O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









sábado, 22 de novembro de 2014

Conhece-te a ti mesmo, Brasil (9): a questão da imediatidade

No Brasil há uma expressão interessante, utilizada para indicar uma situação financeira difícil, que diz que "fulano está vendendo o almoço para pagar o jantar".  Para mim, além da evidente alusão à falta de recursos, essa frase também serve para mostrar que o planejamento por aqui só vai até a próxima refeição.

Quando as pessoas estão lutando pela sobrevivência, na roda viva que a vida se tornou, tendem a pensar mais no presente. Na satisfação da necessidades de agora, em resolver problemas do hoje.

Quer ver algumas manifestações dessa mentalidade do imediato?

Os brasileiros raramente fazem testamentos.

Os brasileiros engajam-se alegremente em relacionamentos afetivos efêmeros.  Assim como os esquimós possuem dezenas de palavras para nomear a neve, e cada uma das pequenas diferenças merece um nome novo, assim fazem os brasileiros com a sua miríade de formas de relacionamento:  ficar, ter um rolo, namorar, noivar, namoridos, amizade colorida, entre outras categorias dinâmicas e permutáveis. É a única fila no Brasil que anda rápido.

O planejamento efetivo ainda parece ser um comportamento estranho entre nós.  Geralmente, nós fazemos gestões de crise (planejar para resolver o problema imediato), mas os planos de longa duração ainda são raridade.

O próprio conceito de longa duração para nós é estranho.  Curto prazo: hoje.  Médio prazo: um ano.  Longo prazo: de cinco a oito anos.

E ainda tem gente perguntando por que aconteceu a crise hídrica em São Paulo.

Acredito que esse senso de urgência, essa imediatidade, é uma das grandes responsáveis pela mentira deslavada de que o "brasileiro não tem memória".  É claro que vivendo apenas no presente e mirando as suas urgências, não sobra muito espaço para refletir sobre o passado e ou para planejar o futuro.

Há quem considere que na pós-modernidade, época fragmentada, dinâmica e imprevisível, quase líquida no sentir de alguns, a adaptabilidade  pode ser considerada uma virtude.  Entretanto, essa adaptabilidade só será virtuosa se exercida dentro de um quadro maior de referência, contexto em que essas ações ganham coerência.

Sem essa moldura, projetos, políticas e ações tornam-se descontextualizados e fica difícil aferir a sua eficiência, restando essa sensação estranha de indefinição quanto a objetivos.  "Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde quer ir", frase tão sábia que é atribuída ora a Sêneca, ora a Montaigne.


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