Na Mitologia Grega as deusas da vingança, chamadas de Erínias ou Fúrias, eram conhecidas pela sua longa memória (OST, 2005, p. 38).
Chamavam-se Tisífone (Castigo), Megaira (Rancor), Alecto (Interminável) e o seu aspecto físico era terrível (asas de morcego, cabelos trançados com serpentes e seus olhos escorrem sangue), com o claro intento de por o temor, preventivo de crimes e proativo do cumprimento de normas, no coração dos homens.
Vingança e longa memória têm uma associação imediata, porque a primeira depende da segunda.
É por isso, que quando surgem reivindicações sobre o direito fundamental à memória, são acionados os mecanismos do esquecimento: a produção da memória oficial sem os fatos inadequados, a concessão de anistias, a fabricação do consenso (discurso da superação das ideologias), o silêncio sobre fatos conflituosos, a busca da reconciliação nacional e as comemorações da datas cívicas (DANTAS, 2010).
Evidentemente que, quando começam os questionamentos sobre as torturas, crimes contra a dignidade humana, os ainda desaparecidos políticos, e os assassinados pelo terrorismo de Estado, em nome da reconciliação nacional ou por medo das Erínias, surgem tentativas de vilipendiar sua importância, reduzindo-os à categoria de "revanchismo".
Como bem destacam Lechner e Güell (2006), anda mal quem considera a busca pela verdade como uma revanche promovida por indivíduos cheios de rancor, com um insaciável apetite de vingança e cuja única finalidade é desestabilizar a Nação e a ordem. A abordagem do problema partindo dessa premissa revela, mais uma vez, uma visão privada da memória, como se respeitasse a indivíduos, quando na verdade é uma luta de toda a sociedade para estabelecer a verdade dos fatos do seu passado (DANTAS, 2010).
Um exercício interessante é questionar quem joga a carta do revanchismo, quem utiliza desse discurso? E por que?
Não há mais contexto (nem espaço, nem tempo) político, social ou internacional,para considerar esses atos sanáveis através do "deixa disso". Especialmente porque as estruturas autoritárias criadas e herdadas daquela época ainda existem e produzem os seus efeitos: o medo, a violência, o exercício incompleto de direitos, e esse temor velado ou não, de ser cidadão.
A título de conclusão, Ortega Y Gasset: "Vivemos num tempo de chantagem universal,
Que toma duas formas complementares de escárnio:
Há a chantagem da violência e a chantagem do entretenimento.
Uma e outra servem sempre para a mesma coisa:
Manter o homem simples longe do centro dos acontecimentos".
REFERÊNCIAS
DANTAS, Fabiana. Direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.
LECHNER, Norbert; GÜELL, Pedro. Construcción social de las memórias em la transicion chilena. In: JELIN, Elizabeth; KAUFMAN, Susana G (comps). Subjetividad y figuras de la memoria. Buenos Aires: Siglo XXI; Editora Iberoamericana,p. 17-46, 2006.
OST, François. O tempo do Direito. Bauru: EDUSC, 2005.
Ei, esse texto ficou muito bom. Parabéns.
ResponderExcluirEsqueci de te dizer que conheci F. Ost em pessoa, com direito a café e tudo :D
Obrigada, querida! Besitos!
ResponderExcluirOst tem dois livros muito interessantes: O tempo do Direito, citado acima, e "Contar a Lei", que é tão legal.
Dois traduzidos para o português. Mas muitas e muitas outras coisas escritas.
ResponderExcluirO cara escreve de uma maneira elegante e clara. A tradução pro português do primeiro deixou a desejar (ou a desconfiar, como queira). O segundo eu não li.
https://g1.globo.com/politica/blog/cristiana-lobo/post/general-vilas-boas-militares-precisam-ter-garantia-para-agir-sem-o-risco-de-surgir-uma-nova-comissao-da-verdade.ghtml
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