O direito à memória individual dos vivos e dos mortos, especialmente quanto aos aspectos da veracidade e integridade do passado, é um tema recorrente no blog .
Em outras ocasiões já discutimos como é importante garantir a fidedignidade dos atos praticados pelos indivíduos, e como a veracidade é fundamental para a construção da memória. Quando há violação da veracidade, os indivíduos acabam sendo lembrados pelo que não foram ou não fizeram, e isso é terrível, especialmente quanto são imputados crimes ou simplesmente atos inverídicos (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/06/direito-memoria-dos-mortos-veracidade.html)
Nessa semana, o caso de Lizzie Borden chamou a minha atenção. Ela é conhecida por haver assassinado os pais com 81 facadas, e a sua memória (de assassina) foi perpetuada através de versinhos infantis terríveis que consagraram uma versão dos fatos:
"Lizzie Borden took an ax/ And gave her mother forty whacks/ And when she saw what she had done/ She gave her father forty-one".
Os pais de Lizzie Borden não foram mortos com 81 facadas como diz a musiquinha e, para a Justiça americana, não foi ela quem cometeu o crime. Ela foi considerada inocente mas, de que adianta, se os versinhos são reproduzidos de geração em geração, e essa memória é tão forte ao ponto de em 2014 ser lançado um filme sobre o assunto, chamado "Lizzie Borden took an ax"?
Qual é a memória, então, que realmente foi fixada e importa?
Muitos escritos querem fundar a distinção entre Memória X História exatamente nessa preocupação com a veracidade, com a racionalidade do discurso sobre o fato, mas não vejo como excluir a veracidade dos relatos memoriais, especialmente quando consideramos o aspecto "defesa jurídica do direito à memória dos mortos", que encontra o seu fundamento legal no artigo 12 do Código Civil (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2010/11/o-direito-memoria-dos-mortos.html).
Outro exemplo interessante da memória que excede a vida é a de Drácula, que assombra estas paragens há muitos posts. A memória construída para o Príncipe Vlad III (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2014/11/lembrando-personagens-vlad-iii.html) é um ótimo exemplo de mitologização da biografia, em prejuízo à veracidade e à integridade do passado individual, e também uma violação ao direito à memória coletiva, dada a importância pública do personagem.
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