Os asilos deveriam ser lugares de memória e não esquecedouros, já que lá residem verdadeiros patrimônios vivos, repositórios de experiência individual e coletiva que nos permitiriam construir um mosaico mais colorido da nossa coexistência.
Os idosos são os guardiões do passado, e sua função social é servir de ponte entre o que passou e o presente. A memória familiar é um importante capital intersubjetivo, e a família é a primeira instituição transmissora de conhecimentos e formadora da identidade intergeracional (KAUFMAN, 2006, p. 48).
Nesse foco, os avós têm um importante papel pois substituem creches, transmitem valores e representam a maneira de viver, sentir, ser e pensar de outrora, constituindo-se em verdadeiro liame entre as gerações não sucessivas (HALBWACHS, 1990, p. 66). É o próprio indivíduo sendo considerado como patrimônio cultural vivo.
Então, se do ponto vista memorial (sem contar humanitário) os idosos são tão importantes para a sociedade, porque no Brasil não são devidamente valorizados?
Talvez porque na nossa visão estranha (e tradicional escravista) o valor de uma pessoa esteja vinculado à força de trabalho. Os idosos, gastos pela máquina de moer gente que virou a economia mundial, hoje não são mais úteis, e ao contrário, dão despesas por causa das aposentadorias e benefícios.
Nessa lógica, os idosos deixam de ser um ativo social e passam a ser um fardo. A conseqüência disso, para Marilena Chauí (1994, p. 18), são as variadas formas de opressão, desde a excessiva burocracia na hora da concessão de benefícios sociais até a utilização de mecanismos psicológicos para desmerecê-los, tais como as diversas incapacidades e a incompetência social.
Parece-me que em sua idéia original, o asilo é destinado àquelas pessoas desvalidas, que não têm família ou ninguém por elas. Mas hoje, são um lugar utilizados como depósitos de gente idosa, para que lhes sejam dispensados "cuidados adequados", mas cuja estrutura profissional, inclusive quanto às regras dos estabelecimentos, não permite vislumbrá-los como locais acolhedores.
Sobre o assunto, recomendo a leitura desse artigo de Souza: http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/34.pdf
E olhe que eu estou pensando em bons asilos, onde há apenas segregação do seio familiar e social e um jeito chato de viver pela estrutura formal de tratamento, inclusive com cerceamento da liberdade de ir e vir. Mas há aqueles em que simplesmente não se pratica o esporte do respeito à dignidade humana.
Chama também a atenção a ausência dos familiares: por falta de tempo, os dias e semanas se passam sem que os internos recebam visitas. É de partir o coração vê-los esperando (os que ainda esperam) e não receber sequer um telefonema. Ficam lá esquecidos.
Sei que o futuro de alguns de nós será um asilo. No meu caso, espero que seja um dos bons, que tratem os velhinhos com dignidade, e que lembrem que nós não somos iogurte para perder a validade. Enquanto estiver no exercício das minhas faculdades mentais, vou continuar exercendo os meus direitos fundamentais da melhor maneira (inclusive o ir e vir muito!).
Não vou aceitar ser segregada. Não vou aceitar que me dêem ordens descabidas, isso enquanto estiver no uso de minhas faculdades mentais.
E quando eu as perder, bem, aí o problema deles estará só começando.
REFERÊNCIAS
CHÁUÍ, Marilena. Os trabalhos da memória. In: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, p. 17-32, 1994.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais: Vértice, 1990.
KAUFMAN, Susana. Lo legado y lo próprio: lazos familiares y transmisión de memorias. In: JELIN, Elizabeth; KAUFMAN, Susana G (comps). Subjetividad y figuras de la memoria. Buenos Aires: Siglo XXI; Editora Iberoamericana, p.47-71, 2006.
Notícia de partir o coração: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/06/140610_vovo_sexo_coreia_mv.shtml. A prostituição na terceira idade é um tema pouco estudado no Brasil. Aqui, acredito que acontece por razões diferentes da Coréia do Sul: lá , a promessa de solidariedade intergeracional foi quebrada pelas exigências do século XXI, e aqui, é a crônica falta de opções. Muitas pessoas que iniciam quando jovens na prostituição, nela permanecem até a idade da aposentadoria. E se conseguem se aposentar, nela permanecem para sobreviver.
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