Todos podem acompanhar as notícias de protestos vindos da Ucrânia e aqui no blog sempre comentamos situações motivadas por reivindicações memoriais.
Embora eu não tenha realizado nenhum estudo sistemático sobre a política ucraniana (e deveria), vou dar mesmo assim a minha opinião (não deveria), porque nessa semana estava estudando os efeitos do fim da União Soviética na construção da memória coletiva da Estônia, e imagino que o que aprendi nesse estudo pode ser estendido à Ucrânia.
Observem: a União Soviética era uma federação, o que significa que não havia direito de secessão dos Estados-membros. Após o processo de sua extinção (1990-1991), foi criada a Comunidade dos Estados Independentes(CEI), que demonstra haver ainda uma forte ligação entre a Rússia e os Estados recém-independentes, quase como uma confederação.
Digo "quase" porque sendo os independentes os Estados componentes da Comunidade, teoricamente não seria uma confederação. Há sim um conjunto de Estados ligados por laços de afinidade (geográfica, política, histórica, cultural), com um evidente papel de destaque central para a Federação Russa.
A diferença fundamental, no meu entender, entre a Estônia e a Ucrânia, é que a primeira nunca integrou a Comunidade dos Estados Independentes. Então o seu processo de desligamento simbólico da herança soviética, e principalmente russa, começou há quase vinte anos.
A Ucrânia passou os últimos vinte e três anos ainda em uma íntima relação com a Rússia, na condição quase que de poder central. Sem tecer maiores considerações sobre questões de soberania, do ponto de vista memorial parece que o desligamento simbólico da Ucrânia será mais intenso e traumático, como se pode perceber dos recentes protestos.
Este blog discute o passado e o presente, visto que a memória é o que se exerce agora, mas pensando um pouco no futuro, acredito que estamos vendo o processo de retirada da Ucrânia da CEI. Quando for bem sucedido, talvez não agora por fortes razões políticas e econômicas, mas provavelmente o será no futuro, o passo seguinte será a reavaliação e reescrita do significado da União Soviética, da CEI, e da própria História da Ucrânia, que culminaria com a modificação dos livros didáticos.
Nessa semana que passou tive a oportunidade de ver a diferença de tratamento nos conteúdos escolares da História da Estônia, antes e depois da União Soviética. É visível a intenção de, através da História ensinada na Escola, fundar a identidade estoniana e reforçar laços identitários. Acredito que processo similar poderia ocorrer na Ucrânia, e será interessante continuar acompanhando o que acontece por lá.
O brasileiro não tem memória.
Neste blog desmascaramos esta mentira.
Neste blog desmascaramos esta mentira.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
O aquecimento global e achados arqueológicos
Os deuses da Arqueologia às vezes atuam por caminhos misteriosos. As grandes guerras mundiais, e seus explosivos, fizeram aflorar uma grande quantidade de vestígios arqueológicos, e o aquecimento global também.
Confira a interessantíssima notícia sobre o achamento de restos mortais de soldados da Primeira Guerra Mundial, que apareceram em razão do descongelamento parcial dos Alpes: http://noticias.seuhistory.com/derretimento-do-gelo-nos-alpes-italianos-revela-mumias-de-soldados-mortos-na-primeira-guerra-mundial
Confira a interessantíssima notícia sobre o achamento de restos mortais de soldados da Primeira Guerra Mundial, que apareceram em razão do descongelamento parcial dos Alpes: http://noticias.seuhistory.com/derretimento-do-gelo-nos-alpes-italianos-revela-mumias-de-soldados-mortos-na-primeira-guerra-mundial
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Caso Riocentro
O atentado ocorrido no Riocentro, em 1981, é um daqueles episódios nebulosos da transição para a democracia no Brasil. Após quase 33 anos, o Ministério Público denunciou seis acusados: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,procuradores-denunciam-6-envolvidos-no-caso-riocentro,1131094,0.htm.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
Direito à memória dos mortos: a imortalidade digital
Já tivemos a oportunidade de falar sobre a memória dos mortos na internet no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2011/03/on-memorian-o-direito-memoria-dos.html, e também sobre o uso da tecnologia em lápides digitais (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/11/lapides-digitais.html).
Mas agora, definitivamente, deram um passo além. Agora através do site http://eterni.me/ você pode abastecer um programa com as suas memórias mais queridas, e quando falecer, um avatar simulará você para que os familiares e amigos possam interagir. Será?
Talvez em um futuro remoto, bem remoto, seja possível realizar estudos de casos sobre os critérios de escolha das lembranças individuais que comporão o conteúdo dos avatares. Minha hipótese? Predominância de memórias boas que passem uma impressão "digna" do eu mesmo que se pretende preservar à posteridade, tal como acontecia em outras formas de pós-vida como as lápides tradicionais, mortalhas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/mortalhas.html), santinhos.
A idéia é antiga, pois os vivos sempre dialogaram com os mortos e sua memória, que é a verdadeira imortalidade, na minha concepção. A novidade mesmo é a forma de interação.
Mas agora, definitivamente, deram um passo além. Agora através do site http://eterni.me/ você pode abastecer um programa com as suas memórias mais queridas, e quando falecer, um avatar simulará você para que os familiares e amigos possam interagir. Será?
Talvez em um futuro remoto, bem remoto, seja possível realizar estudos de casos sobre os critérios de escolha das lembranças individuais que comporão o conteúdo dos avatares. Minha hipótese? Predominância de memórias boas que passem uma impressão "digna" do eu mesmo que se pretende preservar à posteridade, tal como acontecia em outras formas de pós-vida como as lápides tradicionais, mortalhas (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2013/07/mortalhas.html), santinhos.
A idéia é antiga, pois os vivos sempre dialogaram com os mortos e sua memória, que é a verdadeira imortalidade, na minha concepção. A novidade mesmo é a forma de interação.
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
Diálogo surreal (5): 911
Essa foi no meio de uma aula. Nós discutíamos sobre a noção de lícito/ilícito e exemplifiquei com a omissão de socorro. Aí, o diálogo passou a ficar surreal:
Fabiana: Por isso, a omissão de socorro é ilícita. O agente devia (tinha o dever jurídico) de prestar o socorro, ou estava em condições de fazê-lo, e não fez. Em algumas situações, nós não devemos intervir para não piorar o estado da vítima, por exemplo, movendo-a do lugar. Os bombeiros geralmente recomendam que seja acionado o socorro para que a vítima receba o tratamento adequado.
Alguém aqui lembra qual é o telefone da emergência?
Aluno: Eu sei, professora. É 911.
Fabiana: Não senhor, é 190.
Aluno: ah...não é, não. É 911.
Fabiana: Veja, você está lembrando do 911 porque esse é o telefone da emergência nos Estados Unidos, e provavelmente você assiste a muitas séries e filmes. Aqui o número é 190.
Aluno: Tem certeza?
Fabiana: Eu tenho, e você? Tem certeza que o número da emergência aqui é 911? Você já usou?
Aluno: Eu, pessoalmente, não. Mas eu tenho um amigo que usou e funcionou.
Fabiana: Está certo, vamos seguir adiante e deixar essa questão no passado. Mas deixe dar um conselho: se algum dia precisar (que Deus nos livre!) prometa que vai ligar para os dois números, mas primeiro para o 190, certo? É que o pessoal do 911 às vezes demora um pouco para aparecer por aqui, já que eles vêm de longe.
__________________________________________________
Isso encerra esse diálogo, mas não o problema da memorização de informações alienígenas. Mais de uma vez ouvi referências de que "Nós vivemos em um país livre (free country)", e que os juízes brasileiros usam perucas, e outras informações desse gênero.
Fabiana: Por isso, a omissão de socorro é ilícita. O agente devia (tinha o dever jurídico) de prestar o socorro, ou estava em condições de fazê-lo, e não fez. Em algumas situações, nós não devemos intervir para não piorar o estado da vítima, por exemplo, movendo-a do lugar. Os bombeiros geralmente recomendam que seja acionado o socorro para que a vítima receba o tratamento adequado.
Alguém aqui lembra qual é o telefone da emergência?
Aluno: Eu sei, professora. É 911.
Fabiana: Não senhor, é 190.
Aluno: ah...não é, não. É 911.
Fabiana: Veja, você está lembrando do 911 porque esse é o telefone da emergência nos Estados Unidos, e provavelmente você assiste a muitas séries e filmes. Aqui o número é 190.
Aluno: Tem certeza?
Fabiana: Eu tenho, e você? Tem certeza que o número da emergência aqui é 911? Você já usou?
Aluno: Eu, pessoalmente, não. Mas eu tenho um amigo que usou e funcionou.
Fabiana: Está certo, vamos seguir adiante e deixar essa questão no passado. Mas deixe dar um conselho: se algum dia precisar (que Deus nos livre!) prometa que vai ligar para os dois números, mas primeiro para o 190, certo? É que o pessoal do 911 às vezes demora um pouco para aparecer por aqui, já que eles vêm de longe.
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Isso encerra esse diálogo, mas não o problema da memorização de informações alienígenas. Mais de uma vez ouvi referências de que "Nós vivemos em um país livre (free country)", e que os juízes brasileiros usam perucas, e outras informações desse gênero.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Direito à memória dos mortos: A incorruptibilidade dos corpos
A incorruptibilidade dos cadáveres geralmente é considerada um sinal de santidade, idéia que me parece remontar à interferência divina no judicium Dei (http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/04/resgatando-instituicoes-antigasordalios.html), suspendendo os efeitos naturais da decomposição.
Existem meios químicos e físicos da manutenção da integridade parcial de cadáveres, podendo ser citadas as diversas formas de mumificação natural e artificial, embalsamentos, congelamento, enfim, diversas técnicas que ajudam a preservar por mais tempo a matéria, e que contribuem para a manutenção da memória dos mortos.
Acho surpreendentes o estado de conservação e a exposição de restos mortais humanos, principalmente de alguns santos, como Santa Bernadette Soubirous e São Vicente de Paula, que a tradição diz não haver sofrido intervenções para a preservação.
Além da incorruptibilidade, alguns deles também vertem substâncias ("óleos") milagrosas usadas em curas, às vezes com cheiro de flores, como ocorre com Santa Valburga, de quem já falamos no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/04/walpurgisnacht.html.
Existem meios químicos e físicos da manutenção da integridade parcial de cadáveres, podendo ser citadas as diversas formas de mumificação natural e artificial, embalsamentos, congelamento, enfim, diversas técnicas que ajudam a preservar por mais tempo a matéria, e que contribuem para a manutenção da memória dos mortos.
Acho surpreendentes o estado de conservação e a exposição de restos mortais humanos, principalmente de alguns santos, como Santa Bernadette Soubirous e São Vicente de Paula, que a tradição diz não haver sofrido intervenções para a preservação.
Além da incorruptibilidade, alguns deles também vertem substâncias ("óleos") milagrosas usadas em curas, às vezes com cheiro de flores, como ocorre com Santa Valburga, de quem já falamos no post http://direitoamemoria.blogspot.com.br/2012/04/walpurgisnacht.html.
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sábado, 8 de fevereiro de 2014
Historia calamitatum
Cheguei à conclusão de que "melhor" para mim é o que dura. A permanência é uma virtude que só poucos objetos escolhidos possuem, principalmente nesses nossos tempos difíceis do descartável e da obsolescência programada.
Eu gosto daquele tempo mítico onde as coisas eram feitas para sempre. Onde estão aquelas coisas maravilhosas que duravam décadas? Minha avó, por exemplo, só possuiu uma máquina de lavar durante toda a vida, e se orgulhava muito disso.
Por que existem tantas modas retrô e vintage? Porque os objetos ainda estão por aí, prontos para serem usados. E quando são feitas réplicas, "caricaturas de época", geralmente duram muito menos do que os originais.
Recentemente comprei uma vassoura bonita que, pasmem, não varria. Depois de diversas tentativas, ela simplesmente desistiu e partiu-se, como se a vida dela não fizesse sentido.
Eu quero coisas que durem, sejam úteis, e morram dignamente. Eu preciso de uma vassoura arquetípica e primordial que não solte as cerdas, o cabo e que realmente limpe o chão. É pedir demais?
Você pode estar pensando que a culpa é minha, que não sei varrer direito e nem escolher vassouras. Mas essa responsabilidade eu não aceito, pois estou cansada de ver toda a responsabilidade sendo jogada sobre os ombros do consumidor, a quem cabe o ônus do desejo, da necessidade, de pagar e de peregrinar para que os fornecedores cumpram o prometido.
Eu quero um objeto que não precise ir para a assistência técnica ao sair da loja. É pedir demais?
Aqui, a estória do consumo é assim:
Você adquire o produto;
O produto não faz o que deve;
Você liga para a loja;
E liga para a loja;
E liga para a loja.
A loja diz que você espere.
Espera.
Espera.
Liga para a loja de novo.
E a loja diz que você esperou demais, o seu prazo de garantia já passou e você tem que ligar para a assistência técnica.
Você liga para a assistência técnica;
E liga para a assistência técnica;
E a assistência técnica diz que vai ligar para a loja, e que o consumidor espere;
Espere.
Espere.
E finalmente,é marcada a data (nunca menos de uma semana) para o diagnóstico do problema que o produto novo não deveria ter.
E vinte dias depois, se der sorte, você tem um produto novinho em folha que já passou por um conserto.
O custo da minha paciência não é considerado na política de preços dos produtos, mas deveria.
Eu gosto daquele tempo mítico onde as coisas eram feitas para sempre. Onde estão aquelas coisas maravilhosas que duravam décadas? Minha avó, por exemplo, só possuiu uma máquina de lavar durante toda a vida, e se orgulhava muito disso.
Por que existem tantas modas retrô e vintage? Porque os objetos ainda estão por aí, prontos para serem usados. E quando são feitas réplicas, "caricaturas de época", geralmente duram muito menos do que os originais.
Recentemente comprei uma vassoura bonita que, pasmem, não varria. Depois de diversas tentativas, ela simplesmente desistiu e partiu-se, como se a vida dela não fizesse sentido.
Eu quero coisas que durem, sejam úteis, e morram dignamente. Eu preciso de uma vassoura arquetípica e primordial que não solte as cerdas, o cabo e que realmente limpe o chão. É pedir demais?
Você pode estar pensando que a culpa é minha, que não sei varrer direito e nem escolher vassouras. Mas essa responsabilidade eu não aceito, pois estou cansada de ver toda a responsabilidade sendo jogada sobre os ombros do consumidor, a quem cabe o ônus do desejo, da necessidade, de pagar e de peregrinar para que os fornecedores cumpram o prometido.
Eu quero um objeto que não precise ir para a assistência técnica ao sair da loja. É pedir demais?
Aqui, a estória do consumo é assim:
Você adquire o produto;
O produto não faz o que deve;
Você liga para a loja;
E liga para a loja;
E liga para a loja.
A loja diz que você espere.
Espera.
Espera.
Liga para a loja de novo.
E a loja diz que você esperou demais, o seu prazo de garantia já passou e você tem que ligar para a assistência técnica.
Você liga para a assistência técnica;
E liga para a assistência técnica;
E a assistência técnica diz que vai ligar para a loja, e que o consumidor espere;
Espere.
Espere.
E finalmente,é marcada a data (nunca menos de uma semana) para o diagnóstico do problema que o produto novo não deveria ter.
E vinte dias depois, se der sorte, você tem um produto novinho em folha que já passou por um conserto.
O custo da minha paciência não é considerado na política de preços dos produtos, mas deveria.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Amenófis III e IV
Quanta novidade na Arqueologia!
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5jPPgWAe5jhzpdIHlQo1h3aFs_IeA?docId=b00775de-f399-4813-849a-8e94cfedeff3&hl=pt_PT
Governaram juntos?
http://www.google.com/hostednews/afp/article/ALeqM5jPPgWAe5jhzpdIHlQo1h3aFs_IeA?docId=b00775de-f399-4813-849a-8e94cfedeff3&hl=pt_PT
Governaram juntos?
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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014
Conhece-te a ti mesmo, Brasil (8): a questão da privacidade
Diz-se que os brasileiros são amigáveis e hospitaleiros mas percebo essas características como sintomas de uma tendência à intromissão na vida alheia.
Sabe aquela projeção dos direitos personalíssimos que criam para a pessoa uma esfera de liberdade que, à falta de metáfora melhor, pareceria uma auréola ou círculo a nos envolver? Pois bem, entre nós essa esfera é bem pequena ou quase inexistente.
No Brasil, você será invadido.
Sob o pretexto de pedir açúcar emprestado ou de saber como você vai, vizinhos não o deixarão viver só. As pessoas adoram tanto redes sociais porque podem saber e opinar sobre a vida alheia.
E mesmo quando estiver desacompanhado, não estará sozinho, pois as pessoas chegarão até você sob a forma de barulho.
As pessoas tocarão em você enquanto falam, e essa mania de pegar nos outros, mesmo que desconhecidos, parece ser uma característica bem nossa. Imagino a estranheza dos "outros", acostumados a mais retração, quando "nós" beijamos, abraçamos, beliscamos (sim, há quem belisque) e damos tapinhas amigáveis nos interlocutores.
Sabe aquela idéia do "don't ask, don't tell"? Entre nós pode ser traduzida como "pergunte e divulgue", pois não há nada melhor do que saborear a vida alheia.
Acredito, inclusive, que talvez isso seja uma coisa benéfica, haja vista a grande necessidade das pessoas de falar sobre a própria vida, sonhos, desilusões, intimidades. Essa idéia de compartilhar com o "grande grupo" deve servir para alguma coisa e pode favorecer a inclusão social.
Enfim, parece fazer parte do nosso modo de viver e sentir essa tendência de redução da privacidade, que pode até se apresentar como forma solidariedade social em situações específicas, mas que no geral revelam uma tendência à intromissão e à inefetividade do direito de estar só.
Sabe aquela projeção dos direitos personalíssimos que criam para a pessoa uma esfera de liberdade que, à falta de metáfora melhor, pareceria uma auréola ou círculo a nos envolver? Pois bem, entre nós essa esfera é bem pequena ou quase inexistente.
No Brasil, você será invadido.
Sob o pretexto de pedir açúcar emprestado ou de saber como você vai, vizinhos não o deixarão viver só. As pessoas adoram tanto redes sociais porque podem saber e opinar sobre a vida alheia.
E mesmo quando estiver desacompanhado, não estará sozinho, pois as pessoas chegarão até você sob a forma de barulho.
As pessoas tocarão em você enquanto falam, e essa mania de pegar nos outros, mesmo que desconhecidos, parece ser uma característica bem nossa. Imagino a estranheza dos "outros", acostumados a mais retração, quando "nós" beijamos, abraçamos, beliscamos (sim, há quem belisque) e damos tapinhas amigáveis nos interlocutores.
Sabe aquela idéia do "don't ask, don't tell"? Entre nós pode ser traduzida como "pergunte e divulgue", pois não há nada melhor do que saborear a vida alheia.
Acredito, inclusive, que talvez isso seja uma coisa benéfica, haja vista a grande necessidade das pessoas de falar sobre a própria vida, sonhos, desilusões, intimidades. Essa idéia de compartilhar com o "grande grupo" deve servir para alguma coisa e pode favorecer a inclusão social.
Enfim, parece fazer parte do nosso modo de viver e sentir essa tendência de redução da privacidade, que pode até se apresentar como forma solidariedade social em situações específicas, mas que no geral revelam uma tendência à intromissão e à inefetividade do direito de estar só.
domingo, 2 de fevereiro de 2014
Diálogo Surreal (4): músicas de trabalho
Considero as músicas de trabalho uma parte importante da memória das categorias profissionais. Pregões, aboios, canções de lavradores e lavadeiras. Estou sempre observando músicas de trabalho, e quando dou a sorte de encontrar alguém que exerce ofícios tradicionais, vou ficando por ali para ver se aprendo alguma coisa.
Tudo isso, para explicar como chegamos nesse diálogo surreal:
- Eu: Esse rio de chama "Lençóis" por que?
- Dizem que os garimpeiros de diamante cobriam a cabeça com lençóis, e de longe parecia que havia muitos, daí o nome do rio.
- Eu: Certo...Pensei que era por causa das lavadeiras....Há lavadeiras aqui na cidade de Lençóis?
- Tem sim. Elas lavam a roupa logo ali abaixo, e estendem na beira do rio.
- Eu:Que legal! E elas costumam cantar enquanto trabalham? Você já ouviu? O que elas cantam?
- As senhoras mais velhas cantam, mas mais novas não.
- Eu: É mesmo? (essa sou eu vislumbrando uma fratura na transmissão do patrimônio imaterial das lavadeiras de Lençóis), que pena... Por que será que elas não cantam?
- Por que passam o dia falando do povo no Facebook, e usando o telefone perto do rio.
(...)
Tudo isso, para explicar como chegamos nesse diálogo surreal:
- Eu: Esse rio de chama "Lençóis" por que?
- Dizem que os garimpeiros de diamante cobriam a cabeça com lençóis, e de longe parecia que havia muitos, daí o nome do rio.
- Eu: Certo...Pensei que era por causa das lavadeiras....Há lavadeiras aqui na cidade de Lençóis?
- Tem sim. Elas lavam a roupa logo ali abaixo, e estendem na beira do rio.
- Eu:Que legal! E elas costumam cantar enquanto trabalham? Você já ouviu? O que elas cantam?
- As senhoras mais velhas cantam, mas mais novas não.
- Eu: É mesmo? (essa sou eu vislumbrando uma fratura na transmissão do patrimônio imaterial das lavadeiras de Lençóis), que pena... Por que será que elas não cantam?
- Por que passam o dia falando do povo no Facebook, e usando o telefone perto do rio.
(...)
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