O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









domingo, 16 de setembro de 2012

Censura, memória coletiva e direito à memória


A censura pode ser muito prejudicial à formação da memória coletiva porque pode impedir o registro de eventos e manifestações, que sequer passam a integrar o acervo cultural. Quando a censura é exercida previamente é a própria memória que não chega a se formar, realizando-se uma interdição política da produção de significados (PÊCHEUX, 1999, p. 63-65).

Existe também outra forma de censura, que aparece sob a forma da interdição ou acesso restrito aos documentos, que igualmente prejudica a formação da memória coletiva.

Infelizmente, no Brasil, a censura exercida nos períodos ditatoriais é encarada de forma, digamos, até cômica, como uma manifestação anedótica da ignorância das ditaduras. O anedotário político é repleto de estórias sobre a inépcia e falta de agudeza dos censores, das inusitadas proibições e da folclórica ignorância dos militares, “fazendo com que não tenha sido levada a sério como deveria, resumindo-a a uma perigosa e equívoca forma de pirraça estatal” (DANTAS, 2010, p. 225).

É um grande desafio compatibilizar conteúdos, públicos, faixas etárias, etc... Mas sou absolutamente contra a criação de tabus, especialmente quando vivemos em um tempo considerado a “Era da Informação”.  Essa discussão sobre limites é inerente ao período democrático em que vivemos, e como tal, deve ser tratada democraticamente.

Nessa semana, uma notícia me fez relembrar e rediscutir as preocupações com a censura e a formação da memória:
http://oglobo.globo.com/cultura/abl-censura-transmissao-de-palestra-do-ciclo-mutacoes-sobre-sexo-6102247

Por coincidência, estávamos conversando (Robinson, eu e Marcelo) sobre como o mundo se tornou careta nos últimos tempos.  Refletíamos que algumas manifestações artísticas, como as músicas do Pink Floyd, por exemplo, hoje seriam impossíveis de serem executadas nas rádios. Onze minutos de rock gastos em uma música só, nem pensar...

Nossa intuição parece ser confirmada pela reflexão do filósofo Adauto Novaes, no comentário na notícia do link acima,  de que há uma expansão do conservadorismo.

Vou manifestar aqui a minha sincera opinião:  não acredito em um movimento de "contra-cultura", como aconteceu nos anos 60 e etc, porque contra-cultura é cultura e não é "contra" se o seu espelho é a cultura hegemônica.  Se algo se define a partir do seu "oposto" (noite e dia, por exemplo), um não pode viver sem o outro, logo...

Entretanto, ser diferente não é ser oposto.  E, em cultura, nós precisamos da diferença, da diversidade, porque isso aumenta a oferta de bens culturais, logo, aumenta a possibilidade de escolhas, o que é bom.  Portanto, movimentos culturais de contestação, ainda que se apoiem e reafirmem os valores que pretendem contestar, são importantes para ampliar a nossa visão de mundo.

Nesse contexto, a censura impede a difusão, desestimula a criação e barra a dinâmica da formação da memória, embora em certos aspectos contribua para a proteção e consolidação de outros determinados valores que poderiam ser afetados pela mudança cultural que se quer obstar.

A questão não é simples, e não existe uma fórmula para resolvê-la.  Cada época  lidará com a questão à sua maneira, mas não consigo entender a criação de tabus (em sentido leigo, não sagrado, note-se) porque, isso sim, significa censura.  Por que falar em vagina  é imoral?  Não existe um jeito "moral" de falar, pensar, expressar e discutir a vagina?

Caretice, pô.
 
REFERÊNCIAS
 
DANTAS, Fabiana Santos.  Direito fundamental à memória.  Curitiba: Juruá, 2010.
 
PÊCHEUX, Michel. Papel da memória. In: ACHARD, Pierre et al. O papel da memória. Campinas: Pontes, p. 49-57, 1999.

 

3 comentários:

  1. Continuando a reflexão: será que esse conservadorismo não é uma reação aos movimentos "contra-culturais"? Será que essa não é a época de uma síntese, com ênfase nos valores contestados?

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  2. Desde de 2012 não consegui responder aos questionamentos do comentário anterior, mas consegui perceber um aprofundamento do conservadorismo no Brasil, ou sensação quase física de compressão ideológica. Redução ou perda de direitos (onde está o princípio da proibição do retrocesso)? A afirmação de uma interpretação classista de valores e instituições como a família, o Estado, em detrimento da diversidade.

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  3. http://www.revistaforum.com.br/2014/07/28/filosofo-russo-ja-morto-e-citado-como-suspeito-em-inquerito-rio-de-janeiro/

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