O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









domingo, 26 de junho de 2011

Esquecedouros: Lixão

Na série "Esquecedouros" procuramos identificar lugares que propiciam o esquecimento. Já comentamos sobre três deles: L'Oubliette e "disappointment room" (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros.html ) e a roda dos enjeitados ou expostos (cf.http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros-roda-dos-enjeitados.html).


Hoje gostaria de pensar sobre o "Lixão", esse lugar mítico para onde vão todas as coisas que deixaram de ser importantes, que foram descartadas, e por isso serão esquecidas.


O destino da res derelicta - categoria jurídica das coisas que deixaram de ser de alguém e que são suscetíveis de aquisição originária do direito de propriedade por ocupação - é ser esquecida, transformada e, se der sorte, reciclada.


Mas, de fato, no lixão não esquecemos só coisas. Esquecemos também as pessoas que lá residem e fazem da catação e reciclagem do nosso lixo o seu modo de vida. Parece que a nossa sociedade não está interessada em conhecer o resultado do seu consumo, do ponto de vista sócio-ambiental: há alguns anos, no Lixão da minha cidade, houve a denúncia de que as pessoas que lá trabalhavam estavam se alimentando de restos e produtos com a validade vencida.


Se você não acha chocante alguém se alimentar de restos, significa que está se tornando indiferente, pois o "homem que habita entre feras sente a inevitável necessidade de também ser fera", como diria Augusto dos Anjos. A gente se acostuma, se torna banal, logo não é memorável.


Mas vou dizer o que eu nunca esqueci: essas pessoas daqui estavam comendo restos hospitalares, carne humana que foi retirada cirurgicamente. Não acredita? Eu também não, mas não duvido. Não importa se é verdade porque mesmo que não tenha acontecido ( e aconteceu, cf. http://br.groups.yahoo.com/group/pgrss/message/167), o problema é que criamos uma realidade em que estórias como essa são plausíveis.


O lixão é um lugar para esquecer coisas e pessoas derelictas. Mas no fim, como bom depósito que é, pode se tornar também um lugar da memória: já há um grande interesse acadêmico em analisar lixões com os métodos da arqueologia.


A denominada "Arqueologia do Lixo" pode transformar objetos abandonados e esquecidos em fonte primária do conhecimento. Imaginem quanta informação há nos lixões sobre os nossos hábitos de consumo, os remédios que tomamos, nossa alimentação. Enfim, é o retrato do nosso modo de vida aterrado(r).

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