O brasileiro não tem memória.

Neste blog desmascaramos esta mentira.









quinta-feira, 30 de junho de 2011

Saudades - Florbela Espanca

Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?...
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quê?... Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

ESPANCA, Florbela. Sóror Saudade. In: Poesia de Florbela Espanca. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.190.

A questão da efetividade no Direito Brasileiro: deficiência de educação normativa.

O Direito Brasileiro tem problemas crônicos de efetividade, assim entendido o poder de realizar concretamente os comandos normativos.

Dizendo de outra maneira: o Direito é um instrumento, e como tal deve funcionar para o propósito a que se dispõe. No caso a finalidade é regular e estruturar as relações interpessoais, de modo que sejam "normais", "padronizadas", punindo aquelas que são "desconformes". Essa é a síntese mais simples.

Se o Direito não funcionar, não moldar efetivamente as relações interpessoais, então ele não é útil. E o que acontece com os instrumentos inúteis? Acabam no lixão físico ou simbólico, tal sapato velho, colher quebrada e xícara sem asa.

A questão é saber porque as normas não são efetivas. No Direito Brasileiro há "leis que pegam" e "leis que não pegam". Quais fatores fazem uma lei pegar? Quais fatores determinam a sua pouca pegação?

Os fatores são variados e se inter-relacionam, tornado o fenômeno complexo. Entretanto, hoje escolhi um desses fatores para iniciar a discussão: a falta de educação normativa do brasileiro.

Sei que é lugar-comum falar do "problema da educação no Brasil" mas, efetivamente, os brasileiros em geral não são educados para cumprir normas. E não há, ao longo de nossa existência como cidadãos, uma política pública educacional para estimular (avivando a memória) o cumprimento preciso das normas.

Ao contrário, a nossa memória coletiva guarda alguns valores esquisitos em uma República Democrática de Direito: no Brasil, quem cumpre regras rigorosamente é logo apelidado de caxias, otário, esquisito.

Essa deficiência na educação normativa do cidadão faz com que cada um tenha uma maneira muito criativa de interpretar as normas sociais, que acabam sendo cumpridas lá do jeito individual mesmo, e às vezes em detrimento do coletivo.

Vamos concordar que é difícil exemplificar a "educação normativa como variável negativa da efetividade do Direito". Então resolvi desenhar:

Olha aí uma norma simples na maioria dos cantos do globo: um semáforo que indica Pare, atenção e siga:



Olha essa norma gráfica na nossa interpretação, esse jeitinho brasileiro de ver a norma:



Analisando: Vermelho - Pare
Vermelho-amarelado: o sinal já ficou vermelho há um tempo considerável, mas mesmo assim há quem resolva ultrapassar.
Amarelo-avermelhado: o sinal está vermelhinho há pouco tempo, então não faz mal passar, especialmente se considerarmos que o brasileiro só anda atrasado e é quase atavicamente impontual.
Amarelo - Atenção!
Amarelo-esverdeado - Atenção reduza (para poucos)
Verde-amarelado: o sinal já está amarelo, mas há pouco tempo, então a regra é ACELERAR!!.
Verde. Siga. No caso do trânsito brasileiro é Sigo e se dane quem estiver na frente.
Vermelho-esverdeado: O sinal está vermelho há muito tempo, mais tempo do que qualquer outro sinal vermelho de bom-senso ficaria, então é hora de passar, porque todo mundo faria o mesmo.

Não é que o brasileiro não cumpra normas. O problema é que no Brasil a norma não é cumprida com precisão, as pessoas inventam motivos e pretextos para flexibilizar a aplicação e o cumprimento, devido à falta de educação normativa.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Tecnologia obsoleta: Cinto de Castidade

Esta série é para lembrar de objetos que já foram imprescindíveis para as pessoas, mas que por variadas razões, não são mais utilizados.

Escolhi um objeto interessante para iniciar essa nossa reflexão: o cinto de castidade. Olha aí um belo exemplar de seguro contra a infidelidade feminina:



Coloquei a foto de cabeça para baixo para dar uma idéia de como o objeto funcionava. Sintetizando, parece haver um cinto vermelho que é colocado na cintura da pobre fêmea, uma parte frontal (menor) para a vagina, e uma parte traseira (maior), onde se pode perceber um buraco que deve servir para expelir os sólidos fisiológicos.

Taí uma vantagem desse modelo de cinto: o cocô sai em formato de flor, como fazem os confeiteiros de bolo.

A parte frontal é unida à parte traseira por uma junção de metal que servia para cobrir a entrada da vagina, o portal do pecado.

Outros tipos de cintos de castidade:



Percebam que há alguns decorados, outros maiores e menores, para se adaptar perfeitamente às exigências da mulher moderna da época. Tem até a chavezinha do lado, um encanto.

A questão é: por que os cintos de castidade deixaram de ser usáveis? Será que acabou a infidelidade feminina?

Não! A obsolescência, e o esquecimento do uso que a segue, ocorre porque mudaram as estruturas culturais que tornaram possível a existência dos cintos de castidade. Hoje, a "castidade" é obtida por meios mais, digamos, voluntários e espirituais.

Não podemos esquecer que esses objetos existiram, mas (que bom!) eles não são mais usados forçadamente.

Post scriptum: Na verdade, acho que o objetivo não era garantir a fidelidade feminina, mas sim a origem (paternidade) da prole. Seria muita ingenuidade limitar as possibilidades de traição ao uso dos genitais, não acham?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A guerra da Líbia: ordem de prisão para Kadhafi.

Nós aqui no blog acompanhamos o desenrolar da já denominada "Primavera Árabe", em inúmeros posts.

A situação da Líbia é particularmente interessante, do ponto de vista jurídico, como já analisamos nos posts a guerra da líbia (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/03/guerra-da-libia.html) e receita de ditadura (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/03/guerra-da-libia.html

Agora, mais um capítulo desta história que, mesmo antes de ser escrita, já é memorável. Olha a notícia publicada no sítio http://br.noticias.yahoo.com/tpi-decide-pedido-pris%C3%A3o-muamar-kadhafi-114925296.html

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TPI emite ordem de prisão contra dirigente líbio Muamar Kadafi

Por Nicolas Delaunay AFP – 2 horas 0 minutos atrásConteúdo relacionadoO TPI, que assumiu o cargo em 2002, não possui uma força policial e depende da vontade …
O Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou nesta segunda-feira ter emitido uma ordem de prisão contra o líder líbio Muamar Kadhafi, segundo chefe de Estado perseguido pelo TPI depois do presidente sudanês Omar al-Bashir.

"A câmara emite uma ordem de detenção contra Muamar Kadhafi", declarou a juíza Sanji Mmasenono Monageng, durante uma audiência no TPI, cuja sede fica localizada em Haia.

"Há motivos razoáveis para acreditar que (...) Muamar Kadhafi, de forma coordenada com seu entorno próximo, concebeu e orquestrou um plano destinado a reprimir (...) a população contrária ao seu regime", ressaltou a juíza.

Os juízes também lançaram ordens de prisão por crimes contra a Humanidade contra o filho de Kadhafi, Seif al-Islam, e o chefe do serviço de inteligência líbio, Abdullah al-Senussi, como havia solicitado o procurador Luis Moreno-Ocampo.

A emissão desses mandatos ocorre no momento em que a campanha de bombardeios da Otan para ajudar os rebeldes já dura 100 dias, e o conflito parece se estagnar. Mas Kadhafi permanece no poder.

Os três homens são acusados de serem responsáveis por assassinatos e perseguições cometidas pelas forças de segurança líbias contra a população civil, desde que eclodiu a revolta popular em meados de fevereiro, principalmente em Trípoli, Benghazi e Misrata.

A revolta na Líbia causou milhares de mortes, segundo o procurador do TPI. A repressão provocou também a fuga para o exterior de 650.000 líbios e o deslocamento interno de 243.000, segundo a ONU.

Domingo, em nome da África, o presidente sul-africano Jacob Zuma se disse indignado com a Otan, destacando que não há um mandato da ONU para efetuar "o assassinato político" de Kadhafi.

Entretanto, nesse mesmo dia na Líbia a rebelião fez as forças de Kadhafi retroceder 20 km, e estava a cerca de 50 km da capital, avançando no cerco estratégico de Bir al-Ghanam.

De acordo com o ministro das Relações Exteriores francês Alain Juppé, "houve contatos" entre representantes do regime líbio e insurgentes, relativos em particular ao destino de Kadhafi, que se nega a deixar o poder.

A solicitação feita no dia 26 de fevereiro pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o promotor do TPI iniciou sua investigação em 3 de março.

"As provas mostram que Kadhafi concebeu um plano para reprimir por todos os meios as manifestações populares de fevereiro, incluindo a violência extrema e homicida", afirmou Moreno-Ocampo em seu pedido.

Seif al-Islam, de 39 anos, "primeiro-ministro de fato", e Abdullah al-Sanussi, de 62 anos, o braço direito do coronel Kadhafi, "desempenharam um papel-chave na instauração deste plano", segundo Moreno-Ocampo.

Só um chefe de Estado em exercício, o presidente sudanês Omar al-Bashir, é até agora alvo de um mandado de detenção do TPI. Procurado por genocídio, crimes contra a Humanidade e crimes de guerra em Darfur (Sudão), Bashir não reconhece a autoridade do TPI, que desafia regularmente.

O TPI, que assumiu o cargo em 2002, não possui uma força policial e depende da vontade dos Estados para a execução das ordens de prisão.

Esse tribunal tem jurisdição sobre a Líbia em virtude da resolução do Conselho de Segurança de 26 de fevereiro, algo questionado pelas autoridades líbias, que afirmam que suas decisões não são referentes ao país, já que este não ratificou o Tratado de Roma, que o criou.

O TPI é o primeiro tribunal internacional permanente encarregado de processar os supostos autores de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra."

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A caracterização do genocídio neste caso ainda não ficou clara, como havíamos comentado no post http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/03/genocidio-e-memoria.html, mas como se trata de um processo e não de um ato isolado de extermínio, só será possível avaliar as dimensões da tragédia quando a primavera chegar para os líbios.


domingo, 26 de junho de 2011

Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido - Soneto de Luís Vaz de Camões

Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.

Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos"

Esquecedouros: Lixão

Na série "Esquecedouros" procuramos identificar lugares que propiciam o esquecimento. Já comentamos sobre três deles: L'Oubliette e "disappointment room" (cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros.html ) e a roda dos enjeitados ou expostos (cf.http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros-roda-dos-enjeitados.html).


Hoje gostaria de pensar sobre o "Lixão", esse lugar mítico para onde vão todas as coisas que deixaram de ser importantes, que foram descartadas, e por isso serão esquecidas.


O destino da res derelicta - categoria jurídica das coisas que deixaram de ser de alguém e que são suscetíveis de aquisição originária do direito de propriedade por ocupação - é ser esquecida, transformada e, se der sorte, reciclada.


Mas, de fato, no lixão não esquecemos só coisas. Esquecemos também as pessoas que lá residem e fazem da catação e reciclagem do nosso lixo o seu modo de vida. Parece que a nossa sociedade não está interessada em conhecer o resultado do seu consumo, do ponto de vista sócio-ambiental: há alguns anos, no Lixão da minha cidade, houve a denúncia de que as pessoas que lá trabalhavam estavam se alimentando de restos e produtos com a validade vencida.


Se você não acha chocante alguém se alimentar de restos, significa que está se tornando indiferente, pois o "homem que habita entre feras sente a inevitável necessidade de também ser fera", como diria Augusto dos Anjos. A gente se acostuma, se torna banal, logo não é memorável.


Mas vou dizer o que eu nunca esqueci: essas pessoas daqui estavam comendo restos hospitalares, carne humana que foi retirada cirurgicamente. Não acredita? Eu também não, mas não duvido. Não importa se é verdade porque mesmo que não tenha acontecido ( e aconteceu, cf. http://br.groups.yahoo.com/group/pgrss/message/167), o problema é que criamos uma realidade em que estórias como essa são plausíveis.


O lixão é um lugar para esquecer coisas e pessoas derelictas. Mas no fim, como bom depósito que é, pode se tornar também um lugar da memória: já há um grande interesse acadêmico em analisar lixões com os métodos da arqueologia.


A denominada "Arqueologia do Lixo" pode transformar objetos abandonados e esquecidos em fonte primária do conhecimento. Imaginem quanta informação há nos lixões sobre os nossos hábitos de consumo, os remédios que tomamos, nossa alimentação. Enfim, é o retrato do nosso modo de vida aterrado(r).

quinta-feira, 23 de junho de 2011

CAMPANHA CONTRA A CARACTERIZAÇÃO PEJORATIVA DOS MATUTOS E CONTRA O CASAMENTO FORÇADO NA QUADRILHA

No post Festas Juninas procurei demonstrar toda a minha indignação pela representação maldosa do chamado matuto ou caipira. cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/festas-juninas.html

Sempre retratado pobremente, suas vestimentas remendadas e dentes podres, acho que é um retrato muito triste dos nossos trabalhadores rurais. O exagero típico da caricatura faz com que os vestidos de tecido barato sejam sempre cheios de babados e fitas, adereços risíveis e de mau gosto.

Ser matuto é visto como defeito: é pessoa envergonhada, que não consegue se expressar eficientemente, que tem vergonha de fazer refeições em público, chama de bicho do mato.

Essa tradição é um mau hábito: as pessoas continuam reproduzindo essa visão pejorativa do matuto inconscientemente, sem se dar conta que podem ofender as pessoas. É uma memória coletiva construída com base no preconceito que precisa ser conhecida, evidenciada e superada.

O matuto não precisa ser desdentado, nem ter dentes podres, se no seu município a Prefeitura dispuser de serviço odontológico de qualidade e gratuito.

Faz tempo que as meninas não usam vestido de chita remendado, e se usarem, que mal tem?

PAREM de forçar as moças a casar para reparar buraco, como é representado na quadrilha junina.

Sei que nas novas quadrilhas estilizadas já não aparece esse casamento matuto de forma tão dramática mas, na verdade, elas não contam estória nenhuma e estão mais para corpo de baile coreografado.

SOU CONTRA a modificação da quadrilha junina, mas como não danço quadrilha, nem tenho legitimidade para falar. APENAS SOU CONTRA.

Festas juninas

Hoje, dia 23/06, é feriado de Corpus Christi. Sobre o corpo de Cristo, cf. o post http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/fazei-isso-em-memoria-de-mim.html.

Gostaria mesmo de falar sobre os festejos do ciclo junino, que na minha região são realmente muito importantes e constituem uma parte interessante e viva do nosso patrimônio imaterial.

Em junho, todo mundo aqui (católicos e não católicos) homenageia dois santos principais: Santo Antônio e São João.

Santo Antônio (de Lisboa) é homenageado até o dia 13 de junho, data do seu falecimento, e seus restos mortais encontram-se na Basílica de Pádua. Pelo Brasil inteiro, especialmente nas regiões Sul e Sudeste, Santo Antônio é lembrado e reverenciado.

Muito diferente ocorre em outras localidades, em que a relação com o Santo é mais utilitária. Na minha região, por exemplo, Santo Antônio é visto como "Casamenteiro", ou seja, alguém a quem as moças podem pedir o milagre de um casamento, através de rituais específicos chamados "simpatias".

Uma simpatia muito interessante que tem aqui na minha terra é: pegar um facão virgem e à meia-noite, enterrá-lo no caule de bananeira fazendo orações. Dizem que, no dia seguinte, ao retirar o facão, a letra inicial do nome do futuro marido aparecerá.

Por que essas simpatias são tão difíceis de fazer? Acho que para desencorajar o povo. Não tem simpatia de comer hamburguer. Não...tem sempre que ser à meia noite, com espelho virgem, vela virgem, boa intenção, reza, no meio do bananal. Acho que é para tornar a pessoa digna da graça pedida.

Essas simpatias (pequenos feitiços de atração) visam a obter a ajuda do santo para arrumar um casamento, qualquer casamento. E, para garantir a sua cooperação, as moças podem até recorrer à ameaça e à intimidação: maltratam o santo, colocam uma imagem de Santo Antônio de cabeça para baixo, às vezes dentro da água, enterram o coitadinho e só o libertam do cativeiro se ele conseguir um marido para elas.

Nunca soube de Santo Antônio ser responsabilizado por divórcios. Para se livrar dos maus tratos basta conseguir qualquer casamento para as moças desesperadas. Também nunca ouvi falar de simpatias masculinas para Santo Antônio.

Já com São João (Batista) a relação é mais respeitosa. Os festejos em sua homenagem, aqui na minha região, são bem específicos: têm comidas típicas do período, sempre à base de milho (pamonha, canjica). Aqui a pamonha é doce, mas no sul do país é salgada e, para o meu gosto, muito melhor.

Tem música específica, que agora é tocada durante o ano todo, por exemplo, forró, baião.

Tem vestimentas específicas: as moças e rapazes da cidade caricaturam o personagem "matuto", que por ser um morador do interior da região, geralmente dedicado à agricultura, era de baixa renda (pobre). Por isso, a caricatura da fantasia mostra roupas de tecido pobre (chita), geralmente com remendos de tecido diferente, dentes podres e marca de sol (sardas). A fantasia é complementada por um chapéu de palha, que é equipamento de proteção individual para quem trabalha no sol.

Detesto essa caracterização, especialmente porque essa memória além de pejorativa não corresponde à realidade. É a diferença entre tradição e mau hábito, que discutimos no post http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/04/tradicao-e-mau-habito-quando-memoria.html.

Tem danças específicas, por exemplo, a quadrilha junina. Essa dança tem origem francesa, e muitos dos seus passos ainda são chamados em francês, mas aportuguesados lá do nosso jeito: alavantú, anarriê, balancê...Falar em francês é fácil, é só botar um acento circunflexo na última vogal.

Mais do que uma simples dança, a quadrilha matuta é uma encenação de um drama familiar comum antigamente: o casamento forçado. Existem personagens na quadrilha que encenam uma situação ainda vista nos dias de hoje: a noiva (geralmente grávida), o noivo (obrigado a casar porque perfurou hímen sem contrato), o pai da noiva (armado com um fuzil papo amarelo apontado para o noivo), o padre que celebra o casamento forçado, e o delegado e policial, para garantir a reparação do buraco indevido.

Evidentemente, quando eu assisto o casamento matuto sei, porque sou advogada e prestei atenção às aulas de Direito Civil, que se trata de negócio jurídico nulo por coação vis absoluta.

Enfim, há também a fogueira que, dizem, simboliza o ato de comunicação do nascimento de São João pela avó de Jesus, Santa Ana. Ela acendeu uma fogueira para avisar nossa senhora do nascimento do sobrinho. Não sei se essa versão é mais correta, mas é a que me foi passada pela tradição.

Então, Feliz São João!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Palentologia imaginária



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Esse "fóssil" de dragão é obra do escultor Robinson Dantas, meu irmão, que me presenteou. Em outro post aparece outra obra dele: cf.http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/01/o-dia-do-saci.html

Lindo!

domingo, 19 de junho de 2011

Memória residual: fantasmas e resíduos do passado.

Existe uma tipologia utilizada por quem estuda fantasmas, subdividindo-os em três categorias básicas: residuais (aqueles fantasmas que apenas repetem movimentos que faziam em vida, mas não interagem), inteligentes (são aqueles que interagem com os vivos, e respondem perguntas,por exemplo), e os espíritos não humanos.

As duas primeiras categorias, ao que parece, são as mais comuns em locais assombrados,e ultimamente são objeto de investigação com modernos aparatos tecnológicos.

Silanov, um geofísico russo, afirma que inventou uma máquina fotográfica capaz de captar imagens residuais do passado, e já fotografou dinossauros, soldados da Segunda Guerra Mundial, guerreiros cítios, mas não consegui encontrar essa fotos na internet.

ENCONTRO NACIONAL DE BLOGUEIROS PROGRESSISTAS

Este post é apenas para marcar essa iniciativa com o intuito da lembrar depois.

Na semana que passou aconteceu em Brasília a segunda versão do Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que tem como finalidade discutir a democratização dos meios de comunicação no Brasil.

Acredito que toda iniciativa para democratizar a comunicação é válida e contribui para efetivar os direitos à liberdade de pensamento, de comunicação e de expressão.

Pessoalmente, acho que os blogs ajudam, sim, a democratizar a informação. Vejam o meu caso, por exemplo: não sei o que é um blog (Denise jura que isso aqui é um fórum, mas também não sei o que é), não sei organizá-lo e, o entanto, "si muove", como diria o célebre Galileu Galilei.

Acho que os blogs são ótimas maneiras de expressar a liberdade de opinião e pensamento, com a enorme responsabilidade que isso traz. No meu caso, em particular, é também uma ótima maneira de me comunicar com pessoas que têm os mesmos interesses que eu.

sábado, 18 de junho de 2011

Inesquecíveis - Por una cabeza

Começando uma nova série do blog - Inesquecíveis - uma de minhas músicas favoritas, em uma versão diferente: Itzhak Perlman tocando o tango "Por una cabeza":

http://www.youtube.com/watch?v=kigoRVhyaf4&feature=related

É pra se lascar! Que negócio bonito danado!

Esquecedouros: a roda dos enjeitados

Falamos sobre dois lugares de esquecimento, L'Oubliette e o "disappointment room" em um post anterior. Cf. http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/06/esquecedouros.html.

Na semana passada identifiquei outro desses esquecedouros: a roda dos enjeitados.

Era uma espécie de janela, geralmente localizada na parede externa de conventos e igrejas, dotado de um dispositivo móvel que permitia colocar um bebê pela janela e, girando o dispositivo, fazer com que fosse recebido do outro lado do muro, já no interior do imóvel.








Local: Recolhimento do Sagrado Coração de Jesus em Igarassu.

Dessa maneira, a pessoa que ia deixar a criança preservava o seu anonimato, já que não poderia ser vista do lado de dentro, e acho que é uma maneira piedosa de evitar que as crianças sejam, literalmente, jogadas na lata do lixo, como vem acontecendo nesses últimos tempos.

A constatação de que continua a acontecer o abandono de bebês em situação precária fez com que fosse reeditada a "roda dos enjeitados", e alguns hospitais da Europa agora dispõem de uma janela desse tipo. Cf. http://veja.abril.com.br/070307/p_073.shtml . Não sei como ocorre no Brasil, mas de vez em quando a gente sabe que um brasileirinho foi descartado como se fosse lixo.



Os "enjeitadinhos", as crianças abandonadas assim, iam para orfanatos e evidentemente não tinham informações sobre a sua origem familiar, que hoje é um dos direitos básicos previsto na Convenção sobre os Direitos das Crianças, especialmente no art. 8º (direito à identidade familiar) e art. 20, III, (direito à origem cultural). No Brasil a referida Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 28 de 1990, e promulgada através do Decreto nº 99710, de 21/11/1990.

No fim das contas há uma clara violação ao direito à memória individual, tanto nos aspectos da integridade e veracidade do passado, porque simplesmente as crianças não sabiam de onde vinham, o que faz que nós consideremos a "roda dos enjeitados", em sua versão antiga ou moderna, como um esquecedouro, apesar de reconhecermos o seu mérito humanitário.

Esse negócio de saber as origens é muito sério. Minha mãe, por exemplo, em flagrante violação à biografia da sua prole, afirma categoricamente que todos nós (seus filhos) fomos encontrados na porta do cemitério e fomos adotados.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

CANTINHO DE DENISE

Esse post é para Denise, que reclama da organização do blog.
Enquanto eu não aprendo como organizá-lo do jeito que você disse, você pode colocar aqui as suas observações.

sábado, 11 de junho de 2011

Fazei isso em memória de mim.

Esse foi o apelo dirigido por Jesus Cristo aos seus apóstolos na Última Ceia, como descrito em I Coríntios, 12:23-26, que é o evento fundante da celebração eucarística.

A missa católica, denominação atual da celebração eucarística, é um ritual que objetiva recordar os ensinamentos de Cristo e determinados momentos da sua vida, em especial a Última Ceia, a morte e ressurreição, revivendo o seu sacrifício em favor de todos (cristãos e não cristãos), para livrar-nos do pecado.

Fui batizada como católica mas criada como um animal silvestre, então nunca tive a disciplina necessária para dizer que pertenço a essa ou àquela religião. Sim, porque além de relapsa também sou ortodoxa: se é para seguir uma religião, tem que fazer tudo direitinho.

Pode ser também que a minha infidelidade partidária seja uma tradição brasileira, já que aqui 90% dos indivíduos são cristãos, 50% pratica cultos afro-brasileiros, 40% são espíritas, 20% são de outras denominações, e 1% não soube opinar. Portanto, essa soma vai dar muito mais que 100%: ou seja, tem brasileiro que professa mais de uma religião, e isso não é nenhum conflito, o que é uma peculiaridade nossa.

Eu mesma, católica relapsa e filha de Iemanjá, frequentava a Igreja Batista quando era pequena e uma mesquita, já participei de cerimônias em terreiro de candomblé e frequentaria também uma sinagoga, se fosse convidada e desde que ao final fosse servida alguma espécie de comida. Acho todas essas religiões formas maravilhosas e tradicionais de contar a estória da Humanidade.

Tudo isso para dizer que eu, católica relapsa, quando vou raramente à missa, presto muita atenção na performance do ritual. E, realmente, enquanto tento participar com as frases e rezas que eu aprendi quando criança, lembro de Jesus Cristo, porque fazemos tudo aquilo em memória dele.

O que eu lembro de Cristo? Bem, para mim Cristo é sangue. E o sangue dele é onipresente no ritual: comer o corpo e beber o sangue, após a transmutação do pão e do vinho. Vejo o crucifixo que fica no altar banhando no sangue de um condenado pelo governo colonial, já que o Império Romano lavou mãos.

Principalmente, vejo o sangue de uma vítima da violência policial.

Provavelmente o ritual vai evocar lembranças distintas nos participantes. Alguns vão lembrar que Jesus sofreu, outros vão lembrar das suas palavras, outros vão lembrar das suas ações, mas todos vão lembrar de uma pessoa que faleceu há mais de 2000 anos, o que é absolutamente incrível.

O apelo de Cristo à recordação do seu sofrimento tem caráter de redenção. A memória servirá para libertar ou evitar a condenação dos pecadores, o que faz sentido já que na verdade impõe a prática de valores cristãos no cotidiano, para que a pessoa se torne digna de recordá-lo através da ingestão do pão e do vinho.

Está na Lei: "Examine-se o homem a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice, pois o que come e bebe indiganmente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do senhor" (I Coríntios 12 28-29).

Ite, missa est.

Time Maps

O livro “Time Maps” de Eviatar Zerubavel, que é a nossa dica de leitura da semana, foi um daqueles que ajudam a entender as coisas. Quando eu li esse livro parece que deu um estalo na minha cabeça, e foi a partir daí que comecei a ouvir vozes.

Brincadeira!

É muito, muito, muito interessante mesmo esse livro. E, como é do meu hábito, realizei o fichamento crítico dele para colocar na minha tese, mas infelizmente não consegui desenvolver as idéias nesse sentido por falta de prazo (acadêmico).

Como acho um desperdício que essa ficha fique calada no meu arquivo, resolvi escrever um post com o fichamento, assim posso divulgar a obra e talvez despertar o interesse de alguém que esteja estudando o tema.

O livro demonstra a construção de uma topografia sociomental do passado, ou seja analisa a maneira como o organizamos e registramos os fatos selecionados como marcos para a construção da memória coletiva.

O Autor, Zerubavel (arrasou!), mostra que existem normas para lembrar, divididas em duas categorias para exposição: padrões de formatação do tempo e estratégias para ligar o passado ao presente.

1)Os padrões de formatação do tempo tentam transformar eventos desconexos em narrativas coerentes, a partir de oito técnicas: a narrativa, narrativa evolucionista, declínio, zigzag, escadas e árvores, ciclos e rimas, montes e vales, legato e staccatto. Vejamos rapidamente cada uma delas:

- Narrativa é a técnica de fazer um discurso histórico coerente a partir de fatos que são escolhidos.

- Narrativa evolucionista: parecida com a anterior mas tenta demostrar que os fatos ou eventos evoluem para outros;

- Declínio, através do qual se enfatiza a deterioração. (Aqui abro parênteses: não parece a vocês que a estória de Roma é contada exatamente assim? Quando estudei o assunto na escola fiquei preocupada porque Roma nunca chegava ao fundo do poço, e não ia ter tempo até o fim do ano letivo).

- Zigzag: são escolhidos marcos de progresso e declínio, de elevação e queda. Ao mesmo tempo em que concebe a História como uma trajetória única, a técnica do Zigzag é um esforço para mostrar desvios nessas trajetória (ZERUBAVEL, p. 18).

O que me pareceu haver de comum nessas técnicas é a eleição de marcos mnemônicos e a concepção de uma visão unilinear do passado.

- Escadas (unilinenar) e árvores (multilinear): são técnicas de formatação do passado que implicam a idéia de evolução, do “primitivo” ou do “abaixo”, na construção de uma estória teleológica do porvir (ZERUBAVEL , p. 21)

- Ciclos e Rimas: técnicas de formatação do passado baseadas na recorrência que esquematiza a história a partir de analogias, fundindo pessoas e eventos.

Essa idéia pode ser sintetizada na frase atribuída a Mark Twain: "History doesn't repeat itself, but it does rhyme."

- Montanhas e Vales: é a técnica que destaca a intensidade da memorização. Montanhas são fatos mais memoráveis, vales são vazios da memória. Para saber se determinado tempo abrange maior ou menor número de fatos memoráveis, é preciso analisar o comemograma (conjunto de comemorações).



Por exemplo: a fotografia acima seria um exemplo do meu mapa mental do século 20. As formações geológicas representariam a Primeira e a Segundas Guerras Mundiais, num meio de um mar turbulento de acontecimentos não tão memoráveis.

Viu? Essa paisagem é mais do que um belo par de peitos.

Essa categoria institui a História como narrativa do susto .

- Legato e staccatto:a técnica que considera o fraseado histórico como contínuo ou descontínuo.

A segunda parte do raciocínio do autor neste livro mostra estratégias mnemônicas para ligar o passado ao presente construindo pontes: editar fatos é maneira de criar continuidade histórica, como um roteiro de cinema.Os critérios são:

- “mesmo lugar”: a continuidade mnemônica baseada na realidade tangível da constância do lugar (Zerubavel p. 41)

- memorabilia: construção da continuidade apesar do lugar porque o objeto porta a memória (p. 43)

- imitação e replicação;

- “mesmo tempo”: reviver através de identificações sazonais. Ou seja, as pessoas se comportam diferentemente, preparam-se, compram vestimentas e comidas diferentes (p 47). Ex: Denise no Santon.

- Forçar a continuidade histórica por continuidade discursiva, através da persistência dos elementos passados consistentes com a nossa identidade. Ex: Menelik I eMenelik II (Etiópia),que tinham 2800 anos de distância.

Aqui eu lembro uma lenda, ou estória, que se dizia sobre Saddam Hussein pretender ser o continuador das obras de Nabucodonosor.

- Ancestralidade e descendência.

Com as ferramentas que esse livro me deu, consigo analisar determinada memória de forma mais sistematizada. Vou escolher um evento da História do Brasil para treinar a aplicação desse sistema em outro post, sem data para ser escrito.

REFERÊNCIA:

ZERUBAVEL, Eviatar. Time Maps: collective memory and social shape of the past.Chicago:London, 2004.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Old Love - Eric Clapton/Robert Cray

I can feel your body
When I'm lying in bed
There's too much confusion
Going around through my head

And it makes me so angry
To know that the flame still burns
Why can't I get over?
When will I ever learn?

Old love, leave me alone
Old love, go on home

I can see your face
But I know that it's not real
It's just an illusion
Caused by how I used to feel

And it makes me so angry
To know that the flame will always burn
I'll never get over
I know now that I'll never learn

_________________________________

Essa é uma das minhas canções favoritas, não só porque se trata de uma bela música mas pelo seu caráter memorial.

Quando a escuto dá até para imaginar o sofredor (a)penando pelos corredores dos versos, arrastando a lembrança de um velho amor que não consegue esquecer. Apaixonado, abandonado e com boa memória? Tá lascado.

Quer esquecer um grande amor? Pergunte-me como! e confira o post: http://direitoamemoria.blogspot.com/2011/01/receita-para-esquecer-um-grande-amor.html

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Memória fotográfica 2

A irreversibilidade do passado

Há um ditado árabe, muito citado por aqui, que fala sobre a irreversibilidade:

"Quatro coisas jamais voltam: a flecha (pedra) atirada, a palavra dita, a oportunidade perdida e o tempo passado".

Se o que aconteceu não pode ser mudado, a interpretação sobre o que aconteceu muda aos sabor dos tempos. O que antes era Revolução passa a ser caracterizado como Golpe de Estado. O que ontem foi considerado uma grande vitória em batalhas, com o passar do tempo pode mostrar-se uma derrota de médio e longo prazos.

O século XX foi crucial para as mudanças de paradigmas, e dentre esses a maneira de interpretar o passado.

Um dos maiores feitos da memória é transformar eventos desconexos em narrativas históricas corentes (ZERUBAVEL, 2004, p. 13), onde as omissões e ênfases acabam por formatar o passado.

Dizer que o passado é irreversível não impede que seja ressignificado.

E aí, eu lembro de uma das minhas frases favoritas, dita por Joelmir Beting no Jornal da Bandeirantes (24/01/2005, às 18:56):

"No Brasil até o passado é imprevísivel".

Perder a noção de certeza do que aconteceu, perder o porto seguro do passado, às vezes é necessário para seguir em frente de forma melhor, porém, isso abala os alicerces de pessoas e grupos fundam a sua identidade no passado.

Acompanhar essas ressignificações é muito interessante, pois elas são capazes demonstrar os processos de construção da memória coletiva e individual.

Referência

ZERUBAVEL, Eviatar. Time Maps. Chicado:London, 2004.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Esquecedouros

Ontem ouvi falar pela primeira vez de um(a) Oubliette, a prisão dentro da prisão.

L'Oubliette era uma cela no subterrâneo das prisões européias, à qual se dava acesso através de um alçapão. Aí eram colocados os presos que deveriam ser "esquecidos": não sei exatamente o que isso significava na época, mas imagino que não deviam receber água, comida e outros direitos básicos.

Provavelmente, acabavam morrendo em função dos maus tratos.

L'Oubliette, ou esquecedouro (na felicíssima sugestão de tradução de Albino), é um lugar de esquecimento. Que crime merecia tal tratamento?

Já tinha ouvido falar de outros esquecedouros, e talvez o que mais impressiona até hoje é o "disappointment room", geralmente um cômodo da casa onde eram colocados os membros da família que tinham alguma necessidade especial, principalmente algumas formas de doença mental.

O esquecedouro é sempre assim: um lugar reservado, trancafiado, onde são escondidos os desapontamentos e os inconvenientes.

A primeira relação sexual a gente nunca esquece...

Tá pensando que isso aqui é o WikiLeaks?

CAMPANHA PELO RESGATE E MANUTENÇÃO DE NOMES TRADICIONAIS DE LOGRADOUROS PÚBLICOS

SOU CONTRA (bela maneira de começar uma campanha, não é?) o hábito de conferir aos logradouros públicos o nome de pessoas, como forma de homenagem, quando não têm ressonância social e substituem nomes tradicionais.
Cf http://direitoamemoria.blogspot.com/2010/09/os-nomes-das-ruas-da-minha-cidade.html

Às vezes, para homenagear uma pessoa, alteram o nome de um logradouro (praça, rua, edifício) que já existe, e que se incorporou à memória coletiva, dificultando a apropriação espacial e simbólica do local pelas pessoas.

Na minha cidade, por exemplo, havia uma via pública denominada "rua dos sete pecados capitais". É, ou não é, a primeira forma de zoneamento urbano? Por sinal, essa rua era uma zona mesmo, e continua com todos os pecados lá, mas agora mudou de nome.

Coisa mais triste, nomear uma rua com alguém que ninguém conhece. Só porque é parente do político X, ou tem um sobrenome interessante para ficar marcado para as próximas gerações, digo, eleições.

SOU A FAVOR de nomear logradouros com o nome de personalidades que realmente tem ressonância social.

CONCLAMO, my fellow citizens, a resgatar, manter e difundir os nomes tradicionais de logradouros públicos, inclusive de países. Viva a Pérsia! A Gália! Lusitânia, cadê você? Eu vim aqui só para te ver!

ESTOU DISPOSTA adotar nomes mais antigos, desde que exista comprovação documental.

RESGATEM a rua da Merda!

domingo, 5 de junho de 2011

Cinco frases que podem ser usadas no dia-a-dia para violar o direito à memória.

Dicas para indicar frases/idéias/mentalidades/argumentos capazes de violar o direito à memória:

1) Esqueçam o que eu escrevi! Exemplo supostamente fornecido pelo ex-Presidente Prof. Fernando Henrique Cardoso, que jura nunca ter dito tal frase. Esse é o poder da memória coletiva: o ex-presidente é mais lembrado pelo que não disse, mas infelizmente a gente só lembra disso.

2) "Vê se me esquece!", essa frase pode ser subsitutída com sucesso por "Vê se me erra" e "Larga do meu pé, chulé". Explícita estratégia de esquecimento, consistindo em deixar de lado cobranças contra pessoas.

3) "Vamos passar uma borracha no assunto". Diferentemente do item 2, em que o aspecto é pessoal, aqui queremos esquecer um tema, fato ou circunstância. Pode ser substituído por "colocar panos quentes", embora neste último caso evidentemente a situação só fica controlada, amortecida ou amolecida paliativamente.

Sempre achei engraçada a expressão "colocar panos quentes" para amenizar a situação. Dizem que é tem origem na terapêutica tradicional, em que fazer compressas com panos quentes melhora determinados desconfortos físicos (antigamente era usada para febres, partos). Também pode significar colocar cobertas, ocultando coisas por baixo dos panos.

4) "Vamos superar essa situação em nome de...". Aí você completa com o que tiver maior apelo no momento: "reconciliação nacional" (anistia brasileira), paz social (ameaça velada contra quem continua fazendo perguntas), nosso casamento (quando um dos cônjuges fez besteira), dos nossos filhos (quando um dos cônjuges quer continuar a fazer besteira), etc...

5) "Isso é revanchismo". Essa frase tem como finalidade apontar um argumento ad hominem. Neste caso a intenção é calar ou desqualificar o teimoso, o revanchista, o chato, que continua fazendo perguntas sobre questões já ultrapassadas, do ponto de vista de alguns.

Os memorialistas (quando a memória é forma de subversão) geralmente são identificados desta maneira.

Diante dessas frases, ou similares, a dica é parar e pensar: por que e para quem o esquecimento é útil?

sábado, 4 de junho de 2011

Lembrar Casanova

Fui seduzida por Giacomo Casanova (1725-1798) quando era adolescente. Adorava ler e ver filmes sobre ele embora, até hoje, não entenda muito bem os motivos da sua fama.

É certo que Casanova era um homem culto,e interessante, que traduziu a Ilíada de Homero (cf. http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticia/HOJE+NA+HISTORIA+1798++MORRE+O+ITALIANO+GIACOMO+CASANOVA+_12445.shtml ), além de ser escritor e um viajante.

Sempre admirei em Casanova o fato de gostar de viajar, e nisso temos muito em comum. Mas ele ficou famoso mesmo por contar a vantagem de haver seduzido 122 mulheres, 123 se eu for incluída na lista.

E de ser democrático, já que não tinha critérios pré-fixados para selecionar suas conquistas: loura, morena, ruiva, magra, gordinha, alta, baixa, qualquer raça ou credo, se vacilasse na frente dele, já era.

Uma coisa que eu admiro em Casanova é a idéia de seduzir mulheres através da comida e consequentemente, levar a idéia de comer alguém a novas dimensões. Segundo a sua tipologia, eu seria "seduzível" com "hortaliças de perfume intenso, ostras com limão, embutidos apimentados, risotos, carne vermelha, queijos fortes, doces recheados e chocolate, vinho tinho e champagne".

Bobinho, depois desse tanto de comida a pessoa só quer dormir. E comigo, o que funcionaria mesmo é hamburger.

Sei que os seus méritos devem ser analisados dentro de um contexto histórico, mas nesses tempos que vivemos, dormir com 122 mulheres parece patamar de micareta, carnaval, ou qualquer outra manifestação profana no Brasil. Hoje, qualquer jovem macho pode conseguir atingir essa marca durante a vida.

Casanova morreu com 73 anos, e se considerarmos os relatos de que sua vida sexual começou aos nove anos (coisa absurda!), daria um média pífia de 1.9 mulheres/ano. Ou seja, o pobre coitado levou a fama de ser volúvel mesmo mantendo (em média) relacionamentos de 6 meses.

Pelos parâmetros atuais, Casanova não ia nem ser perseguido por paparazzi.

Lembrei dele porque hoje é aniversário de sua morte: faleceu em 4 de junho de 1798, em Dux, região da Boemia.

quinta-feira, 2 de junho de 2011