O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









quinta-feira, 23 de junho de 2011

Festas juninas

Hoje, dia 23/06, é feriado de Corpus Christi. Sobre o corpo de Cristo, cf. o post http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/fazei-isso-em-memoria-de-mim.html.

Gostaria mesmo de falar sobre os festejos do ciclo junino, que na minha região são realmente muito importantes e constituem uma parte interessante e viva do nosso patrimônio imaterial.

Em junho, todo mundo aqui (católicos e não católicos) homenageia dois santos principais: Santo Antônio e São João.

Santo Antônio (de Lisboa) é homenageado até o dia 13 de junho, data do seu falecimento, e seus restos mortais encontram-se na Basílica de Pádua. Pelo Brasil inteiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, Santo Antônio é lembrado e reverenciado.

Muito diferente ocorre em outras localidades, em que a relação com o Santo é mais utilitária. Na minha região, por exemplo, Santo Antônio é visto como "Casamenteiro", ou seja, alguém a quem as moças podem pedir o milagre de um casamento, através de rituais específicos chamados "simpatias".

Uma simpatia muito interessante que tem aqui na minha terra é: pegar um facão virgem e à meia-noite, enterrá-lo no caule de bananeira fazendo orações. Dizem que, no dia seguinte, ao retirar o facão, a letra inicial do nome do futuro marido aparecerá.

Por que essas simpatias são tão difíceis de fazer? Acho que para desencorajar o povo. Não tem simpatia de comer hamburguer. Não...tem sempre que ser à meia noite, com espelho virgem, vela virgem, boa intenção, reza, no meio do bananal. Acho que é para tornar a pessoa digna da graça pedida.

Essas simpatias (pequenos feitiços de atração) visam a obter a ajuda do santo para arrumar um casamento, qualquer casamento. E, para garantir a sua cooperação, as moças podem até recorrer à ameaça e à intimidação: maltratam o santo, colocam uma imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo, às vezes dentro da água, enterram o coitadinho e só o libertam do cativeiro se ele conseguir um marido para elas.

Nunca soube de Santo Antônio ser responsabilizado por divórcios. Para se livrar dos maus tratos basta conseguir qualquer casamento para as moças desesperadas. Também nunca ouvi falar de simpatias masculinas para Santo Antônio.

Já com São João (Batista) a relação é mais respeitosa. Os festejos em sua homenagem, aqui na minha região, são bem específicos: têm comidas típicas do período, sempre à base de milho (pamonha, canjica). Aqui a pamonha é doce, mas no sul do país é salgada e, para o meu gosto, muito melhor.

Tem música específica, que agora é tocada durante o ano todo, por exemplo, forró, baião.

Tem vestimentas específicas: as moças e rapazes da cidade caricaturam o personagem "matuto", que por ser um morador do interior da região, geralmente dedicado à agricultura, era de baixa renda (pobre). Por isso, a caricatura da fantasia mostra roupas de tecido pobre (chita), geralmente com remendos de tecido diferente, dentes podres e marca de sol (sardas). A fantasia é complementada por um chapéu de palha, que é equipamento de proteção individual para quem trabalha no sol.

Detesto essa caracterização, especialmente porque essa memória além de pejorativa não corresponde à realidade. É a diferença entre tradição e mau hábito, que discutimos no post http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/04/tradicao-e-mau-habito-quando-memoria.html.

Tem danças específicas, por exemplo, a quadrilha junina. Essa dança tem origem francesa, e muitos dos seus passos ainda são chamados em francês, mas aportuguesados lá do nosso jeito: alavantú, anarriê, balancê...Falar em francês é fácil, é só botar um acento circunflexo na última vogal.

Mais do que uma simples dança, a quadrilha matuta é uma encenação de um drama familiar comum antigamente: o casamento forçado. Existem personagens na quadrilha que encenam uma situação ainda vista nos dias de hoje: a noiva (geralmente grávida), o noivo (obrigado a casar porque perfurou hímen sem contrato), o pai da noiva (armado com um fuzil papo amarelo apontado para o noivo), o padre que celebra o casamento forçado, e o delegado e policial, para garantir a reparação do buraco indevido.

Evidentemente, quando eu assisto o casamento matuto sei, porque sou advogada e prestei atenção às aulas de Direito Civil, que se trata de negócio jurídico nulo por coação vis absoluta.

Enfim, há também a fogueira que, dizem, simboliza o ato de comunicação do nascimento de São João pela avó de Jesus, Santa Ana. Ela acendeu uma fogueira para avisar nossa senhora do nascimento do sobrinho. Não sei se essa versão é mais correta, mas é a que me foi passada pela tradição.

Então, Feliz São João!

11 comentários:

  1. Rodapé: Passos da quadrilha junina

    "Anavantur (em avant tout) - anarriê (em derrière) - balancê (balancer) - travessê de cavalheiros (travesser) - travessê de damas - travessê geral - granmuliné - otrefoá (autrefois) - grande roda - damas ao centro - damas à direta e cavalheiros à esquerda e vice-versa - preparar para a cesta - olha a cesta - desmanchar - grande roda à esquerda - passeio na roça - avanço de damas e cavalheiros - preparar para a chuva - é mentira - olha a chuva - choveu - passou - seus lugares. Balancê - moinho - lacinho do amor à direita e à esquerda - seus lugares - balancê - preparar um pequeno galope - balancê - anavantur - preparar o grande túnel - começar - anarriê - seus lugares. Balancê - preparar para o grande galope - começar - desmanchar - balancê - passeio a dois - retournê - seus lugares. Anavantur - anarriê - passeio na roça pelo meio - damas para um lado - anavantur - preparar para o serrote - passeio na roça com roda - passeio do amor à esquerda - retournê - seus lugares. Preparar para o desfile - primeiro as damas - agora os cavalheiros - seus lugares - preparar para o galope - começar - seus lugares. Changê de damas - changê de cavalheiros - anavantur - anarriê - balancê - grande roda - preparar para o granchê - começar - retournê, grande roda à direita e à esquerda - preparar para o túnel - começar - grande roda - balancê na grande roda - preparar para o caracol - começar - retirê – c’est fini".

    Fonte: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=188&Itemid=1

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  2. Tu sabia que eu nunca gostei de dançar quadrilha. So ia pq era obrigada!

    Eu queria mesmo era ser o que dà as ordens no microfone... :D

    __________________
    P.S. : Acho q a tradução ficaria melhor assim:

    Alavantu = à l'avant touS! = Para frente todos!

    Anariê = à l'arrière! = Para tràs!

    BalanceZ = Balancem!

    Grand Moulin d'autrefois (granmuliné - otrefoá) = Grande moinho de antigamente = grande roda!

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  3. Deixa eu ver se entendi: esse "Blog Mnemônico" é pra falar de coisa velha, é?
    Bom, se for, acho que eu estou no lugar certo, pois tenho umas coisinhas pra contribuir.

    Agora, sobre Santo Antonio, ele já foi, há muito, substituído por São José. Dizem que Santo Antonio arruma qualquer marido, enquanto São José só maridos bons. Tem muita moça rezando errado por aí. Modéstia à parte, acho que fui pedido a São José, embora minha esposa negue de pés juntos.

    Quanto a São João, continua sendo, sim, o santo com que a gente da roça julga ter mais intimidade. Tanto que, em uma das músicas de Luiz Gonzaga, pede-se a São João dos Carneirinhos, que é tão bonzinho (bajulando mesmo),pra falar com São José pra ele arrumar vinte espigas em cada pé. Ou seja, não se pede a São José diretamente, mas ao advogado São João.

    Enfim, vou acompanhar teu blog e, de vez em quando, dar meus pitacos masculinos e machistas.

    Boas festas juninas para todos!

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  4. A gente vai ter que passar essa estoria a limpo perguntando pra Amanda. Ahahaha

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  5. Oi, Alexandre!

    Seja bem vindo! Esse blog (fórum) é pra falar de coisas velhas e antigas, novas e bulindo!

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  6. @ Denise:

    Rapai, a tua tradução dos passos da quadrilha ficou mais inteligível.

    Eu nem imaginava que tinha tanta reminiscência francesa...

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  7. No ano de 2013, eu fui a pamonha. Fiquei gripada e não consegui sair nem para ver as fogueiras de São João. Não comi nenhuma comida de milho.

    No próximo ano, vou comemorar o São João profundamente. Está decidido.

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  8. Valei-me, meu São João! Acuda, meu Santo Antônio! Nesse ano de 2014 não vou comemorar as Festas Juninas de novo simplesmente porque vai ter Copa do Mundo no Brasil.

    Ficou tudo para 2015. Está decidido.

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  9. Acertando o passo para as festas juninas em 2016!

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  10. Bandeirinhas coloridas, chuva, fogos de artifício, fogos molhados, balões (nem pensar, um perigo), fogueira, arraial, vestido colorido, comida de milho. Feliz São João!

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