO

Esquecer é uma necessidade tão vital para o ser humano quanto lembrar, porque permite selecionar as informações ininterruptamente recebidas, preservando aquelas que são úteis, necessárias ou significativas. Não existe uma verdadeira contradição entre lembrar e esquecer, pois fazem parte do mesmo processo. Como afirma Filloux (1959, p. 73): "O esquecimento é dotado de um caráter teleológico, não é o avesso da memória, mas um aspecto indireto dessa mesma memória, tem uma função positiva, e essa forma da sabedoria humana, que chamamos de experiência, não consiste menos em expulsar do espírito os pormenores inúteis, insignificantes e vãos, do que guardar os que comportam um ensinamento ou uma lição". É possível reconhecer no Ordenamento Jurídico Brasileiro a existência de um direito ao esquecimento, consistindo em poder esquecer e ser esquecido, manifestando-se em três posições jurídicas básicas: a) o direito ao cancelamento de registros e retirada do indivíduo da esfera pública; b) pelas diversas formas de prescrição e c) por institutos como a anistia e o indulto (DANTAS, 2010). A concepção do esquecimento como um direito modifica grandemente o seu significado jurídico porque, tradicionalmente, era concebido como uma forma de punição ou benevolência. Enquanto penalidade, pode ser citada a damnatio memoriae, um instituto de Direito Público Romano que consistia em fazer desaparecer o nome do imperador governante defunto dos documentos dos arquivos e das inscrições monumentais (LE GOFF, 2000, p. 26; WEINRICH, 2001, p. 59). Como benevolência do soberano, o esquecimento geralmente é exercitado através dos institutos da anistia, do indulto ou graça, para solucionar os inconvenientes sociais e políticos causados pela aplicação de uma legislação anacrônica ou inadequada aos fatos, pacificando a opinião pública. Pensando bem, a clemência governamental enquanto favor e faculdade do soberano, nos parece uma herança dos Estados Absolutistas, e embora possa ser excepcionalmente justificável, deixa transparecer a necessidade de atualização do instituto nos moldes do Estado de Direito democrático. A aplicação do princípio da clemência deve ser pautada pelo respeito aos princípios da legalidade e da igualdade, especialmente porque está submetido ao juízo de discricionariedade dos poderes constituídos, havendo o risco de utilizar esse instituto para fins contrários ao interesse da sociedade, abusando desse poder (BORTOLOTTI, 1978, p. 1681-1711). Por exemplo, embora seja legal, a concessão de indultos em épocas festivas talvez atenda às finalidades de gestão da política criminal, diminuindo a lotação dos presídios e penitenciárias, mas não temos tanta certeza quanto a atender às finalidades de reeducação e reabilitação (?) do preso e de pacificação social. O esquecimento em suas várias formas jurídicas pode ser legalmente exercido, desde que não sirva para violar a moral, a consciência e as memórias individual e coletiva. REFERÊNCIAS BORTOLOTTI, Dario. Il principio costituzionale della clemenza. Rivista Trimestralle di Diritto e Procedura Civile, Milano, v. 37 (4), p. 1681-1711, 1978. FILLOUX, Jean-Claud. A memória. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1959. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Lisboa: Edições 70, 2000. WEINRICH, Harald. Lete – Arte e crítica do esquecimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

4 comentários:

  1. Ah, finalmente o direito ao esquecimento apareceu aqui!
    A senhora é destinatària do dever de se abster face ao meu direito subjetivo ao esquecimento seletivo.
    Fàcil assim.
    E não se fala mais nisso (ou naquilo...)

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  2. Escrevi esse tópico pensando em você. Mas acho que o direito ao esquecimento não resolverá os seus recentes problemas diplomáticos.
    Os amigos, antes de tudo, estão aqui para lembrar.

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  3. Nos últimos anos, o direito ao esquecimento vêm ganhando relevância teórica e prática. Acredito que é chegado o momento de escrever um artigo sobre esse tema.

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  4. Ainda não escrevi o artigo, mas estou pensando em desdobramentos muito interessantes para o tema.

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