O direito à memória individual dos mortos, efetivado sob a forma de respeito, pode ser manifestado pela defesa através dos familiares (os gestores da boa memória), conforme estipula o Código Civil Brasileiro, mas também por outras três maneiras: a lembrança celebrativa, em relação aos vultos e personalidades históricas; a reabilitação, quando o indivíduo falecido não teve em vida o reconhecimento ao qual fazia jus e o direito genérico de respeito aos mortos (DANTAS, 2010).
A consagração de um indivíduo como "herói da Pátria" é um exemplo notável de lembrança celebrativa, que também pode servir para reabilitar quem, em vida, não foi reconhecido ou assumiu um papel nos fatos históricos que posteriormente foi ressignificado, servindo também como reabilitação.
Nós começamos a conhecer os heróis brasileiros no post http://direitoamemoria.blogspot.com/2012/03/os-herois-do-brasil.html, e como eu gostaria de conhecer mais da história de cada um deles, aos poucos e sem data marcada, vou tentar escrever posts.
O primeiro deles - Tiradentes - já tivemos a oportunidade de estudar como um exemplo de reabilitação póstuma (uma das formas de respeito à memória dos mortos identificada), e depois dela também se pode verificar a lembrança celebrativa.
Ao contrário do que afirma a Prefeita Darci Veras, de Ribeirão Preto (ao 1:13s): http://www.youtube.com/watch?v=UdQ_aAAl3DE, Tiradentes não proclamou a Independência do Brasil, nem gritou "Independência ou Morte". Aliás, não sabemos nem se o mítico D. Pedro I (que também é herói do Brasil!), disse tal frase.
Na verdade, Tiradentes (Joaquim José da Silva Xavier, que arrancava dentes) participou de um movimento libertário no século XVIII. A iniciativa não deu certo, e ele assumiu toda a responsabilidade pela tentativa de independência, sendo sozinho condenado à morte e salvando os seus companheiros, daí a sua condição de mártir.
Foi executado em 21 de abril de 1792, e por isso essa data é feriado no Brasil.
O personagem Tiradentes é um estudo de caso interessante do ponto de vista da construção da memória individual e coletiva porque:
1 - Sua condenação e o seu crime eram infames perante o Direito Português, recaindo como uma maldição pública sobre a sua memória e sobre os seus descendentes;
2 - Era preciso então desconstruir a memória pública de um infame, o que foi feito pelo artigo 3º da Lei nº 4.897, de 9 de dezembro de 1965:
"Art. 3º Esta manifestação do povo e do Govêrno da República em homenagem ao Patrono da Nação Brasileira visa evidenciar que a sentença condenatória de Joaquim José da Silva Xavier não é labéu que lhe infame a memória, pois é reconhecida e proclamada oficialmente pelos seus concidadãos, como o mais alto título de glorificação do nosso maior compatriota de todos os tempos".
Nessa mesma Lei foi considerado "Patrono Cívico da Nação Brasileira", mas ainda não era herói.
3 - Depois, a sua imagem pública (quanto às formas de representação) foi estipulada no Decreto 58.168, de 11 de abril de 1966, que estabelece como modelo para reprodução da figura de Tiradentes, a efígie de Joaquim José da Silva Xavier existente em frente ao Palácio Tiradentes, na cidade do Rio de Janeiro.
Essa representação é a que todos temos na memória: de um homem altivo, barbudo, vestindo o camisolão dos condenados, e muito parecido com Jesus Cristo.
Devido à evidente restrição à liberdade artística, essa norma foi revogada pelo Decreto nº 78.101, de 20 de julho de 1976.
4 - Finalmente, através da Lei n° 7.919, de 11 de dezembro de 1989, o seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.
5 - Além de ser herói, a memória de Tiradentes é celebrada através do seu nome em cidades e logradouros públicos, além do feriado, evidentemente.
Referência.
DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
A estátua de Tiradentes serviu de apoio para as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro, em junho de 2013.
ResponderExcluirMais um feriado, e ninguém lembra do herói.
ResponderExcluirMais um feriado. Ontem o herói foi lembrado em um discurso.
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