O Brasil é formalmente uma democracia desde a Constituição Federal de 1988. Faz pouco tempo, e ainda estamos desconstruindo a herança ditadorial, memória presente no nosso cotidiano através da manutenção de práticas violentas e intransparentes (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/09/censura-memoria-coletiva-e-direito.html).
Há 27 anos o Brasil tenta a construir a sua incipiente democracia. E isso não é nada fácil pois os padrões antidemocráticos estão profundamente enraizados na nossa mentalidade pública e privada. Entretanto, se há algo me causa profundo espanto é a naturalidade como essas práticas são reproduzidas.
Ver o sigilo tornar-se prática corriqueira da Administração Pública é muito preocupante. Nessa semana, o governo do Estado de São Paulo decidiu lacrar documentos relativos a transporte público (metrô), segurança (Polícia Militar) e saneamento (que compreende abastecimento e saneamento em sentido estrito), violando nesse último caso o princípio da informação ambiental, e em todos o princípio democrático.
Confira a notícia: http://noticias.r7.com/sao-paulo/alem-de-metro-e-sabesp-alckmin-impoe-sigilo-a-dados-da-policia-militar-15102015
Além de garantir o acesso à informação pública - que é um direito - o interesse público deve poder ser escrutinado pelos cidadãos. Como será possível fiscalizar a eficiência, a moralidade e a legalidade de atos governamentais se eles estão protegidos pelo silêncio e pelo esquecimento?
E não é demais lembrar que, no caso específico de São Paulo, há sérias denúncias envolvendo os temas sigilosos.
Estamos em uma fase da construção da democracia em que precisamos afirmar o óbvio: o cidadão tem o direito de saber, de fiscalizar, e de questionar o governo, qualquer governo, e suas práticas. Democracia não é só o direito de votar e ser votado, mas também o dever de participar ativamente nas escolhas relativas ao interesse público.
Infelizmente ainda existe uma grande confusão sobre o que é o "interesse público" (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2015/04/confusao-publico-privada-no-brasil.html), que permite a apropriação do público pelos particulares, mas também a contaminação do público por temas que só dizem respeito à esfera privada, inclusive em prejuízo da liberdade dos cidadãos.
Há mais um ponto que me preocupa nessa estória de abuso de sigilo. Lacrar documentos pode ser um ato de proteção ou de atentado à democracia, a depender dos motivos. Mas no Brasil também há uma prática, e essa é verdadeiramente prejudicial, de ocultar e destruir intencionalmente documentos.
Por causa da destruição intencional de documentos temos uma menor possibilidade de conhecer e enfrentar temas como a escravidão (e a queima de documentos por Ruy Barbosa, sempre encarada de forma bipolar http://www.revistaafro.com.br/mundo-afro/rui-barbosa-e-a-queima-de-arquivos-gesto-nobre-ou-condenavel/), tortura, ainda buscamos os desaparecidos, e todo dia vemos cidadãos vitimizados pela permanência dos padrões antidemocráticos.
Chega dessa interdição que prejudica a nossa democracia e a memória coletiva.
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