O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tropa de Elite e a “Síndrome de Tontons Macoutes”

Ontem fui assistir à seqüência do filme “Tropa de Elite”, e fiquei realmente feliz em ver o cinema fervilhando para assistir a um filme nacional, com exibição simultânea em várias salas, todas lotadas. Fiquei também contente porque o filme traz uma reflexão sobre um tema central na vida dos brasileiros que é, exatamente, a nossa qualidade de vida nas grandes cidades e todos os problemas administrativos que esse tipo de organização social traz. É também uma excelente oportunidade para refletir sobre o papel do Estado Brasileiro, enquanto máquina para produzir o bem-estar dos cidadãos, realizando o interesse público. Não existe outra razão legítima para a existência do Estado moderno que não a satisfação do interesse coletivo com a realização do bem estar. Essa máquina administrativa passa problemas estruturais, que o filme “Tropa de Elite” pretendeu deixar entrever, que demandam um contínuo planejamento, ações de fiscalização efetiva e aperfeiçoamentos, o que é normal nas instituições. Para solucionar esses problemas estruturais, ainda que gradualmente e ao longo de muito tempo, é preciso identificar e corrigir anacronismos e heranças de práticas autoritárias e de corrupção que permeiam o denominado “sistema”. O sistema tem que ser superado, não vencido. Tem que ser aperfeiçoado, não destruído. E a memória existe para servir de referencial nesse processo de aperfeiçoamento, caso contrário seríamos sempre obrigados a recomeçar do zero. O filme é polêmico, meio deprimente, e enseja a reflexão e indignação, o que já seriam virtudes suficientes numa obra de entretenimento. Mas além disso, é também bem realizado, aos meus olhos leigos e apaixonados por filmes. Em síntese, gostei. Mas como além de apaixonada por cinema também sou muito (ou pretendo ser )crítica, e agora posso me expressar na internet (Deus deu asa à cobra!), vamos às minhas considerações: a)Primeiro, como jurista, entendo que a defesa dos direitos humanos em geral é uma causa que tem argumentos valiosos por si só. A defesa da igual dignidade entre todos os indivíduos, sem distinção de gênero, nacionalidade, cor, raça e em conformidade à diversidade cultural é um valor em si. Não é preciso justificar essa defesa com argumentos falaciosos, como acontece com o personagem “Fraga”. Para lutar pela melhoria das condições do sistema carcerário não é preciso argumentar falaciosamente: com o pretexto de realizar uma comparação entre o crescimento da população carcerária e da população brasileira em geral, o roteirista através do personagem afirmou que daqui a algumas décadas todos os brasileiros estariam presos. Isso porque a população carcerária dobra a cada oito anos, enquanto que a população em geral dobra a cada 50 anos. Ou seja, daqui a algumas décadas no Brasil o principal crime será nascer porque só assim essa pseudo- estatística pode ser minimamente verdadeira. Melhor dizendo: para ser preso a pessoa tem que cometer um crime, e essa é a variável a ser considerada. Sendo otimista, talvez daqui a algumas décadas os brasileiros deixem de cometer crimes, o sistema carcerário se torne obsoleto e a polícia seja reformatada apenas porque têm valor de existência. Se é para fazer a “reductio ad absurdum” nos argumentos, porque não podemos ser otimistas? b) O segundo, e gravíssimo problema, é que o filme não ensina os caminhos institucionais para enfrentar o problema. O personagem “Fraga”, o solitário e apartidário deputado com discurso de “esquerda” , passou o filme inteiro esperando que a imprensa publicasse o seu dossiê sobre as milícias, para então conseguir a abertura de uma CPI. Vários problemas de encaminhamento! A imprensa investigativa é fundamental, mas não dispõe dos instrumentos necessários para julgar e condenar os criminosos, embora esse julgamento e sanção às vezes aconteçam previamente, e com conseqüências nefastas para a honra dos inocentes. O Brasil possui uma instituição específica para investigar e realizar o jus persequendi, que é o Ministério Público. Os Promotores e Procuradores da República podem (por enquanto?) realizar investigações e adotar as medidas cabíveis. Cadê o Ministério Público em Tropa de Elite? E desde quando CPI é um processo investigatório eficiente? Os deputados em geral e Senadores não têm o treinamento necessário para conduzir interrogatórios, por isso os depoimentos são tão longos e improdutivos. Se ao invés de centenas de deputados, tivéssemos centenas de delegados aposentados (eu confio no poder grisalho), tenho certeza que seriam feitas perguntas mais precisas, objetivas, e quem sabe até conseguidas informações interessantes. c) E finalmente, porque a mensagem já está longa demais, tem a “síndrome de Tonton Macoute “. Quem não lembra do flagelo da milícia semi-governamental que assombrava, literalmente, o povo haitiano? Um grupo criado para garantir a ordem autoritária da família Duvalier, através do terror, da violência e da intimidação, que somados ao misticismo da cultura local, levaram à sua identificação com o bicho-papão, mal traduzindo a idéia. O grande problema com o bicho papão é a idéia de que ele é “osso duro de roer, pega um, pega geral e também vai pegar você”. A ameaça da vitimização não seletiva, e de que você é a próxima vítima, é muito eficiente para impor o terror e a conformidade de comportamento baseada no medo. Só não ficou claro para mim quem é o bicho-papão dessa estória: o BOPE, a polícia corrupta, os políticos, a negligência do homem cordial brasileiro, o “sistema”. Quem é o bicho-papão nessa estória, parceiro?

9 comentários:

  1. Você està falando do Tropa de Elite 2, não é?
    Não vi nem um nem outro, mas li comentàrios dizendo que o 2 é mais bem elaborado.

    Inaugurada a sessão memorias de filmes, a sra. comentarà aqui o filme Zuzu Angel?

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  2. Saiu recentemente uma tradução pro espanhol de um texto de Jörg Luther chamado: El derecho a la memoria como derecho cultural del hombre en democracia.
    Se tu jà não tiver e quiser, mando pelo correio.

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  3. Quero sim! Não conheço esse texto ainda.
    Valeu!
    Cadê a tese?

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  4. em relação ao filmes Zuzu Angel, gostaria muito de ler suas colocações. Fica aqui o espaço aberto para você, doutora, exercitar a sua memória.

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  5. Fabiana, eu tenho uma visão ligeiramente diferente sobre a personagem Fraga. Me parece que é algo que extrapola os limites da sala de projeção. José Padilha, quando do lançamento do primeiro filme da franquia Tropa de Elite, foi acusado com os mesmos argumentos que ele expõe no filme. Tive o prazer de estar em uma das 'palestras' ministradas por ele aqui em Recife e ele foi solenemente chamado de nazista (idéia que Fraga, com um sotaque indefinido mas nordestino repete amiúde pelo filme todo). O momento-catarse do filme é quando a personagem Cel. Nascimento concorda em falar com Fraga e este endossa uma explosão de raiva na plenária da CPI, recheada de acusações que sabemos serem verdadeiras mas as quais ele mesmo não traz nenhuma prova.

    Pra mim o filme é muito mais perigoso do que a gente começou a discutir.

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  6. Lembrei que em outubro de 2014 faleceu Jean-Claude Duvalier, Baby Doc, filho de François Duvalier (Papa Doc), criador dos tontons macoutes.

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  7. Continuamos com os mesmos problemas estruturais e revivendo práticas violentas, seis anos depois.

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  8. Em 2018, intervenção federal como meio para assegurar a segurança pública.

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