A preservação de bens culturais assenta-se na idéia de transmitir valores, significados e os suportes da memória coletiva em geral (bens materiais e imateriais) às gerações futuras, porque são considerados recursos, tal como acontece com os recursos naturais.
Há portanto uma idéia de solidariedade entre as gerações, que entre nós adquiriu o status de princípio interpretativo, como se pode observar do artigo 225, caput, da Constituição Federal.
Esse princípio da solidariedade intergeracional assenta em uma moderna noção de povo, formado por uma contínua geração de cidadãos, em seu conjunto unitário e multiforme, ou seja, do conjunto dos indivíduos que derivam da sucessão das gerações concretas (ROLLA, 2004, p. 142), e consiste na manifestação da racionalidade através dos tempos, evitando que as decisões tomadas hoje afetem negativamente a qualidade de vida das pessoas que sucederão (MARCHESAN, 2007, p. 155-158).
Duas questões se apresentam: será que estamos preservando os bens culturais adequados? Será que as futuras gerações nos honrarão e aos nossos antepassados, preservando esse legado?
A transmissão da memória depende de duas condições básicas: a primeira é a mútua inteligibilidade entre a pessoa ou geração que transmite e a que recebe as informações, o que exige a comunhão de vida e de discurso às vezes modificada pela rápida mudança social; e segundo, da permanente adaptação dessa memória aos tempos atuais para evitar que os conhecimentos e as próprias pessoas tornem-se obsoletas.
Só há verdadeira contradição entre o que foi legado e o que continuará sendo preservado quando há desacordo entre as gerações, portanto uma quebra da solidariedade, que é motivada pela insuficiente ou ineficaz transmissão de valores.
É fato que a nossa geração não deve impor o modo de vida das futuras gerações, determinando o encargo ad infinitum de preservar o que nós consideramos importante hoje. Então, vamos considerar que o patrimônio cultural preservado é transmitido com base em um pré-compromisso entre as gerações, que em sua dimensão positiva liberta as gerações futuras de preocupações obsoletas: como sintetiza Holmes (1999, p. 262), os mortos não devem governar os vivos, mas podem facilitar que governem a si mesmos.
E vamos também torcer para que as futuras gerações sejam melhores que nós mesmos.
REFERÊNCIAS
HOLMES, Stephen. El precompromiso y la paradoja de la democracia. In: ELSTER, Jon; SLAGSTAD, Rune. Constitucionalismo y Democracia. México: FCE, p. 217-262, 1999.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do Direito Ambiental. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.
ROLLA, g. Tutela de la identidad cultural y de la ciudadanía em los ordenamientos multiétnicos – la experiencia canadense. In: CALLEJÓN, Francisco Balaguer (coord.). Derecho Constitucional y Cultura – estudios em homenaje a Peter Häberle. Madrid: Tecnos, p. 131-148, 2004.
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