O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









sábado, 14 de junho de 2014

Revolta da Vacina: fundamento legal


Estava pensando na Revolta da Vacina hoje, e resolvi ler a lei que tornou a vacinação contra varíola obrigatória: http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=61058&tipoDocumento=LEI&tipoTexto=PUB.

A coerção estatal para obrigar as pessoas a tomarem a vacina, que ensejou a revolta, encontrou o seu fundamento legal no Decreto nº 1151/1904, artigo 1º, §3º, f (http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=56733&tipoDocumento=DEC&tipoTexto=PUB):

"Art. 1º E’ reorganizada a Directoria Geral de Saúde Publica, ficando sob sua competencia, além das attribuições actuaes, tudo que no Districto Federal diz respeito á hygiene domiciliaria, policia sanitaria dos domicilios, logares e logradouros publicos, tudo quanto se relaciona á prophyIaxia geral e especifica das molestias infectuosas, podendo o Governo fazer as installações que julgar necessarias e pôr em prática as actuaes posturas municipaes que se relacione com a hygiene.

omissis
§ 3º Fica o Governo autorizado a promulgar o Codigo Sanitario, de accôrdo com as seguintes bases:
f) instituindo como penas ás infracções sanitarias multas até dois contos de réis (2:000$), que poderão ser convertidas em prisão até o prazo maximo de tres mezes, bem como, cumulados ou não e mesmo como medida preventiva, apprehensão e destruição dos generos deteriotados ou considerados nocivos á saúde publica, sequestro e venda de animaes ou objectos cuja existencia nas habitações fôr prohibida, cassação de licença, fechamento e interdicção de predios, obras e construcções.
l. A apprehensão e destruição de generos deteriorados ou considerados nocivos á saúde, assim como a cassação de licença fechamento, serão feitos por simples actos da autoridade administrativa; o sequestro e venda de animaes ou objectos cuja existencia nas habitações fôr prohibida, depois da competente apprehensão pela autoridade administrativa, serão feitos pela autoridade judicial por meio do processo que fôr estabelecido.
II. A declaração de interdicção de predios, obras e construcções por parte da autoridade administrativa terá por effeito:
Quanto aos predios:
1º Serem elles desoccupados amigavel ou judicialmente pelos inquilinos dentro de um a oito dias, conforme a urgencia;
2º Serem reparados ou demolidos pelos seus proprietarios no prazo que lhes fôr assignado.
Si estes se recusarem fazel-o, as reparações ou demolições serão feitas á sua custa, ficando em um ou outro caso o predio ou terreno por elle occupado legalmente hypothecado para garantia da despeza feita, classe o dia da declaração da interdicção.
Quanto ás obras e construcções:
1º Serem ellas immediatamente suspensas;
2º Serem reparadas ou demolidas nas mesmas condições e com os mesmos onus que os predios.
omissis".

Mais um tijolo na construção da mentalidade autoritária brasileira, e uma política de demolição com fins sanitários conhecida como "Bota-abaixo" na então capital do Brasil Rio de Janeiro.  Pequeno vídeo interessante: https://www.youtube.com/watch?v=cmfQpCkZiYM

Essa mentalidade higiênica também teve os seus reflexos na minha cidade.  Houve remodelações urbanas, baseadas na extensa demolição de imóveis, adoção de códigos de conduta e vestimenta, por exemplo a obrigação de calçar sapatos, polir as unhas e usar perfumes; o combate a alguns ofícios tradicionais que enfeiavam o ambiente (engraxates, carregadores de piano e vendedores de caranguejo) e a proibição de retratar ângulos desfavoráveis na cidade, inclusive com a apreensão de equipamentos fotográficos.  Para conhecer mais confira o interessantíssimo livo "A construção da verdade autoritária" de Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida (São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001.

Havia até a separação no transporte público: "bondes de gente fina" e "bondes de gente atrevida", sendo esses últimos caracterizados por pessoas que tagarelavam, carregavam embrulhos e iam para os arrabaldes pobres.  Gente fina era outra coisa:  silenciosas, sem embrulhos e  para bons destinos... (op. cit, p. 141-147).

É claro que estamos falando do início do século XX, mas no século XXI também assistimos a processos de higienização urbana no Brasil ecoando essas antigas práticas (cf. http://www.estadao.com.br/noticias/geral,mp-fala-em-higienizacao-da-populacao-de-rua-do-rio,1509635).

Um comentário:

  1. Ontem morreu Nicolau Sevcenko, historiador que escreveu sobre a Revolta da Vacina.

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