O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Receita de escândalo de corrupção no Brasil


Aqueles que me conhecem devem ficar surpreendidos com algumas receitas que aparecem aqui no blog (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/08/receita-de-tilapia.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/06/desafio-para-memoria-receita-de-vatapa.html, http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/02/receita-de-ditadura.html), já que é fato notório que eu não sei cozinhar, e nem tenho o interesse em fazê-lo.

O motivo para escrever essas receitas, como não poderia deixar de ser, é memorial  A idéia é  tirar lições gerais desses casos específicos, identificando regularidades e padrões. A memória é antes de tudo uma forma de sistematizar registros.

Todos os anos os brasileiros são surpreendidos e oprimidos por notícias de corrupção, independentemente do partido ou ideologia que esteja no governo.  A denominada "corrupção" parece ser uma mentalidade generalizada e enraizada nos representantes dos Poderes e instituições públicas e privadas brasileiras.Como, então, poderemos aprender e prever esses comportamentos, para realizar um controle político e administrativo eficiente?


Realizando uma análise comparativa dos últimos escândalos podemos identificar alguns padrões ou regularidades:


1) Vamos partir de uma premissa básica: o Brasil é o maior empresário brasileiro, e também o maior consumidor dos produtos de empresas brasileiras.  O Estado brasileiro consome uma gama enorme de produtos e serviços de empresas privadas e o seu orçamento é trilionário.  


2) A denominada corrupção acontece no âmbito da gestão de entidades públicas da Administração Direta (União, Estados, municípios e Distrito Federal) e Indireta (Autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista), em razão do caráter político das ações e indicações, e em sua relação com empresas públicas e privadas.  Portanto, os últimos escândalos giram em torno das contratações de bens e serviços (fraude nas licitações, superfaturamentos, empresas fantasmas).


3) Essas indicações políticas decorrem da existência de cargos e funções que são ocupadas politicamente. E o "politicamente" aqui significa que cada governo (Executivo) deve usar esses cargos para angariar apoio no Legislativo, utilizá-los para ocupar a máquina pública ou simplesmente agradar correligionários que passarão a auferir a remuneração do cargo, mesmo que não estejam preparados para exercê-los. 


4) Parece que no Brasil um problema grave é a quantidade de gente a agradar.  Por uma questão de lógica, a governabilidade nesses moldes deveria basear-se em menos e mais importantes cargos e não nessa miríade de apadrinhados.  Negociar apenas posições mais estratégicas fortaleceria o governo, porque as ofertas para apoio deveriam ser mais, digamos, consistentes e constantes. 


5)  Quando a máquina administrativa é ocupada pelos amigos, estabelece-se uma rede de solidariedade  que permite não só controlá-la (essencial ao real poder de mando), mas também que seja leal nos momentos difíceis. Essa rede de solidariedade é financiada basicamente de duas maneiras:  através dos desvios de dinheiro e de finalidade , ou através do pagamento de parte das remunerações recebidas pelos apadrinhados ao padrinho.  Há relatos de uma prática esquisita de devolver uma parte da  remuneração ao padrinho, e é por isso que tantos servidores fantasmas assombram a máquina administrativa.


6) O grande número dos chamados "cargos de confiança" pode ser um bom indício dessas práticas.  Bem entendido, a existência de cargos de confiança não é um problema, visto que o gestor deve poder nomear aquelas pessoas considera aptas, independentemente da necessidade de realização de um concurso público, até mesmo porque esses cargos são transitórios.  Os problemas dos cargos de confiança no Brasil são: 


a)  A quantidade.  É muita gente em quem confiar, e certamente a manutenção da confiança é diretamente proporcional à regularidade da generosidade governamental.


b) A forma de provimento.  Cargos de confiança com perfil técnico devem ser ocupados por quem tem as habilidades necessárias para exercê-los.  Nas denominadas agências reguladoras e executivas, cuja existência nasceu de uma necessidade técnica, é ilógico que os cargos de gestão não tenham esse perfil.  No mínimo a pessoa indicada deveria ter um profundo conhecimento sobre a área em questão.

c) São os cargos de confiança que tomam as decisões estratégicas para a máquina administrativa.  Ou seja, pessoas que não necessariamente integram o corpo estatal, e que lá estão de forma precária e temporária, acabam tomando as decisões mais importantes para todos nós.

Além disso, não devemos esquecer que a máquina administrativa brasileira não evoluiu do ponto de vista estrutural e institucional desde a época da ditadura militar (cf. Decreto-lei nº 200/67).

Portanto, e como é óbvio, os escândalos vão acontecer em qualquer estrutura governamental que detenha o perfil acima. E isso só vai mudar quando mudarem as formas de relacionamento entre o governo e seus apoios, principalmente no Legislativo; a identificação das prioridades públicas (interesse público predominante e reconhecido, o que não se confunde com o interesse governamental)e o aumento do controle eficaz da ações governamentais, inclusive prevendo formas de participação popular na tomada de decisão administrativa.

Einstein dizia que não há maior sinal de loucura do que fazer uma coisa repetidamente e esperar cada vez um resultado diferente.  O resultado será sempre o mesmo, se mantidas as práticas, a mentalidade e a estrutura que gera escândalos.

16 comentários:

  1. Os discursos de posse do governo federal foram interessantes: ênfase na necessidade do combate à corrupção, sem referência à alterações estruturais da Administração Pública, e o reconhecimento por alguns ministros de sua falta de experiência e de conhecimento nas específicas áreas de atuação (cf. http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministros-de-partidos-aliados-admitem-inexperiencia-nas-areas-que-vao-gerir,1614858).

    ResponderExcluir
  2. Confiram a reportagem: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,partidos-da-base-iniciam-guerra-por-cargos-do-segundo-escalao-do-governo,1615115. Cargos de confiança, inúmeros.

    ResponderExcluir
  3. Sobre a relação Executivo- Legilslativo-cargos de confiança, cf. http://www.politicalivre.com.br/2015/01/renan-avisa-a-ministros-que-pmdb-podera-se-tornar-independente-no-senado/

    ResponderExcluir
  4. A recém-empossada governadora do Estado de Roraima - Suely Campos - resolveu nomear entre 15 e 19 familiares para exercer cargos públicos. Segundo foi veiculado pela imprensa, em nota oficial (que eu ainda não encontrei, mas quando achar vou guardar com carinho), a Sra. Governadora afirmou que: "o governo de Roraima espera tratamento isento e igualitário dos órgãos de fiscalização do poder público, considerando que é uma prática comum na história de Roraima a nomeação de pessoas próximas aos gestores para ocupar importantes secretarias, tanto na esfera estadual como municipal". cf. http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/01/08/governadora-de-roraima-admite-nepotismo-mas-critica-mp-por-pedir-exoneracoes.htm

    ResponderExcluir
  5. Outra vertente bem explorada é a percepção de benefícios indevidos, que vão desde o desvio direto de dinheiro público, passando pelo superfaturamento de bens e serviços e a percepção de benefícios sociais indevidos, como o bolsa família, por pessoas que dele não necessitam.

    ResponderExcluir
  6. A falta de clareza do que é o "interesse público" parece ser a raiz dos males de gestão no Brasil. A confusão entre o público e o privado entre nós assume contornos dramáticos. Confira-se a corrupção investigada pela Operação Zelotes.

    ResponderExcluir
  7. No mês de maio de 2015 foram distribuídos 70 cargos no governo federal para indicação do legislativo, em diversas entidades da Administração Indireta e órgãos da Administração direta. E por que esses cargos foram distribuídos aos deputados e senadores, que indicam quem os irá ocupar? Será que o critério é técnico?

    ResponderExcluir
  8. Observe-se: http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/07/30/entrevista-com-eliseu-padilha/. Distribuição de cargos do terceiro escalão em agosto de 2015.

    ResponderExcluir
  9. Nessa semana, o noticiário aponta para o desejo, que espero que se torne ação, de uma reforma administrativa. É mentira, e uma generalização leviana, dizer que a máquina estatal está inchada, porque qualquer serviço público no Brasil é subdimensionado, como comprovam as inúmeras filas para tudo, a demora em atender necessidades e o funcionamento capenga de quase tudo.

    Uma reforma administrativa responsável deve basear-se em planejamento, com princípios, metas claras (mesmo que depois sejam dobradas e triplicadas), ações eficazes, orçamentos realistas e métodos de avaliação que sirvam de verdade. Cortar Ministérios e cargos pode ser um bom começo, mas não vai significar nada se não for feito dentro de um contexto.

    ResponderExcluir
  10. Vou acrescentar outro fator: a questão da terceirização. Há uma grande quantidade de postos disponíveis, pagos pelo dinheiro público, que não são cargos de confiança mas acabam seguindo a mesma lógica.

    ResponderExcluir
  11. O resultado é a tomada hostil da máquina pública para gerar receita para grupos privados.

    ResponderExcluir
  12. As delações premiadas vêm revelando uma rede paralela ao Estado, que com ele mantêm uma relação parasitária e, no meu entender, se retroalimenta. A grande discussão sobre financiamento privado de campanha, e a forma como é feita no Brasil (inclusive com propinas disfarçadas de contribuições eleitorais), mostra a estratégia de manutenção do esquema, independentemente dos personagens.

    ResponderExcluir
  13. Não, a "origem da corrupção" do Brasil não decorre da semente do mal de havermos sido colonizados por criminosos e degredados. O pecado original, se é que ele existe, é uma semente que não explica a árvore.

    ResponderExcluir
  14. As causas da corrupção no Brasil vão muito além da colonização portuguesa, é óbvio.

    ResponderExcluir
  15. Farra das passagens aéreas, do legislativo federal. http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/os-443-ex-deputados-denunciados-na-farra-das-passagens/

    ResponderExcluir