Através da série "memória coletiva e autoritarismo" procuro identificar e refletir sobre alguns aspectos danosos da reminiscência ditatorial que permeia a nossa memória coletiva. Já analisamos os seguintes:
cultura de desrespeito aos direitos fundamentais (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/05/memoria-coletiva-e-autoritarismo.html), medo generalizado, inclusive de exercer direitos (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/10/memoria-coletiva-e-autoritarismo-3-o.html), desconfiança com a estrutura estatal e conforto com práticas violentas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/06/memoria-coletiva-e-autoritarismo-2.html).
Hoje gostaria de refletir sobre um efeito gravíssimo dessa mentalidade ditatorial, que afeta um valor fundante da sociedade brasileira. Tão importante que aparece até na bandeira nacional: ordem. O progresso vem depois no lema.
A turbulência institucional do governo brasileiro é a nossa prática e a nossa herança. As sucessivas desestabilizações levaram o Brasil a experimentar todas as formas clássicas de formas, sistemas de governo e regimes políticos. E todas essas transições foram rupturas permeadas por períodos ditatoriais.
O que aprendemos com um governo ditatorial? Que decisões não podem ser questionadas e nem investigadas. A falta de transparência leva, fatalmente, à criação de leis que privilegiam as elites ou simplesmente a lei é ignorada às escondidas, criando uma ordem pública paralela
que guarda pouca ou nenhuma pertinência com os interesses do Estado.
Esse "controle dos subversivos", a que se resume gestão de pessoas em uma ditadura, é feita através de um controle social baseado na repressão e no terror, o que acaba
gerando uma visão distorcida de ordem pública, na qual a manifestação por
direitos é considerada subversão ou baderna.
Essa percepção acaba por dificultar as iniciativas legítimas de
reivindicações sociais e atrasa o desenvolvimento dos órgãos e instituições
estatais no desempenho e eficácia das políticas públicas, que existem exatamente para gerir as necessidades coletivas.
Nessa visão distorcida, a idéia de
“disciplina” e “ordem” baseia-se na necessidade de violência e de uma estrutura
estritamente hierarquizada, que não contempla a contestação da autoridade. Cf. o exemplo:
https://br.noticias.yahoo.com/pm-assume-escola-tomada-por-viol%C3%AAncia-e-a-transforma-em-modelo-034449220.html.
Educada nesse sistema, a população percebe a falta da estrutura hierarquizada como
ausência de ordem, e equipara o uso da coerção estatal, mesmo que legal,
necessária e legítima, à violência.
Esse tipo de ordem tolhe liberdades individuais de pensamento e de expressão,e cria conformismo. Por outro lado, os inconformados não vislumbram meios adequados para expressar a opinião dissonante, e por vezes apenas calam-se, ou tornam-se revoltados, usando de atitudes que, se não invalidam os argumentos, prejudicam fortemente a sua compreensão.
Perceber a ordem como forma de gestão democrática é um dos maiores desafios da Justiça de Transição.
Turbulência institucional pioneira e inovadora, nesse ano de 2016. O Brasil é tão complexo que a gente passa a vida inteira estudando e não deixa de se surpreender.
ResponderExcluirÉ como dizem: "o Brasil não é para principiantes".