O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Esquecedouros - Cemitérios

Ontem, dia de finados, foi dia de refletir sobre os cemitérios, uma das mais antigas manifestações culturais da Humanidade, datando do período neolítico, onde desenvolvem-se alguns dos mais importantes ritos de passagem dos mortos, por exemplo, o velório, as exéquias, luto público, as condolências e o sepultamento (THOMAS, 1996, p. 9).

O ato de sepultar, em geral, representa uma forma de dignificar e organizar o futuro do morto, permitindo a sua sobrevivência memorial. Ao contrário, negar o direito ao sepultamento pode significar uma forma de vingança ou punição contra o falecido, como se vê na Antígona de Sófocles.

O tratamento conferido aos restos mortais, especificamente quanto à corrupção do corpo, pode ocorrer de quatro maneiras básicas, que acabam por determinar o tipo de cemitério que será produzido: na corrupção acelerada, pretende-se o desfazimento rápido do cadáver, que geralmente fica exposto à ação de animais; outro tipo é a corrupção consentida mas oculta, quando o cadáver é deixado às intempéries, mas escondido (em cima de árvores, por exemplo); na inumação, o corpo é enterrado e desintegra-se sem ser visto; e finalmente, a corrupção proibida, quando se impõe o uso de técnicas de preservação para conservar (defumar, dessecar ou embalsamar) ou destruir sem corrupção, como ocorre na cremação ou ingestão de partes ou cinzas dos cadáveres pelos parentes (THOMAS, 1996, p. 9).

Em algumas culturas, o rito fúnebre serve de vetor da coesão social porque mostra a continuidade do grupo a despeito do desaparecimento dos indivíduos, que inclusive continuam a integrar o corpo social na condição de antepassados, honrados através de eventos específicos (BAYARD, 1996, p.16). O dia de finados, conforme Le Goff (2000, p. 32), foi criado no século XI para celebrar a memória dos falecidos, com pesar ou festa, tal como ocorre no México.

No Brasil predomina a inumação, adotada com fins sanitários, havendo uma tendência atual da instalação de crematórios, não por razões religiosas mas de otimização do espaço e por necessidades de higiene. Em razão das exigências da vida moderna, nas grandes cidades os ritos fúnebres tornaram-se cada vez mais rápidos e menos carregados de simbolismo, o que evidentemente contribui para um exercício cada vez menor da memória.

A mudança dos ritos funerários, a pressa da vida moderna e a ausência de um ritual específico de afirmação da presença dos falecidos, salvo no dia de Finados, faz dos cemitérios um esquecedouro. E por fim, eles mesmos acabam sendo esquecidos.

É triste ver o abandono de alguns cemitérios brasileiros, que também são lugares de memória histórica e repositórios de arte tumular, mas que por preconceito, medo ou ignorância, não conseguem ser vistos como locais de visitação e de aprendizado.


REFERÊNCIAS

BAYARD, Jean-Pierre. Sentido oculto dos ritos mortuários – morrer é morrer?. São Paulo: Paulus, 1996.

DANTAS, Fabiana Santos. Direito fundamental à memória. Curitiba: Juruá, 2010.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Lisboa: Edições 70, 2000.

THOMAS, Louis-Vincent. Prefácio. In: BAYARD, Jean-Pierre. Sentido oculto dos ritos mortuários – morrer é morrer? São Paulo: Paulus, 1996.

3 comentários:

  1. Então, volto aqui justamente pra te dizer que cemitério não é necessariamente esquecedouro. No caso do cemitério de Najaf, foi o que permitiu lembrar do Califa Ali até hoje. Para alguns islâmicos é um lugar sagrado, exigindo-se de um praticante a sua visita, tanto quanto se ir à Mecca ou à Jerusalém. Tal exigência fez então que o cemitério e especialmente a pessoa ali enterrada não fossem esquecidos.

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  2. Exatamente. Mas na sociedade brasileira, em que os ritos fúnebres estão cada vez mais rápidos, e a tradição de cultivar a memória dos mortos está decaindo, eles estão se tornando esquecedouros.

    Quem aqui visita o túmulo dos bisavós?

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