O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









terça-feira, 15 de maio de 2012

Memória coletiva e autoritarismo

As  memórias coletivas são transmitidas através das gerações das mais diversas formas.  Os bens culturais que integram o denominado patrimônio cultural (livros, monumentos, danças, celebrações, obras de arte em geral, artefatos arqueológicos, fósseis, entre outros) veiculam essas informações e nos permitem ensiná-las às futuras gerações.

Com a mentalidade autoritária que ecoa na sociedade brasileira acontece o mesmo:  a prática do exercício e do respeito aos direitos fundamentais ainda precisa ser difundida, tanto no âmbito das relações públicas (cujo debate vem sendo realizado nos últimos anos), mas também nas relações privadas. Frequentemente percebo resquícios desse autoritarismo em relações afetivas, nas situações sociais cotidianas, para não falar nas relações de emprego (a escravidão ainda existe no Brasil).

Precisamos praticar o respeito aos direitos fundamentais dentro de casa, nas relações de trabalho, e em outros aspectos da vida social, percebendo as pessoas como iguais, com direito à expressão,  e considerar esses direitos como limites à nossa atuação.  Acredito firmemente que boa parte da violência endêmica que a sociedade brasileira degusta deve-se a essa memória autoritária, que contribui para conflitos nas cidades apinhadas e para a violência doméstica, principalmente.

Como essa memória autoritária é passada adiante?  Observe, e você a perceberá: uma cantiga de roda, por exemplo.

"Pai Francisco entrou na roda

Tocando seu violão

Balalan ban ban ban ban balalan ban ban
Vem de lá seu delegado
E Pai Francisco foi pra prisão

Como ele vem todo requebrado
Parece um boneco desengonçado"

Por que "Pai Francisco" foi preso?  Por que tocava violão?  Essa cantiga de roda parece remeter a duas situações interessantes que aconteciam no Brasil no final do século XIX até meados do século XX, quando a Capoeiragem era crime (será que a roda da cantiga era uma roda de capoeira?), e tocar violão era indicador de vadiagem, de marginalidade.

Parece que "Pai Francisco" foi enquadrado no artigo 402, do Decreto 847 de 11 de outubro de 1890 (Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil), que no Capítulo XIII trata dos "vadios e capoeiras":

"Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal;


Pena -- de prisão celular por dois a seis meses".

Não ficava bem para pessoas honestas tocar violão.  E sobre isso, adoro o personagem Policarpo Quaresma,  um homem de bem que manchou sua reputação com aulas desse instrumento, também conhecido como "pinho".

10 comentários:

  1. Pode ter sido preso porque participava de uma passeata contra o aumento das tarifas de ônibus.

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  2. Portando um perigoso artefato cheio de vinagre.

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  3. A solução, normativa ou administrativa, parece ser sempre no sentido de restringir as liberdades do cidadão. A liberdade sexual é um direito no Brasil? É, mas parece que tem que ser defendida todo santo dia contra aqueles que se acham no direito de julgar os desejos (lícitos) alheios. Há liberdade de manifestação e de expressão artística? Na minha cidade, só entre as 10 e 22 horas. Sob o pretexto de regulamentar o uso do espaço público proibiram até a participação de crianças em manifestações culturais públicas.

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    1. Outro exemplo: restringir a pacífica expressão do pensamento político em um evento.

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  4. O tema da redação do ENEM 2015: "A persistência da violência contra a mulher" enseja uma reflexão sobre a manutenção dos padrões de representação e violência simbólica na memória coletiva, contra o que dizem as leis e a Constituição.

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  5. Só em 2017 foi proibido o uso de ALGEMAS em mulheres grávidas DURANTE O TRABALHO DE PARTO e puerpério imediato. Cf. Lei nº 13.434/2017: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13434.htm.

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  6. Em 2017 vimos que a liberdade de expressão artística também pode ser alvo de tentativas de censura. Antes, até um texto de Simone de Beauvoir que constou no ENEM também.
    Isso, sem contar os ataques diários às liberdades dos cidadãos.

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  7. Em 2024 o ENEM mais uma vez trouxe uma importante reflexão sobre memória e autoritarismo, questionando sobre os "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil!

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